Acórdão nº 5/18.5T8TCS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução10 de Setembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório A) O presente recurso vem interposto da sentença que se pronunciou sobre a pretensão da Autora recorrida, a qual demandou a Ré recorrente para obter dela uma indemnização no montante de 9.751,63 euros e juros, por danos que sofreu num veículo, sua propriedade, os quais, segundo o alegado, foram produzidos por um veículo que se encontrava seguro na Ré.

    A Ré argumentou que a Autora não era proprietária do veículo e suscitou a intervenção acessória de A (…), alegado dono do veículo, mais tarde admitido a intervir.

    Alegou ainda desconhecimento quanto aos factos e, para o caso de ser responsabilizada, pediu, justificando, a diminuição da indemnização.

    No final foi proferida decisão com este conteúdo: «Em face do exposto, o Tribunal decide julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, A. condenar a ré S (…), S.A. a pagar à autora A (…), Lda.: a. a quantia de €5.086,63 mais IVA, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4%, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

    1. a quantia de €1800,00.

    1. absolver a ré S (…), S. A. no mais peticionado.

      Custas da presente acção a cargo da autora e da ré na proporção de 30% e 70%, respectivamente (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil) …».

    2. É desta decisão que vem interposto o recurso por parte da Ré, cujas conclusões são as seguintes: (…) C) A Autora recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.

      Concluiu deste modo: (…) II. Objeto do recurso De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar, se as houver, pelas questões processuais, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as questões atinentes ao mérito da causa.

      Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes: 1 – Em primeiro lugar, colocam-se as questões relativas à impugnação da matéria de facto.

      (I) A Ré pretende que seja declarada «provada» a matéria declarada «não provada» nas alíneas c) e d), a qual deverá passar para a matéria provada.

      Ou seja, deverá ficar provado: Que «O veículo JV antes do descrito nos factos provados 7 a 10 valia €1.200,00»; Que «O valor do veículo JV com danos é de €125,00, tendo por base a melhor proposta de aquisição da referida viatura».

      Que «Por escrito datado de 23 de Março de 2017, com assunto “proposta condicional de perda parcial”, a ré informou a autora que: “no seguimento da vistoria efectuada constatamos que a viatura de V. Exa. Sofreu danos cuja reparação se torna excessivamente onerosa face ao seu valor de mercado antes do acidente. Na situação em concreto, considerando o valor estimado para a reparação 6094,69€ na oficina a melhor proposta de aquisição da sua viatura com danos (125,00€), bem como o seu valor de mercado antes do acidente (1200,00€) e embora ainda não nos seja possível assumir uma posição quanto a responsabilidades, propomos condicionalmente a quantia de 1075,00€ (…)».

      (II) A Ré pretende ainda que sejam declarados «provados» os seguintes factos que não constam nem dos factos provados, nem dos factos não provados, a saber: ■ «A sócia-gerente da Autora, (…), aquando da realização da perícia em 22.03.2017, deu conta ao perito (…) da intenção da A (…) Lda. de receber da Ré uma indemnização no valor de € 3.500,00 em resultado do acidente e dos danos provocados no veículo JV e não a sua reparação».

      ■ «Além do veículo JV, a A (…) Lda. tinha à sua disposição outras viaturas que cumpriam a finalidade prevista no ponto 17».

      3 – Em terceiro lugar, colocam-se as questões relativas ao mérito da causa, que cumprirá analisar face à eventual alteração da matéria de facto.

      Assim, no que respeita ao montante da indemnização, cumpre verificar se terá ocorrido uma situação de perda total do veículo, não havendo lugar nesse caso à reparação, sendo a indemnização a atribuir de 1.075,00 euros (1.200,00 euros deduzidos do valor dos salvados que é de 125,00 euros).

      4 – Em quarto lugar, coloca-se a questão da condenação da Ré a pagar à Autora o «custo da reparação» a título indemnizatório, entendendo a Ré que não se encontra prevista na nossa ordem jurídica essa forma de indemnização, porquanto não tendo a Autora interpelado a Ré, para proceder à reparação do veículo, jamais poderia ter peticionado o custo orçamentado para a reparação do veículo.

      5 – Em quinto lugar coloca-se a questão da condenação da Ré a pagar à Autora o montante de IVA inerente ao custo da reparação.

      6 – Em sexto lugar, cumpre analisar a adequação da quantia atribuída a título de indemnização pela «privação do uso», entendendo a Ré que a Autora podia ter adquirido outro veículo; que demorou a instaurar a ação depois de conhecer a posição da Ré, agravando assim os danos, sendo certo que a Autora tinha à sua disposição outras viaturas que cumpriam as finalidades prevista no ponto 17 dos factos provados, não tendo ficado provado o número de vezes que a Ré utilizava o veículo, sendo desproporcionado fixar tal prejuízo em 1.800,00 euros quando o veículo só valia 1.200,00 euros, devendo, por isso, ser fixada a indemnização em 900,00 euros (€10,00 (valor diário) x 90 dias úteis).

  2. Fundamentação a) Impugnação da matéria de facto.

    (…) (II) A Ré pretende ainda que sejam declarados provados os seguintes factos, os quais não constam nem dos factos provados, nem dos factos não provados, nem foram alegados, a saber: «A sócia-gerente da Autora, (…) aquando da realização da perícia em 22.03.2017, deu conta ao perito (…) da intenção da A (…) Lda. de receber da Ré uma indemnização no valor de € 3.500,00 em resultado do acidente e dos danos provocados no veículo JV e não a sua reparação».

    Além do veículo JV, a A (…) Lda. tinha à sua disposição outras viaturas que cumpriam a finalidade prevista no ponto 17

    .

    Não lhe assiste razão.

    Muito embora estes factos não tenham sido alegados, o juiz podia tê-los declarado provados ao abrigo do disposto no artigo 5.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil, onde se determina que «2- Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:

    1. Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; …».

      A questão que se coloca agora consiste em verificar se poderão as partes, na hipótese do juiz não os ter declarado provados, vir mais tarde, em recurso, pedir que o Tribunal da Relação os considere provados? A resposta em regra é negativa, sem prejuízo de se considerar que o caso não é de impugnação da matéria de facto, mas sim de ampliação da matéria de facto, podendo, em alguns casos, ser dada uma resposta afirmativa, se porventura o facto não alegado for instrumental ou complementar e se revelar necessário para decisão da causa.

      Vejamos melhor.

      A situação processual em questão não cabe na previsão do artigo 640.º do Código de Processo Civil.

      Com efeito, relativamente à impugnação da matéria de facto, o artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, dispõe do seguinte modo: «1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

    2. Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».

      Ora, neste caso, se alguma falta tiver existido, consistirá numa omissão, isto é, o juiz devia ter declarado provados...

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