Acórdão nº 669/15.1T9CLD-A.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelORLANDO GONÇALVES
Data da Resolução23 de Outubro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra Relatório Por despacho de 28 de março de 2019, proferido pela Ex.ma Juíza, no início da audiência de julgamento que iria decorrer no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo Local Criminal de Caldas da Rainha, em que são arguidos HM, CA, AM e EM, decidiu alterar a qualificação jurídica da acusação do Ministério Público e, consequentemente, julgar verificada a incompetência material do tribunal singular, determinando a remessa dos autos, após trânsito, ao Tribunal Coletivo competente, isto é, aos Juízos Centrais Criminais de Leiria.

Inconformado com a douta decisão dela interpôs recurso o Ministério Público, concluindo a sua motivação do modo seguinte: 1. A Mm.ª Juiz procedeu à alteração da qualificação jurídica constante da acusação deduzida pelo Ministério Público no início da audiência de julgamento, antes da produção de prova.

2. Por força do princípio do acusatório e do disposto nos artigos 219.º, n.º 1, da C.R.P., 1.º e 3.º, n.º 1, alínea c), ambos do Estatuto do Ministério Público, 53.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), 283.º, do Código de Processo Penal, é ao Ministério Público que compete deduzir acusação e efectuar a qualificação jurídica dos factos que vão ser submetidos a julgamento 3. Após, a alteração da qualificação jurídica efectuada pelo Ministério Público só pode ser realizada após produção de prova, que terá que ocorrer necessariamente em julgamento, como resulta do disposto no artigo 358.º n.º (s) 1 e 3, do Código de Processo Penal. 4. Esta questão já foi resolvida pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 11/2013, de 12 de Junho de 2013, que fixou jurisprudência no sentido de que “A alteração, em audiência de discussão e julgamento, da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, ou da pronúncia, não pode ocorrer sem que haja produção de prova, de harmonia com o disposto no art.º 358º nºs 1 e 3 do CPP.

” 5. No entanto, não se descura que no presente caso a discussão sobre a alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação funciona como questão prévia - inserida na decisão posta em causa no art.º 338.º, n.º 1, do Código de Processo Penal - para aferir da competência desta Instância Local Criminal, julgamento em Tribunal Singular – ou da Instância Central – julgamento perante Tribunal Colectivo.

6. Ou seja, como bem mencionado, quanto a nós, na decisão recorrida “caso se venha a concluir, após a produção da prova, pela demonstração, tout court, dos factos descritos na acusação [e posto que, neste momento, não compete a este tribunal efectuar qualquer juízo de valor ou de prognose com referência à (in)existência de prova bastante à sua demonstração], sendo estes subsumíveis ao crime de tráfico de estupefacientes agravado p.p. pelos arts. 21.º n.º 1 e 24.º, alínea h), do DL 15/93, de 22.01, sempre se imporia, então, proceder à alteração jurídica dos mesmos com a subsequente declaração de incompetência material deste tribunal singular e anulação de todos os actos probatórios então praticados.” 7. E compreende-se o sentido do voto de vencido de MANUEL JOAQUIM BRAZ no douto aresto acima referenciado ao entender que: «Prosseguir com a audiência, para, no final, se declarar o tribunal incompetente, não acautelaria qualquer valor do processo penal e violaria os princípios da economia e da celeridade processual, com a prática de actos inúteis e o arrastamento do processo na sede errada.» 8. Assim, e nessa medida, concorda-se com a posição expressa na decisão posta em crise na parte em que refere concretamente que, in casu, “a alteração de qualificação jurídica dos factos descritos na acusação pública releva para decidir da (in)competência do tribunal singular, tal circunstância poderá configurar, a nosso ver e com o devido respeito por melhor entendimento, um elemento de diferenciação entre o caso dos presentes autos e a jurisprudência fixada no douto Acórdão do STJ n.º 11/2013, acima melhor identificado, justificando, no caso concreto, a alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação no início da audiência de julgamento, i.e., previamente à produção da prova.” 9. De todo o modo, pese embora se entenda que esse deveria ser o sentido do entendimento quando está em causa uma alteração da qualificação que contende com a competência do Tribunal assim se evitando repetições do mesmo julgamento, o certo é que, de acordo com o regime instituído, ao proferir a decisão recorrida nos termos em que o fez violou o Tribunal a quo o disposto nos artigos 32.º, n.º 5 e 219.º, n.º 1, da C.R.P., 1.º, e 3.º, n.º 1, alínea c), ambos do Estatuto do Ministério Público, 53.º, n.º (s) 1 e 2, alínea c), 283.º, n.º 3, alínea c), e 358.º, n.º (s) 1 e 3, todos do Código de Processo Penal, e o fixado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 11/2013, de 12 de Junho de 2013.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado a decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que designe data para a audiência de julgamento, assim se fazendo a acostumada Justiça! A Ex.ma Procuradora-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá proceder.

Cumprido o disposto no n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, não houve resposta.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Fundamentação O despacho recorrido, proferido após abertura da audiência de julgamento, tem o seguinte teor «Nos presentes autos, o Ministério Público acusa, em Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular, HM, CA, AM e EM pela prática, em co-autoria, de um crime de tráfico de menor gravidade, na forma consumada, previsto e punido pelos artigos 21.º, n.º 1 e 25.º, n.º 1 ambos do DL 15/93, de 22 de Janeiro.

Para tanto, alega-se, em síntese e além do mais, na peça acusatória que: «( ... ) 5- Em datas não concretamente apuradas, mas pelo menos entre 25-05-2015 e 11-05-2016, HP, CA e AC introduziram no Estabelecimento Prisional X (...) , resina de canábis e heroína.

6- No interior do estabelecimento Prisional X (...) , HP, procedeu à entrega da resina de canábis e heroína a outros reclusos mediante a entrega de uma quantia em dinheiro.

7- Nesse período, em número de vezes não concretamente apurado, CA adquiriu, resina de canábis e a heroína, junto de fornecedores cuja identificação não foi possível apurar, para depois introduzir no interior do Estabelecimento Prisional X (...) .

(...) 9- AC e EM, conjuntamente, adquiriram resina de canábis e heroína, junto de um fornecedor cuja sua identificação não foi possível apurar, para depois introduzir no interior do Estabelecimento Prisional X (...) .

(...) 11- Outras vezes, em datas não concretamente apuradas, mas dentro do período temporal referido em 7, [a resina de canábis e a heroína] foram introduzidas [no estabelecimento Prisional] por AC, e EM aquando das visitas íntimas dentro de “capsulas de ovo kinder”, introduzidas na vagina e/ou ânus.

(...) 17- Agiram os arguidos HP, AC, CA e EM, de forma livre, voluntária e consciente, em comunhão de esforços e vontades e mediante plano previamente elaborado, com o intuito concretizado de introduzirem resina de canábis e heroína, no interior do Estabelecimento Prisional X (...) , e dessa forma disseminar tal produto pelos reclusos para assim obterem compensação económica. (...)».

Ora, não obstante termos previamente admitido a douta acusação também pelas disposições dela constantes, na sequência de melhor análise para preparação da audiência de julgamento, verificamos, malgrado apenas neste momento, que os factos alegados na acusação e acima transcritos são directamente subsumíveis ao crime de tráfico de estupefacientes agravado p.p. pelos arts. 21.º n.º 1 e 24.º, alínea h), do DL 15/93, de 22.01.

Ao crime de tráfico de estupefacientes agravado p.p. pelos arts. 21.º n.º l e 24, alínea h), do DL 15/93, de 22.01 é aplicável pena de prisão de 5 a 15 anos e, consequentemente, o seu julgamento é da competência do Tribunal Colectivo.

Ocorre, porém, que, nos presentes autos, o Ministério Público não fez uso da faculdade prevista no art.º 16.º n.º 3 do CPP.

E, como tal, este Tribunal Singular será materialmente incompetente para prosseguir o julgamento e proferir sentença pelo crime de tráfico de estupefacientes agravado p.p, pelos arts. 21.º n.º l e 24, alínea h), do DL 15/93, de 22.01 acima referenciado.

Questiona-se, por isso, da necessidade/admissibilidade de se proceder, neste momento, à alteração jurídica dos factos descritos na acusação pública nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 358.° n.ºs 1 e 3 do CPP para aferir da competência material deste Tribunal Singular.

Nesta matéria não desconhecemos, é certo, a douta jurisprudência fixada no acórdão do STJ n.º 11/2013, proferido em 12.06.2013 e...

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