Acórdão nº 32/10.0TBSJP.C3 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução08 de Outubro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

No presente processo de expropriação em que são expropriados M (…) e marido T (…) e expropriante o Município de S (...) foi proferida decisão final com o seguinte teor: «Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pelos expropriados e procedente o recurso da entidade expropriante, e consequentemente fixa-se a indemnização a atribuir aos expropriados em € 154.260,00.» 2.

Inconformados recorreram os expropriados.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…) Contra alegou o recorrido pugnando pela manutenção do decidido.

  1. Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª – Nulidade da sentença por infundamentada – artº 615º nº1 al. b) do CPC.

    1. - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    2. – Fixação da indemnização em valor superior a € 392.500,00 acrescido do valor não inferior a € 22.750,00 pelas benfeitorias e valor pela desvalorização da parcela restante, vg. a liquidar em execução de sentença.

  2. Apreciando.

    5.1.

    Primeira questão.

    5.1.1.

    Nos termos do artigo 205º, nº1 do Constituição: «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».

    E estatui o artº 154º do CPC: 1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.

  3. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.

    A necessidade da fundamentação prende-se com a garantia do direito ao recurso e tem a ver com a legitimação da decisão judicial.

    Na verdade a fundamentação permite fazer, intraprocessualmente, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz.

    Ela é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões.

    Porque a decisão não é, nem pode ser, um ato arbitrário, mas a concretização da vontade abstrata da lei ao caso particular submetido à apreciação jurisdicional, as partes, maxime a vencida, necessitam de saber as razões das decisões que recaíram sobre as suas pretensões, designadamente para aquilatarem da viabilidade da sua impugnação.

    E mesmo que da decisão não seja admissível recurso o tribunal tem de justificá-la.

    É que, uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos, pois que estes destinam-se a convencer que a decisão é conforme à lei e à justiça, o que, para além das próprias partes a sociedade, em geral, tem o direito de saber – cfr. Alberto dos Reis, Comentário, 2º, 172 e Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, 1982, 3º vol., p.96.

    Mas se assim é, dos textos legais e dos ensinamentos doutrinais se retira que apenas a total e absoluta falta de fundamentação pode acarretar a nulidade.

    Na verdade a lei não comina com tão severo efeito uma motivação escassa, ou, mesmo deficiente. E onde a lei não distingue não cumpre ao intérprete distinguir.

    Nem tal exigência seria de fazer considerando a «ratio» ou finalidade do dever de fundamentação supra aludidos.

    O que a lei pretende é evitar é a existência de uma decisão arbitrária e insindicável. Tal só acontece com a total falta de fundamentação. Se esta existe, ainda que incompleta, errada ou insuficiente tal arbítrio ou impossibilidade de impugnação já não se verificam.

    O que nestes casos apenas sucede é que a própria decisão pode convencer menos, dada a debilidade ou incompletude dos seus fundamentos. Mas pode ser sempre atacável e modificável.

    Assim sendo, a grande maioria da nossa jurisprudência tem-se pronunciado no sentido de que só a carência absoluta de fundamentação e não já uma motivação escassa, deficiente, medíocre, incompleta ou errada, acarreta o vício da nulidade da decisão – cfr. Entre outros, Ac. do STA de 18.11.93, BMJ, 431º, 531 e Acs. do STJ de 26.04.95, CJ(stj), 2º, 57, de 17.04.2004 e de 16.12.2004, dgsi.pt.

    5.1.2.

    No caso vertente, e versus o defendido pelo recorrente, o vício não se verifica.

    Como meridianamente dimana da decisão, esta encontra-se fundamentada - e clara e até cabalmente fundamentada - de facto e de direito.

    Pois que nela se plasmaram adrede, o acervo factual que se teve por pertinente e provado, e, bem assim, se explanou a exegese jurídica que se considerou adequada à dilucidação da presente situação com vista à prolação da decisão final que efectivamente foi consecutida.

    Inexiste, pois, qualquer falta de fundamentação, ou, mesmo, fundamentação insuficiente, que possa, por impossibilidade de sindicância da sentença, clamar a conclusão de que ela é nula, nos termos sobreditos.

    Tanto assim é que os próprios recorrentes intuíram tal fundamentação e, com base nela, contra o decidido se insurgem.

    O que demonstra que a decisão não é arbitrária, antes se assumindo como sindicável.

    Tanto basta para se concluir pela inexistência do vício assacado.

    Questão diversa – que, aliás, os recorrentes parecem confundir e misturar com a presente, é se a fundamentação e a exegese aduzidas são curiais perante a prova produzida – na versão da fundamentação factual – ou perante as normas jurídicas convocáveis – na perspectiva da fundamentação de jure.

    O que infra se dilucidará.

    5.2.

    Segunda questão.

    5.2.1.

    No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC.

    Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

    O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.

    Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

    Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

    Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

    Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

    Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

    Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

    O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

    E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

    Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 dgsi.pt., p.

    09P0114.

    Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que: «Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela.

    – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

    5.2.2.

    Por outro lado urge atentar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina a que o tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão - Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 9.07.2015, p.405/09.1TMCBR.C1.S1 e de 01.10.2015, p.

    6626/09.0TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

    Na verdade, e como dimana do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e...

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