Acórdão nº 3607/17.3T8PBL-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Junho de 2019

Data11 Junho 2019
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I - A Causa: M (…), residente (…) (...) , veio interpor a presente ação de atribuição da casa de morada de família, contra V (…) residente na mesma morada, alegando, em síntese, que: foi instaurada ação de divórcio entre as partes, sendo que ambas residem na mesma morada de família, bem comum do casal; a A. encontra-se reformada por invalidez, auferindo apenas o valor mensal de €382,46; não tem condições de saúde para aumentar os seus rendimentos, nem para procurar casa de habitação para si e para o seu filho; contrariamente, o R. é uma pessoa autónoma, vivendo desafogadamente, e tendo facilidade em procurar nova casa para habitar.

Conclui, pedindo sejam a casa de morada de família e o seu uso atribuídos, em definitivo, à A.

* Realizada tentativa de conciliação, não houve acordo entre as partes, tendo-se determinado a citação do R. para, em querendo, deduzir oposição, nos termos previstos no n.º 2, do artigo 990.º, do Código de Processo Civil.

* O R. deduziu oposição, alegando, em síntese, que: a casa de morada de família é seu bem próprio; é o R. que cuida do filho do casal, o qual nem sequer fala com a A.; a A. tem condições para procurar nova casa; Conclui, pedindo a improcedência do pedido.

* Foi elaborado despacho de convite ao aperfeiçoamento dos articulados iniciais, ao qual ambas as partes responderam.

* Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que: «Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente, por não provada, a presente ação, absolvendo-se o R. do pedido.

Custas da ação a suportar pela A. (art.º 527.º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)».

* M (…), Autora, já devidamente identificada, nos autos de processo à margem referenciados, a qual litiga com pedido de apoio judiciário deferido nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono, nos autos principais de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, tendo sido notificada da sentença que absolveu o Réu do pedido, e não se conformando com a mesma, dela veio interpor recurso de APELAÇÃO, a subir imediatamente, nos próprios autos, e com efeito suspensivo, nos termos dos artigos 990º e nº 3, 638º nº 1, 644º nº 1-a), 645º, 647º nºs 1, 2 e 3 e 990º nº 3, todos do CPC, alegando e concluindo que: (…) Não foram produzidas quaisquer contra-alegações.

* II. Os Fundamentos: Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir: São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa a materialidade invocada e que consta do elemento redactorial dos Autos, assim revelada, em tal contexto.

* Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608º do mesmo Código.

* Das conclusões de Recurso - ressaltam as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz holística: I.

  1. - A Autora alegou os factos justificativos da necessidade da sua permanência da casa de morada de familia, o que consubstancia a causa de pedir correspondente ao pedido de atribuição definitiva da casa de morada de familia.

  2. - Para apreciar essa causa de pedir e conhecer desse pedido, é suficiente a alegação e prova dos factos atinentes à posse - in casu, à composse em termos da comunhão conjugal do direito de propriedade - face ao disposto no artº 1268º do CC nos termos do qual o possuidor goza da presunção da titularidade do direito; 5º - Não sendo essencial ao objecto da lide o apuramento exacto e definitivo da titularidade do imóvel, porque, tratando-se, in casu, de um processo de jurisdição voluntária, nada impede – nem evita - a futura discussão e decisão, em sede de inventário ou nos meios comuns, da titularidade e forma de aquisição do direito de propriedade do referido imóvel - Cfr.

    Artº 1793º nº 3 do CC e Artº 988º nº 1 do CPC.

    Apreciando, diga-se, nos termos em que vêm erigidas estas questões, que se trata de “pedido de atribuição definitiva da casa de morada de família”, na indicada (por alegação/conclusão) correspondência da causa de pedir ao pedido formulado.

    Para sua análise, precise-se, desde logo, delimitando quadrantes referenciais, se configurar como incontroverso e incontrovertível que “a titularidade da propriedade não faz presumir a posse. Na verdade, prevendo o art. 1268º, nº 1 do Código Civil (presunção da titularidade do direito), que o possuidor seja presuntivamente o titular do direito respectivo, não prevê a lei igual presunção para o titular do direito em relação à respectiva posse. (Cf. Ac. RL., de 2.6.1999:BMJ, 488º-407).

    Por sua vez, celebrado o casamento, surge no seu seio a figura de um património colectivo com dois titulares que não são possuidores de qualquer quota do mesmo, não podendo, igualmente, dispor dele, ou realizá-lo, enquanto o matrimónio se mantiver na sua amplitude. Entre os bens que integram este acervo patrimonial, conta-se a chamada casa de morada de família, onde se centraliza tendencialmente toda a sua vida pessoal e de relação. Compreende-se, desta arte, a protecção que a lei faz rodear tal local, reflectindo-se na circunstância de o legislador, em caso de divórcio (já acontecido no caso - cf. fls.33), conceder a casa ao cônjuge mais necessitado. Sendo que tal atribuição pressupõe que a partilha dos bens do casal ainda não foi feita, já que, em tal caso, não faria qualquer sentido haver a possibilidade de, por virtude da estabilidade das relações jurídicas, implicadas directa ou indirectamente com esta problemática, a todo o tempo se levantar a questão em análise. (Cf. Ac. STJ, de14.11.2013, Proc. nº396/09: Sumários, 3013, p. 726).

    - Dito isto, mais se consigne que a providência de atribuição da casa de morada de família a um dos ex-cônjuges pode ser decidida com matéria de facto não alegada pelo requerente ou pelo requerido.

    Na verdade, tal providência, embora sujeita ao princípio do pedido (cfr. art.º 1793.º, n.º 1, do Código Civil e 3.º, n.º 1, do CPC), tem natureza de jurisdição voluntária, pelo que o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar inquéritos e recolher as informações convenientes (cfr. art.ºs 1409.º, n.º 2, e 1413.º do CPC - 986º e 990º NCPC), em consequência do que o ónus de alegação pelos interessados dos factos necessários à decisão da “providência”, bem como a sua prova, possam ser oficiosamente supridos.

    Além disso, o tribunal pode decidir o mérito da mesma por critérios de oportunidade e de conveniência e não por critérios de legalidade estrita (cfr. art.º 1410.º do CPC - 987º NCPC).

    O predomínio, nos processos de jurisdição voluntária, dos referidos princípios do inquisitório sobre o dispositivo e da equidade sobre a legalidade decorre dos mesmos se caracterizarem, em geral, pela inexistência de um conflito de interesses a compor e pela existência de um só interesse a regular, embora podendo haver um conflito de opiniões ou representações acerca do mesmo interesse (cfr. Manuel de Andrade, em Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1993, pág. 72).

    Flui do antedito, ser decisiva, para a aferição da procedência ou da improcedência da requerida atribuição da casa de morada de família, a matéria de facto a ser dada por provada e não provada pelo tribunal «a quo», ainda que por indagação...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT