Acórdão nº 1014/08.8TMCBR-P.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Outubro de 2019

Magistrado ResponsávelVÍTOR AMARAL
Data da Resolução22 de Outubro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – RELATÓRIO A (...) , com os sinais dos autos, pai da menor B (...) , veio suscitar, quanto a esta sua filha, o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais contra a mãe, C (...) , também com os sinais dos autos, pedindo a condenação da Requerida a assegurar o cumprimento do direito de visita ao Requerente, se necessário coercivamente, a facultar-lhe toda a informação mensal relativa à atividade de ginástica e a não marcar férias que possam implicar um período de um mês de ausência de convívio entre o Requerente e a menor.

Para tanto, invocou ([1]) que: - nos dias 15/02/2014 (sábado) e 25/04 (sábado) se deslocou a casa da Requerida para ir buscar a filha B (...) , a fim de passar com ela o fim de semana, mas ninguém atendeu; - em quartas-feiras em que a B (...) deveria estar com o pai também não esteve; - os seus planos de fim de semana com a filha são gorados por a menor ter aulas ou torneios de ginástica, visto a Requerida não o informar de tais atividades; - acresce que a Requerida, na marcação das suas férias com a menor B (...) , provoca, intencionalmente, que o Requerente não veja a filha durante mais de um mês.

Notificada, a Requerida, impugnando o alegado pela contraparte, invocou, por sua vez, que: - na véspera do dia 25/04/2014 foi agredida pelo Requerente, encontrando-se então a Requerida em convalescença, na sequência de uma cirurgia a que havia sido submetida; - as visitas às quartas-feiras têm sido um suplício para a menor, sendo que o Requerente só ocasionalmente exerce este seu direito, fazendo-o de forma perturbadora para a rotina e bem-estar da filha; - no dia 06/05/2015 foi a direção da escola que determinou a não entrega da B (...) ao pai, depois de esta ter relatado uma agressão do progenitor à progenitora à sua frente; - comunica via correio eletrónico as informações da ginástica da filha e que as mesmas estão disponíveis no sítio da internet do “A(…)”, pelo que o Requerente tem acesso à informação adequada.

Pugnou, assim, pela inexistência dos incumprimentos alegados.

Em conferência de pais, não se alcançou acordo, tendo as partes sido notificadas para alegarem.

A requerida alegou, defendendo a total improcedência do incidente de incumprimento.

O Requerente não apresentou alegação.

O Ministério Público (M.º P.º) pronunciou-se pela improcedência do incidente.

Não se alcançando acordo entre os pais, foi solicitada a avaliação da menor, com vista a apurar o seu real sentir quando verbaliza não pretender estar com o pai e, em especial, se tal vontade é genuína ou, pelo contrário, é influenciada pela progenitora.

Foi depois proferida sentença – datada de 30/05/2019 –, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, declarando o incumprimento do regime de convívio no dia 15/2/2014, absolvo a requerida C (...) pedido formulado por A (...) de condenação daquela a assegurar o cumprimento do direito de visita.».

Desta sentença veio o Requerente, inconformado, interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes Conclusões (…) A Requerida não apresentou contra-alegação de recurso.

Também o M.º P.º não contra-alegou.

*** O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos incidentais e com efeito meramente devolutivo, tendo sido ordenada a extração da certidão requerida e a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito assim fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

*** II – ÂMBITO DO RECURSO Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([3]) –, importa saber ([4]):

  1. Se a sentença padece nulidade por omissão de pronúncia (cfr. conclusões XXXII a XXXVI, reportadas à não apreciação de factos alegados); b) Se ficou o Recorrente impedido de produzir prova, que fosse relevante para formação da convicção quanto a factos por si impugnados no recurso; c) Se deve proceder a impugnação da decisão da matéria de facto; d) Se ocorre incumprimento do regime de visitas imputável à Recorrida mãe, devendo proceder a pretensão incidental, com a inerente condenação daquela.

*** III – FUNDAMENTAÇÃO

  1. Nulidade da sentença por omissão de pronúncia Sob as conclusões XXXII a XXXVI do Apelante, este argui a nulidade da sentença a que alude o art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), do NCPCiv., isto é o vício de omissão de pronúncia, com reporte à não apreciação de factos alegados.

    Resulta daquele art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou, inversamente, conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

    Vêm entendendo, de forma pacífica, a doutrina e a jurisprudência que somente as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.

    De acordo com Amâncio Ferreira ([5]), “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda”.

    E, segundo Alberto dos Reis ([6]), “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.

    Já Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes ([7]), por sua vez, referem que “a observação da realidade judiciária mostra que é vulgar a arguição da nulidade da decisão”, sendo que “por vezes se torna difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, como é aquele que está na origem da decisão”.

    Por seu turno, Antunes Varela ([8]) esclarece, em termos de delimitação do conceito de nulidade da sentença, face à previsão do art.º 668.º do CPCiv., que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”.

    Na nulidade aludida está em causa o uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender conhecer de questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não se tratar de questões de que deveria conhecer-se (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada.

    Como já se mencionou, para apuramento quanto ao vício de omissão (ou excesso) de pronúncia cabe perspetivar as questões em sentido técnico, só o sendo os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele se afastam, só esses constituindo verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer.

    Assim, não são, obviamente, questões para este efeito os factos (alegados ou provados), nem os argumentos apresentados pelas partes, nem as razões em que sustentam a sua pretensão ou defesa, nem as provas produzidas, nem a apreciação que delas se faça em termos de formação da convicção do Tribunal.

    Ora, dito isto, o Apelante retira – se bem se interpreta o seu acervo conclusivo, sendo que a sua alegação nada mais clarifica – a nulidade que invoca da circunstância de a decisão recorrida não ter emitido pronúncia (de “provado” ou de “não provado”) sobre determinados factos por si alegados.

    Assim, o vício assacado é o de se ter desconsiderado, no plano probatório, o dito material fáctico alegado, entendido como relevante para demonstração de situações de incumprimento.

    Porém, como já referido – e se reitera –, não são questões para este efeito os factos alegados, nem os argumentos apresentados pelas partes, nem as razões em que sustentam a sua pretensão ou defesa, nem as provas produzidas.

    A omissão de factos, em vez de configurar causa de nulidade da sentença (vício formal desta), poderá, caso se trate de factualidade relevante, desencadear – isso, sim – o mecanismo processual previsto no art.º 662.º, n.º 2, al.ª a), do NCPCiv., traduzido na ampliação da matéria de facto, com anulação da decisão, no âmbito da modificabilidade da decisão de facto.

    Em suma, improcede a invocada causa de nulidade da sentença.

  2. Matéria de facto 1. - Da impugnação da decisão da matéria de facto Da leitura das conclusões do Apelante verifica-se que este pretende impugnar a decisão da matéria de facto, por via de erro de julgamento de facto, convocando, para tanto, prova documental.

    Começa por invocar que, contrariamente ao decidido, deveria ter sido dado como provado “o incumprimento datado de 25/04/2015, pois o mesmo encontra-se devidamente documentado nos autos”, com reporte ao “auto de notícia” do “Apenso N- datado de 11.05.2015” (conclusões VIII e IX), pedindo, a final, a emissão de certidão desse documento.

    E, efetivamente, da certidão junta ao processo eletrónico (certidão datada de 27/09/2019 e incorporada nessa mesma data), consta “auto de notícia” da PSP “(NPP180853/2015) constante do apenso N, sob Ref.ª 1033760, de 11-05-2015”, o qual se...

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