Acórdão nº 3735/17.5T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução15 de Janeiro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório a) A autora P (…) instaurou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, emergente de acidente de viação, contra a ré M (…) S.A., alegando, em síntese, que no dia 19.08.2016, pelas 18:50 horas, no entroncamento em que se intercetam a Rua do Pinhal e a Rua da Fonte Duro, em Regueira de Pontes, Leiria, ocorreu um embate em que foram intervenientes o veículo ligeiro de matrícula DI (...), sua propriedade, e o veículo ligeiro de matrícula (...) GG, seguro na Ré, tendo aquele sido embatido pelo “GG” e o “DI” sofrido danos materiais, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe o montante global de €7.942,48, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação e até integral pagamento.

    A Ré contestou sustentando, em síntese, que a culpa pelo acidente dos autos se deveu ao condutor do veículo propriedade da Autora que não cedeu a prioridade ao veículo seguro, o qual se lhe apresentava pela direita, num local sem sinalização vertical ou outra.

    Concluiu pela sua absolvição do pedido.

    1. Sintetizando, a questão colocada ao tribunal pelas partes consistiu em saber se se provavam a favor da autora os factos relativos aos pressupostos da obrigação de indemnizar e, em caso afirmativo, se, com base no contrato de seguro, a Ré devia ser responsabilizada pela indemnização e respetivo montante.

    2. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento e no final foi proferida decisão, com este dispositivo: «I - Julgar a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência, condenar a ré, M (…), S.A., a pagar à autora, P (…), a quantia global de €5.713,98 (cinco mil setecentos e treze euros e noventa e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde 26.09.2017, sobre aquele montante, e nos vincendos, até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado.-- II – Condenar a autora e a ré no pagamento das custas da acção, na proporção do respectivo vencimento, o qual se fixa para a primeira, em 28,1% e, para a segunda, em 71,9%».

    3. É desta decisão que vem interposto recurso por parte da ré Seguradora, cujas conclusões são as seguintes: (…) c) A autora contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.

  2. Objeto do recurso De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

    Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes: 1 - Em primeiro lugar cumpre analisar as questões relativas à impugnação da matéria de facto, ou seja: (I) Verificar se o «facto provado nº 8» deve ser considerado «não provado» ou, quanto muito, reescrito de forma mais consentânea com o facto n.º 23 e a inspeção judicial, nestes termos: «O DI iniciou o atravessamento da dita intersecção, não sendo possível, devido à vegetação alta existente no local, visualizar a circulação de qualquer viatura proveniente da Rua da Fonte Duro».

    (II) Verificar se o «facto provado nº 12» deve ser excluído por não se traduzir num facto stricto sensu, mas sim, numa conclusão ou juízo de valor, quanto às causas do acidente.

    (III) Verificar se o «facto provado n.º 13» contém evidente lapso de escrita, o qual dificulta ou torna dúbia a apreensão do seu exato sentido e se encerra uma aparente contradição com o teor do facto provado n.º 15, devendo aquele facto ser retificado nos seguintes moldes: «A viatura GG embateu com a sua parte frontal na frente lateral do veículo DI».

    2 – Em segundo lugar, relativamente ao grau de culpa no acidente, cumpre verificar se a mesma deve ser atribuída em exclusivo ao condutor do veículo da Autora, porquanto devia ter cedido a prioridade de passagem ao veículo GG, que se apresentava pela sua direita no entroncamento, e, dada a visibilidade reduzida, ou mesmo, praticamente nula, para o seu lado direito, devido à vegetação alta existente no local, se devia ter reduzido significativamente a marcha ou mesmo parar antes de chegar ao entroncamento.

    3 – Em terceiro lugar, se a questão não se mostrar prejudicada, cumpre verificar qual deverá ser o montante da indemnização tendo em consideração o apuramento de «culpas» que poderá resultar de eventual alteração da matéria de facto e da valorização relativa à privação de uso, porquanto a Autora não alegou nem provou, segundo a recorrente, quaisquer despesas ou prejuízos concretos, ou que utilidades que pretendia retirar do seu veículo e que se frustraram mercê da dita paralisação.

    E bem, ainda se a atribuição um valor diário de paralisação de €40,00, violou o princípio que veda a condenação vertido no artigo 609.º, n.º 1, do CPC, porquanto excede o que foi pedido pela Autora.

  3. Fundamentação a) Impugnação da matéria de facto 1 – Facto provado n.º 8.

    A Recorrente pretende que o «facto provado nº 8» seja considerado «não provado» ou, quanto muito, reescrito de forma mais consentânea com o facto n.º 23 e a inspeção judicial, nestes termos: «O DI iniciou o atravessamento da dita intersecção, não sendo possível, devido à vegetação alta existente no local, visualizar a circulação de qualquer viatura proveniente da Rua da Fonte Duro».

    Na sentença, o facto provado n.º 8 tem esta redação: «8. E porque nada o impedia, nem era visível a circulação de qualquer viatura proveniente da Rua da Fonte Duro, o “DI” iniciou o atravessamento da dita intersecção».

    Procede a impugnação da recorrente, pelas seguintes razões:

    1. O embate entre os veículos ocorreu num entroncamento formado pelas estradas designadas como Rua da Fonte Duro (onde circulava o GG) e a Rua do Pinhal (onde circulava o DI).

      Resultou provado no «facto provado n.º 23» que «A visibilidade era reduzida».

      A visibilidade era reduzida para ambos os veículos, como resulta do facto provado n.º 23. E resulta da própria natureza da realidade física, que é a mesma para ambos os condutores, pelo que tendo «A» visibilidade reduzida em relação a «B», este também tem visibilidade reduzida em relação a «A».

    2. A Ré impugna o facto provado n.º 8, mas a ideia expressa neste facto n.º 8 só se compreende na sequência do facto provado n.º 7 onde se afirma que «O condutor do veículo DI, ao aproximar-se da referida intersecção, abrandou a sua marcha e verificou se podia atravessar essa intersecção em segurança».

      Afirma-se no facto provado n.º 7 que o condutor do DI, apesar da «visibilidade reduzida» inerente à geografia do local, «…verificou se podia atravessar essa intersecção em segurança», isto é, diz-se que o condutor do DI agiu de modo a certificar-se se vinha ou não vinha algum veículo a circular pela Rua da Fonte Duro, que ficava à sua direita.

      E é então que no facto provado n.º 8 se afirma «E porque nada o impedia, nem era visível a circulação de qualquer viatura proveniente da Rua da Fonte Duro, o “DI” iniciou o atravessamento da dita intersecção».

      Ou seja, afirma-se que o condutor do DI agiu de modo a certificar-se se vinha ou não vinha algum veículo a circular pela Rua da Fonte Duro, que ficava à sua direita, e porque para ele não «… era visível a circulação de qualquer viatura proveniente da Rua da Fonte Duro» iniciou o atravessamento da dita intersecção.

      Ora, para esta afirmação corresponder à realidade tinha de se verificar esta situação: O condutor do DI, antes de penetrar na área de interceção das duas vias, teve visibilidade e olhou efetivamente para a Rua da Fonte Duro em toda a sua largura e viu que não circulava nesta rua qualquer veículo.

      Porém, como é sabido que existiu um embate entre o veículo DI e o veículo GG, no interior dessa interceção das vias, e este último circulava pela Rua da Fonte Duro, então tal embate só é explicável porque o veículo GG circulava na Rua da Fonte Duro e era visível para o condutor do DI quando este teve visibilidade para toda a largura daquela via, porque se o GG não fosse visível para este condutor isso significava que o GG ainda estava longe e, neste caso, não teria ocorrido qualquer embate porque o GG só chegaria ao local do embate depois do DI ter passado.

      As 6 fotografias tiradas no local no âmbito da audiência de julgamento mostram o local.

      Verifica-se pelas fotografias 4 e 5 que o condutor do veículo DI só podia ter visibilidade para a estrada da Rua da Fonte Duro, em toda a sua largura e extensão quando estivesse já na zona de interceção de ambas as vias ou muito próximo do limite dessa interceção.

      O mesmo se verificando em relação ao condutor do veículo GG.

      Ou seja, cada um dos condutores só podia ter visibilidade em relação à via que ia intercetar quando estivesse praticamente a iniciar a penetração na área intercetada, pelo que tinha de reduzir a velocidade até ficar bem próximo da imobilização.

      Mas se esta factualidade tivesse acontecido não tinha ocorrido, por certo, o embate (salvo se provocado por algum equívoco, como, por exemplo, supondo ambos que tinham prioridade e que o outro a reconhecia, acabando ambos por avançar e embater; mas não foi este o caso).

      Resulta do exposto, para efeitos de formação da convicção, que sendo um facto certo o embate e que este ocorreu na área delimitada pela interceção das duas vias, então não podem corresponder à realidade estas afirmações constantes dos factos provados: (I) Que o condutor do DI «…ao aproximar-se da referida intersecção (…) verificou se podia atravessar essa intersecção em segurança»; e que (II) Não era para ele «… visível a circulação de qualquer viatura proveniente da Rua da Fonte Duro…».

      Como resulta do já referido, se o condutor do DI tivesse estado em condições factuais de poder verificar se podia atravessar com segurança, isso teria implicado a sua quase...

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