Acórdão nº 12/19.0GBLSA-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelMARIA JOSÉ NOGUEIRA
Data da Resolução11 de Setembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. No âmbito do Inquérito (atos jurisdicionais) n.º 12/19.0GBLSA, provenientes do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Lousã – Juízo de C. Genérica – Juiz 2, por despacho judicial de 07.02.2019 foi indeferida a constituição como assistente requerida nos autos por A..

  1. Inconformada com a decisão da mesma recorreu A., formulando as seguintes conclusões: a) O presente recurso vem interposto na sequência do despacho datado de 11/02/2019 (ref. 79356536) onde foi indeferido o pedido de constituição de assistente nos autos por parte da ofendida, com fundamento em extemporaneidade do referido pedido, em virtude de se terem ultrapassado os prazos constantes do n.º 2 do art. 68.º do C.P.P. a contar do n.º 4 do art. 246.º do C.P.P.

    1. No dia 11 de janeiro de 2019, a ofendida dirigiu-se ao posto da GNR na Lousã, onde apresentou uma denúncia que deu origem aos presentes autos, constando, no respetivo enquadramento, que os crimes abstratamente em causa eram de injúria e ameaça (cfr. auto de notícia a pps. 1-2, a fls. …).

    2. O primeiro, p.p. pelo art. 181.º do C.P., de natureza particular, nos termos do art. 188.º n.º 1 do Código Penal, e o segundo de ameaça, p.p. pelo art. 153.º n.º 1, de natureza semi-pública nos termos do n.º 2 do referido artigo.

    3. Tendo sido a queixa pelos referidos factos apresentada em 11/01/2019, por requerimento enviado aos autos em 25/01/2019 (a fls. …), veio a ofendida requerer a sua constituição como assistente, juntando procuração e comprovativo de pagamento da taxa de justiça devida.

    4. O princípio da oficialidade da promoção processual sofre as limitações e exceções decorrentes da existência dos crimes semipúblicos e dos crimes particulares, proclamando o art. 48.º do C.P.P. a legitimidade do Ministério Público para promover o processo penal, logo aí se ressalvam as restrições constantes dos artigos 49.º a 52.º, as quais conformam, justamente, as exceções a que o n.º 2 do art. 262.º do C.P.P. se refere.

    5. Ora, salvo o devido respeito, o despacho ora impugnado, ainda que suportado por um Acórdão de Uniformização de Jurisprudência (Ac. STJ n.º 1/2011), não deve ter aplicação à situação em apreço.

    6. Em primeiro lugar, e falamos agora em termos genéricos, parece demasiado oneroso que, mais das vezes pela assinatura de papeis minutados e sem a conveniente explicitação do respetivo conteúdo – na GNR foi dito à queixosa que o que interessava seria apresentar a queixa e constituir-se assistente, que agora o Magistrado do Ministério Público é que tinha de investigar os factos – possam levar à preclusão do direito de queixa e à promoção do competente procedimento criminal.

    7. Aliás, nos nossos tribunais, não obstante o teor da decisão do Ac. do STJ n.º 1/2011, por várias vezes já se questionou o referido entendimento, ainda que não o contrariando definitivamente, como aconteceu, v.g., no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 06/05/2015, Proc. n.º 43/13.7GAVZL-A.C1, relatado pelo Desembargador Luís Teixeira.

    8. O referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, nos termos do n.º 3 do art. 445.º do C.P.P. não constituem precedentes jurisprudenciais obrigatórios, estando apenas o tribunal dissidente obrigado a fundamentar a sua discordância.

    9. Os argumentos que são apontados contra a jurisprudência nele fixada são deveras impressivos.

    10. Não permitindo que, inutilizada uma queixa, por inobservância do prazo do n.º 2 do artigo 68.º, o queixoso apresente outra, estando ainda em curso o prazo previsto no artigo 115.º, faz-se equivaler esse simples vício de procedimento à desistência da queixa, o que é de todo ilegítimo, pois a desistência da queixa tem de ser inequívoca e expressa, além de só operar com a não oposição do arguido, sendo que num caso como o que está em discussão nem há ainda arguido.

    11. Aliás, se, no processo civil, vícios de forma dão lugar à absolvição da instância, a permitir a propositura de outra ação com o mesmo objeto, mal se compreende que no processo penal o queixoso, depois de ver inutilizada a sua queixa, igualmente por um vício formal, não possa apresentar outra relativa ao mesmo facto, enquanto não caducar o respetivo direito.

    12. Com efeito, se se compreende que o processo [por crime particular] não possa ficar parado indefinidamente e que por isso não deva ser aberto o inquérito sem que o requerente se constitua assistente (e, até, que o processo deva ser arquivado se o «ofendido» não o «fizer andar», constituindo-se assistente), já não se vê qualquer inconveniente (substancial) em que – durante o prazo de prescrição do procedimento criminal – se requeira a abertura do inquérito logo que o «denunciante» reúna, finalmente, as condições indispensáveis (o pagamento da taxa de justiça «moderadora», a constituição de um advogado que o queira representar, os meios financeiros para enfrentar as respetivas despesas, as eventuais pré-negociações com o autor do crime, a reflexão exigida para se dar um passo deste alcance, etc.).

    13. Ora, estes argumentos, aliados à circunstância de estarmos perante um processo que, nos termos da queixa apresentada, devia ter levado a um inquérito por um crime de ameaça, de natureza semi-pública, são passíveis de tornar ajustada ao caso concreto a solução que mais preza a economia dos atos e a prossecução da verdade material no âmbito do Processo Penal, defendida no Acórdão da Relação de Coimbra de 6-03-2012, CJ, T2, 2012, quando nos diz que “Em procedimento cujo objeto comporte tanto crimes de natureza particular como de natureza semi-pública, o ofendido poderá constituir-se assistente no prazo previsto no n.º 3 do art.º 68.º do CPP relativamente a todos os crimes.” o) Desde logo, estando em causa factos que, em abstrato, consubstanciam crimes semi-públicos – como são os que constam da denúncia que parecem ser passíveis de consubstanciar um crime de ameaça -, e que portanto apresentada a queixa relativamente a eles, o M.P. está obrigado, ao abrigo do princípio da oficialidade, a conduzir o competente inquérito, deduzindo acusação ou arquivando o processo, consoante considere existirem indícios da prática do referido crime, parece irrazoável a exigência de constituição de assistente no prazo que é dado pelo n.º 2 do art. 68.º.

    14. Encerrado o inquérito, o MP terá e em qualquer caso que deduzir acusação ou arquivar, relativamente aos crimes cuja investigação são da sua competência, pronunciando-se também sobre a existência ou não de indícios da prática dos crimes que dependem de acusação particular.

    15. Para quê condicionar ab initio a constituição de assistente da parte num caso onde o inquérito, caso não haja desistência de queixa, terá sempre e necessariamente que decorrer? Não se verificam, in casu os fundamentos que foram utilizados pela jurisprudência em abono da tese defendida no AUJ citado no despacho recorrido.

    16. Não existe possibilidade de se fazer o “pára-arranca” que obstou à interpretação vencida no referido Aresto de Uniformização de Jurisprudência.

    17. Mais do que isso, e tal como aí foi bem equacionado, a preclusão do direito de queixa do ofendido vai para lá daquilo que é informado nos formulários normalmente entregues pelos órgãos de segurança pública, que simplesmente se limitam a falar de arquivamento dos autos (o que é diferente de preclusão do direito de queixa sobre esses mesmos factos).

    18. O prazo para constituição de assistente, nas situações como aquela sobre a qual versamos, em que a denúncia é feita sobre factualidade passível de integrar crimes particulares e crimes semi-públicos, deve ser o previsto no n.º 3 al. b) do art. 68.º do C.P.P.

    19. Solução diversa implica, em situações como a que estamos a dirimir, que se “frature” um inquérito a meio, amputando-o de...

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