Acórdão nº 214/16.1T9TND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelJOSÉ EDUARDO MARTINS
Data da Resolução11 de Setembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório:

  1. No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 214/16.1T9TND que corre termos na Comarca de Viseu – Juízo de Competência Genérica de Tondela, no dia 8/1/2019, foi proferida Sentença, cujo Dispositivo é o seguinte: “VI - DECISÃO: Face ao exposto, decide-se: A. CONDENAR o arguido A. na pena única de 420 (quatrocentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de 12€ (doze euros), pela prática, em concurso efectivo, dos seguintes crimes, a que correspondem as seguintes penas individuais: i. quanto ao primeiro crime de gravações ilícitas, previsto e punido pelos artigos 199.º, n.º 1, alíneas a) e b), e n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal, praticado em 23.04.2016, na pena de 140 dias de multa; ii. quanto ao segundo crime de gravações ilícitas, previsto e punido pelos artigos 199.º, n.º 1, alíneas a) e b), e n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal, praticado em 27.04.2016, na pena de 180 dias de multa; iii. quanto ao crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º, do Código Penal, na pessoa de (…), pena de 80 dias de multa; iv. quanto ao crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º, do Código Penal, na pessoa de (…), pena de 80 dias de multa; v. quanto ao crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º, do Código Penal, na pessoa de (…), pena de 80 dias de multa; vi. quanto ao crime de injúria agravada, previsto e punido pelos artigos 181.º, n.º 1, e 184.º, do Código Penal, na pessoa de (…), pena de 80 dias de multa.

  2. Julgar improcedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante civil (…) e, em consequência, ABSOLVER o demandado civil A. do pedido; C. Julgar improcedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante civil (…) e, em consequência, ABSOLVER o demandado A. do pedido; D. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante civil (…) e, em consequência, CONDENAR o demandado civil A. no pagamento a este da quantia de 350€ (trezentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora desde a prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do restante pedido; E. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo demandante civil (…) e, em consequência, CONDENAR o demandado civil A. no pagamento a este da quantia de 250€ (duzentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora desde a prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do restante pedido; F. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante civil (…) e, em consequência, CONDENAR o demandado civil A. no pagamento a esta da quantia de 250€ (duzentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora desde a prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do restante pedido; G. Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela demandante civil (…) e, em consequência, CONDENAR o demandado civil A. no pagamento a esta da quantia de 600€ (seiscentos euros), acrescida de juros de mora desde a prolação da presente sentença até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do restante pedido.

    (…).

    **** B) Inconformado com a decisão recorrida, dela recorreu, em 12/2/2019, o arguido, pugnando pela sua absolvição e extraindo da motivação as seguintes Conclusões: I. A sentença proferida pelo tribunal a quo, pelo menos na parte em que condena o ora recorrente pela prática de dois crimes de gravações ilícitas, é nula por violação do disposto no art.º 374.º n.º 2 e por aplicação do disposto no art.º 379.º n.º 1 a), ambos do CPP, na medida em que não consta nos Factos Provados a captação de imagens ou sons de qualquer pessoa concreta mas tão somente da Assembleia de Freguesia, assim carecendo de um elemento objectivo do crime previsto e punido no art.º 199.º do CP.

    1. Caso não se entenda verificada a nulidade referida no número anterior, sempre deverá a sentença sob recurso ser revogada e o recorrente ser absolvido, por a mesma violar o disposto nos art.º 199.º n.ºs 1 e 2, 181.º e 184.º e 31.º º 2 b) do Código Penal bem como os art.ºs 79.º n.º2 do Código Civil, 37.º e 38.º da Constituição da República Portuguesa, os artigos e 10.º da CEDH e, ainda, os artigos conjugados 5º, 6º e 40º da Lei 75/2013 de 12 de Setembro.

    2. A correcta aplicação dos artigos invocados sempre implicaria a absolvição do Recorrente da prática dos crimes pelos quais foi acusado e, bem assim, a improcedência dos pedidos de indemnização civil contra si formulados.

    3. Muito embora o Recorrente seja condenado pela prática de dois crimes de gravações ilícitas, dos factos provados elencados na sentença a quo pura e simplesmente não é identificada uma única pessoa que tenha sido fotografada, filmada ou gravadas as suas palavras com a sua oposição.

    4. O bem jurídico protegido no crime de gravações ilícitas é a palavra pessoal e a imagem pessoal, razão pela qual, aliás, o “titular do direito de queixa é apenas a pessoa cuja palavra foi arbitrariamente registada ou utilizada”.

    5. Os direitos à imagem e à palavra, enquanto direitos fundamentais e autónomos, têm consagração constitucional, como decorre do estatuído no art. 26º, nº 1, da CRP, sendo, também, imprescindível o recurso ao art. 79º, do C.C. para delimitação do seu respectivo âmbito.

    6. O artigo 199º do Código Penal protege esses mesmo direitos, na vertente do direito de uma pessoa concreta – e não uma Assembleia – recusar a captação da sua imagem e das suas palavras em público por ser reflexo da sua identidade pessoal, como bem jurídico pessoal, correspondente a uma expressão directa da personalidade.

    7. Sem prova da existência e identidade da “pessoa” concreta fotografada ou filmada contra a sua vontade, não é possível a condenação de uma pessoa pelo crime de gravações ilícitas.

    8. Sendo os bens jurídicos protegidos pelo crime de gravações ilícitas eminentemente pessoais, ninguém pode ser condenado pela prática desse crime por ter sido dado como provado, sem que tenha sido dada como provada a identidade do lesado, que essa pessoa “captou som e imagem” de um evento.

    9. A condenação dos autos é tanto mais grave porquanto relativamente à reunião ordinária da Assembleia de Freguesia de (…), do dia 27.04.2016, nunca ninguém viu, nem constam dos autos, quaisquer imagens captadas pelo recorrente.

    10. Aquilo que esteve sempre em causa nas Assembleias não foi uma oposição por parte de alguns membros da mesma em defesa do seu direito à imagem ou à palavra, mas sim uma oposição dos membros da Assembleia à possibilidade de o Recorrente estar presente na Assembleia em “duas qualidades”: a de jornalista e a de membro da assembleia – essa oposição não se confunde com a oposição que constitui pressuposto do crime de gravações ilícitas.

    11. A Assembleia de Freguesia é o órgão deliberativo da freguesia – cfr. Artigo 5º, nº 1; Art. 6º, nº 1 da Lei 75/2013, de 12 de Setembro – prevendo-se expressamente que as sessões dos órgãos deliberativos das autarquias locais são públicas. – art. 49º nº 1 da mesma lei.

    12. Não se pode sequer aceitar que a captação de imagem e som de actos públicos democráticos possa ser ilícita.

    13. Mesmo admitindo a captação de som e imagem dos Assistentes – que não está provada – e mesmo admitindo que tivesse havido da parte dos mesmos uma legítima oposição à captação da sua imagem e som na Assembleia de Freguesia em que participavam – o que só por absurdo e dever de patrocínio se concebe –, face a todo o circunstancialismo concreto, ao disposto no artigo 79º do CC, aos valores da liberdade de expressão, opinião e de informação configurados na actuação do ora arguido e consagrados no art.ºs 37.º e 38.º da CRP e 10.º da CEDH, sempre seriam preponderantes face aos invocados valores de suposta protecção da imagem e da palavra, o que sempre configuraria a causa de exclusão da ilicitude, nos termos do art.º 31.º n.º 2 b) do Código Penal.

    14. O Recorrente saber que membros (alguns/ a maioria/ os presentes...) da Assembleia não queriam – por razões políticas ou regimentais – que fossem captadas imagens da Assembleia e deles mesmos não significa que sabia que estava a agir com conhecimento e vontade de praticar o facto com consciência da sua censurabilidade.

    15. Pelo contrário, o Arguido foi claro nas suas declarações relativamente ao que entendia ser o seu legítimo direito a filmar a Assembleia, sendo certo que além de membro da mesma era jornalista, o que sempre lhe conferia o direito a captar imagem e som daquele acto público da vida democrática.

    16. Além de não estarem verificados os elementos objectivos do crime também não se verifica o elemento subjectivo do mesmo, entendendo-se dever ser alterada a matéria de facto dada como provada nos artigos 8. e 10, devendo os referidos factos ser considerados como não provados.

    17. Também quanto ao ponto 3. da matéria de facto dada como provada nenhuma fundamentação existe na sentença quanto ao segmento em que se afirma, apesar da oposição expressa da maioria dos membros da Assembleia de Freguesia pelo que também o referido facto dado como provado deverá ser alterado no sentido de se eliminar dos factos dados como provados “apesar da oposição expressa da maioria dos membros da Assembleia de Freguesia” XIX. No que se refere aos crimes de injúria o Tribunal tem uma visão redutora e uma errada compreensão do que é (e deve ser) a liberdade de expressão numa sociedade democrática, em especial, no domínio da actividade política.

    18. Embora o Tribunal reconheça que o email do Recorrente foi dirigido aos seus destinatários enquanto titulares de cargos públicos (cfr. 2ª parte do Facto Provado 9), considerou que as expressões escritas pelo arguido não estão contidas dentro dos ajustados e sãos limites.

    19. O teor do email do Recorrente não entra na esfera particular e vida privada dos...

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