Acórdão nº 6202/18.6T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelVÍTOR AMARAL
Data da Resolução08 de Outubro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório “CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, I. P.”, com os sinais dos autos, intentou ação declarativa se simples apreciação, com processo comum, contra M (…), também com os sinais dos autos, pedindo que seja declarada a (in)existência de uma união de facto entre a R. e R (…) falecido em 16/12/2017.

A R. contestou, pugnando pelo reconhecimento da existência de uma união de facto entre si e o falecido R (…), afirmando ter vivido em comunhão de mesa e habitação com aquele desde o ano de 2007 e até ao dia do respetivo falecimento, com o consequente reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência.

Efetuado o saneamento dos autos – tendo sido dispensada a audiência prévia –, com enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova, foi depois realizada a audiência final, com produção de provas, seguida de prolação de sentença, julgando a ação procedente, por provada, com a consequente declaração de não reconhecimento da “vivência em situação de união de facto entre a Ré M (…) e o beneficiário falecido R (…), à data da morte deste”.

De tal sentença vem a R., inconformada, interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes Conclusões: «

  1. No âmbito dos presentes autos, o Tribunal a quo decidiu “Face ao exposto, julgo a acção procedente, por provada e, em consequência, julgo não reconhecida a vivência em situação de união de facto entre a Ré M (…) e o beneficiário falecido R (…), à data da morte deste.” B) Todavia, a recorrente não pode concordar com tal decisão, uma vez que, a mesma, viola o disposto nos artigos 342.º, 362.º, 370.º, 371.º do Código Civil.

  2. Tal decisão, sonegou prova constante dos autos, designadamente, documento nº 4 junto com a contestação apresentada pela recorrente, a saber, certidão da Junta de Freguesia de (...) .

  3. Ao actuar dessa forma, o Tribunal, desconsiderou por completo documento autêntico junto pela recorrente, no âmbito da sua contestação, o qual não mereceu qualquer impugnação por parte da requerida.

  4. Conforme dispõem os artigos 362.º, 369.º, 370.º e 371.º do Código Civil, tal documento pertence à categoria dos documentos autênticos e faz, por isso, prova plena dos factos atestados.

  5. O Tribunal, a seu bel prazer, sem qualquer fundamentação não pode escolher a prova a considerar e a prova a desconsiderar, tal como sucedeu, in casu, ao sonegar na douta Sentença, apreciar a prova feita mediante documento autêntico, junta com a contestação sob doc.4, a qual não foi sequer impugnada.

  6. Gerando a nulidade da douta sentença, por violação do disposto nas als. b), c) e d) do nº1 do art.º 615 do CPC.

  7. Assim, e considerando o teor do documento nº 4 junto com a contestação (documento autêntico), o qual não foi impugnado, deveria ter sido dado por provado que: I) - a Ré viveu em comunhão de mesa e habitação com R (…), desde 2007 e até 16 de Dezembro de 2017 (art. 6º da contestação).

  8. - a Ré e o falecido R (…) viveram juntos e com residência comum sita (…) concelho de (...) , distrito de (...) (art. 9º da contestação).

  9. - na residência referida, a Ré viveu com R (…) em comunhão de mesa e habitação (art. 10º da contestação).

  10. Factos, esses, que deveriam ter sido sopesados na douta decisão proferida, o que daria origem a uma decisão amplamente diversa daquela que consta da douta Sentença.

  11. Porquanto, nos termos do estatuído no artº. 343º do CC sendo sobre a recorrente que impende o ónus da prova dos factos constitutivos direito de que se arroga, o qual passa, pois, pelo ónus de demonstrar/provar que à data da morte, vivia com ele em situação de união de facto, isto é, que nessa altura ambos viviam em condições análogas dos cônjuges.

  12. E, percorrendo a matéria de facto apurada, considerando toda a prova produzida, facilmente, a nosso ver, se conclui que entre ambos existia uma comunhão de vida, mesa e habitação, susceptível de enformar o conceito jurídico de união de facto.

    Termos em que e nos demais de Direito devem V/Exas. julgando o presente recurso procedente, substituir a decisão recorrida por outra que julgue a acção improcedente, por provada, reconhecida e declarada a existência de uma união de facto entre a Ré e R (…)até à data da sua morte, e o consequente reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência.

    Assim se fazendo JUSTIÇA» (sic, com destaques retirados – fls. 68 e segs. do processo físico).

    A A. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

    Este foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo ([1]), tendo neste Tribunal ad quem sido mantidos o regime e efeito fixados.

    Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

    *** II – Âmbito do Recurso Perante o teor das recursivas conclusões formuladas – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([3]) –, cabe saber:

    1. Se ocorrem as invocadas nulidades da sentença [al.ªs b), c) e d) do n.º 1 do art.º 615.º do NCPCiv.]; b) Se existiu erro de julgamento em sede de decisão da matéria de facto, obrigando à alteração do decidido; c) Se, por força da alteração da decisão de facto, deve reverter-se o juízo de procedência da ação, estando verificada a existência de uma relevante relação de união de facto (de acordo com os requisitos legais), justificando o reconhecimento do direito pretendido pela R./Recorrente.

    *** III – Fundamentação

  13. Das causas de nulidade da sentença Invoca a Apelante, nas suas conclusões recursivas, que a sentença recorrida incorreu em violação do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al.ªs b), c) e d), do NCPCiv., pelo que deve ser julgada nula, tratando-se, assim, dos vícios de falta de fundamentação, contradição e omissão de pronúncia [conclusão G) da apelação].

    Cabia, por isso, à Apelante, argumentando sobre o tema, mostrar onde se encontram consubstanciados na sentença apelada aqueles vícios geradores de nulidade da mesma, o que devia ser feito mas conclusões da apelação, já que estas, como dito, definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso.

    Na verdade, como se retira do disposto no art.º 639.º, n.º 1, do NCPCiv., cabe ao recorrente, nas suas conclusões, indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

    Em seguida se verá se o fez, começando-se pela questão da falta de pronúncia sobre questões que o Tribunal devesse apreciar.

    1. - Da omissão de pronúncia Resulta do art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), do NCPCiv., que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou, inversamente, conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

      Vêm entendendo, de forma pacífica, a doutrina e a jurisprudência que somente as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.

      De acordo com Amâncio Ferreira ([4]), “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda”.

      E, segundo Alberto dos Reis ([5]), “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.

      Já Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes ([6]), por sua vez, referem que “a observação da realidade judiciária mostra que é vulgar a arguição da nulidade da decisão”, sendo que “por vezes se torna difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, como é aquele que está na origem da decisão”.

      Por seu turno, Antunes Varela ([7]) esclarece, em termos de delimitação do conceito de nulidade da sentença, face à previsão do art.º 668.º do CPCiv., que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”.

      Na nulidade aludida está em causa o uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender conhecer de questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não se tratar de questões de que deveria conhecer-se (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada.

      Como já se mencionou, para apuramento quanto ao vício de omissão (ou excesso) de pronúncia cabe perspetivar as questões em sentido técnico, só o sendo os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele se afastam, só esses constituindo verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer.

      Assim, não são, obviamente, questões para este efeito os factos (alegados ou provados), nem os argumentos apresentados pelas partes, nem as razões em que sustentam a sua pretensão ou defesa, nem as provas produzidas, nem a apreciação que delas se faça em termos de formação da convicção do Tribunal.

      Ora, dito isto, a Apelante retira – se bem se interpreta o seu acervo conclusivo, sendo que a sua alegação nada mais...

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