Acórdão nº 1675/18.0T8CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Junho de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução11 de Junho de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

E (…), instaurou contra “A (…), Lda, acção declarativa, de condenação, com processo comum.

Pediu: Seja a Ré condenada a pagar-lhe a quantia global de € 7.500,00, sendo € 5.500,00 de danos patrimoniais e € 2.000,00 de danos não patrimoniais.

Alegou: No dia 10 de Abril de 2018 comprou à Ré um veículo automóvel da marca “Citroen”, modelo “Xsara Picasso”, de cor cinzenta, com a matrícula (...) XZ pelo preço de € 5.000,00 e que o mesmo, desde logo, apresentou problemas, tendo ido a reparar pelo menos três vezes ao agente indicado pela sociedade Ré, tendo despendido com essas reparações cerca de € 500,00.

No dia 25 de Junho de 2018, quando Autora e o companheiro se encontravam dentro da viatura na Curva do Lena, na Estrada Nacional 343, Aldeia Nova do Cabo, e sem que nada o fizesse esperar, o veículo incendiou-se e foi totalmente consumido pelas chamas, tendo sido necessária a presença dos bombeiros no local para extinguir o incêndio.

Sentiu pânico ao ver o veículo a arder e temeu pela sua vida, pela vida do seu companheiro e pela vida do cavalo que transportava e que durante muito tempo sentiu-se nervosa e angustiada, dormia mal e não tinha apetite.

A Ré contestou.

Alegou: A própria Autora admite que desconhecia a existência de qualquer problema com o automóvel e nem sequer alega que a sociedade Ré sabia da existência de qualquer problema ou que foi esta que causou o alegado sinistro da viatura.

A Autora desconhece por completo a causa do incêndio e autora não alegou a existência de qualquer defeito de que o veículo fosse portador.

O veículo não apresentava qualquer defeito aquando da sua venda e o incêndio não foi causado por qualquer peça protegida por qualquer garantia legal.

As partes convencionaram que o veículo era vendido por € 5.000,00 desde que a Autora prescindisse de toda e qualquer garantia.

A aposição de atrelado no veículo constitui uma má utilização do mesmo podendo ser essa a origem do incêndio.

Pediu: A improcedência da acção.

  1. Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual oi decidido: «Nestes termos, tudo visto e ponderado, julgo a acção totalmente improcedente por não provada e, em consequência: 1. Absolvo a sociedade Ré “A (…) Lda.” do pedido formulado pela Autora E (…).» 3.

    Inconformada recorreu a autora.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) 4.

    Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    1. - Procedência da acção.

  2. Apreciando.

    5.1.

    Primeira questão.

    5.1.1.

    No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC.

    Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

    O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.

    Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

    Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

    Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

    Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

    Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

    Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

    O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

    E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

    Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 dgsi.pt., p.

    09P0114.

    Nesta conformidade, constitui jurisprudência sedimentada, que: «Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela.

    – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

    Finalmente, urge atentar que a lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

    Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da, convicção, mais ou menos subjectiva, do recorrente, sobre a prova.

    Porque, afinal, quem tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

    Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, do acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

    A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.

    E só quando se concluir que a natureza e a força da prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção, se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p.

    339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos in dgsi.pt; 5.1.2.

    O caso vertente.

    Pretende a recorrente que se dêem como provados os seguintes factos dados como não provados: b)- Durante muito tempo após o incêndio do veículo identificado em 1., a Autora dormia mal.

    c)-E perdeu o apetite.

    A julgadora fundamentou a decisão nos seguintes termos: «Relativamente a estes factos, o tribunal deu-os como não provados por ausência de prova sobre os mesmos. De facto, a Autora apenas declarou que o cheiro a fumo a atormenta mas nada mais do que isso.» Já a recorrente pretende a sua prova porque a autora relatou que o incêndio constituiu para ela uma uma «experiência devastadora, que poderia ter tido consequências avassaladoras, tendo ela sentido medo» e que, assim, «É normal que a Autora tenha perdido o apetite e tenha dormido mal».

    Perscrutemos.

    Ouvidas as declarações da autora verifica-se que ela não verbalizou que, após o sinistro, e por causa dele, perdeu o apetite e dormiu mal.

    E outra prova não feita nesse sentido.

    Aliás, se tais problemas tivessem atingido um patamar de gravidade – os quais apenas neste estádio, merecem a tutela do direito – a autora certamente, ou em termos de normalidade, teria recorrido a auxílio médico; pelo que, outrossim por esta via, tal prova poderia ser consecutida.

    Ademais, a verbalização de que, com o incêndio, teve medo, constituindo ele uma experiência devastadora, não pode, só por si, levar à conclusão de que os factos ora pretendidos provar se verificaram.

    Inexiste entre tais factos e realidades qualquer comum identidade/idiossincrasia e/ou intrínseca ligação, que acarretem um nexo lógico o qual imponha ou do qual se deva retirar uma necessária e inelutável relação de causa/efeito, de tal sorte que a prova daqueles factos acarrete a prova...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT