Acórdão nº 2029/15.5T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Setembro de 2019

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução10 de Setembro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

M (…), intentou contra COMPANHIA DE SEGUROS A (…), S. A., ação declarativa, de condenação, com processo comum.

Pediu: A condenação da ré no pagamento da quantia de €118.684,90, acrescida de juros à taxa legal, contados sobre a quantia de €100.000,00, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese: - Em 19.09.2006, E (…), Lda. contratou, junto do Banco (…) S.A., um contrato de mútuo, no montante de €100.000,00, tendo o Banco exigido que, para garantia do pagamento da quantia mutuada, os legais representantes da identificada sociedade - o aqui autor e sua esposa M (…) - subscrevessem uma livrança avalisada e celebrassem, cada um, com a ré, um contrato de seguro facultativo denominado “Vida Individual”.

- O contrato de seguro referente ao autor deu origem à apólice com o nº00 (...) e foi celebrado pelo prazo de 28 anos incompletos, com início em 19.09.2006 e termo em 16.09.2034.

- Ficou estipulado que, em caso de morte do autor, seria paga ao Banco (…), S.A. a quantia mutuada que ainda estivesse em divida à data do óbito e que o remanescente seria entregue aos herdeiros legais do autor; no caso de invalidez permanente do autor, seria paga ao Banco (..), S.A. a quantia mutuada que ainda estivesse em dívida e o remanescente seria entregue ao autor (“pessoa segura”).

- No dia 06.10.2010, o autor foi vítima de um acidente vascular cerebral isquémico, em resultado do qual ficou a padecer de incapacidade absoluta e definitiva para qualquer tipo de trabalho, tendo, em 28.12.2011, passado a auferir de uma pensão por invalidez absoluta, paga pela Segurança Social.

A ré deduziu contestação.

Alegou: - Para a celebração do seguro de vida invocado pelo autor, é necessário o preenchimento prévio do boletim de adesão (proposta) instruído com uma declaração de saúde da(s) pessoa(s) segura(s) onde, o(s) aderente(s) declara(m) quais as doenças de que padece e/ou padeceu.

- O autor nada respondeu ao questionário de saúde e declarou, ainda, que: “b) - Respondi com exatidão e sinceridade ao Questionário de Saúde, no caso de não me enquadrar nas condições da Declaração de Saúde; d) Que as omissões, inexatidões e falsidades, quer no que respeita a dados de fornecimento obrigatório, quer facultativo, são da minha inteira responsabilidade; f) Recebi a Nota de Informação Prévia do Seguro.” - Seguiu-se a assinatura do autor.

- À data da adesão e aceitação, em 19.09.2006, o autor sabia que era portador da diabetes insulinodependente e de hipertensão arterial, desde o ano de 1993, tratada com insulina e recebia assistência médica e medicamentosa, sendo que estas doenças lhe causaram, diretamente, a incapacidade para o trabalho a que se referiu na sua petição inicial.

- Se a ré tivesse tido conhecimento da doença de que o autor padecia não teria aceitado o seguro proposto.

- Dispõe o ponto 5.4 das Cláusulas Gerais: “A omissão de factos, as declarações falsas, inexatas ou incompletas, que alterem a apreciação do risco, determinam a nulidade do Contrato/Adesão.

- As “repetidas omissões e falsas declarações prestadas pelo autor, de forma claramente intencional, levam à nulidade do contrato de seguro.

- Mesmo que assim não fosse entendido, o autor não reúne as condições exigidas para preencher a cobertura de Invalidez Absoluta e Definitiva (IAD).

Pelo contrato considera-se existir invalidez Absoluta e Definitiva quando se verifiquem cumulativamente os seguintes factos: - Possuir o Segurado uma incapacidade funcional irrecuperável igual ou superior a 75% com impossibilidade de subsistência sem o apoio permanente de terceira pessoa; - Possuir o Segurado comprovada incapacidade irrecuperável para exercer qualquer para exercer qualquer atividade remuneratória.” - O autor levanta-se, lava-se, veste-se e come sozinha, passeia e leva quotidiano autónomo, não necessitando do apoio permanente de terceira pessoa para o desempenho das suas necessidades do dia-a-dia e atos normais da vida.

O autor respondeu contestando os factos alegados pela ré e reiterando a procedência da acção.

  1. Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «…declara-se a anulação do contrato de seguro invocado nos autos, e, consequentemente, julga-se a presente ação totalmente improcedente, absolvendo-se a supra identificada ré do pedido deduzido pelo identificado autor.» 3.

    Inconformado recorreu o autor.

    (…) Contra a legou a ré pugnando pela manutenção do decidido com os seguintes argumentos finais: (…) 4.

    Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

    1. - Procedência da acção.

  2. Apreciando.

    5.1.

    Primeira questão.

    5.1.1.

    No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5 do CPC.

    Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

    O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.

    Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

    Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

    Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

    Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

    Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

    Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

    O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

    E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

    Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 dgsi.pt., p.

    09P0114.

    Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada, que: «Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela.

    – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

    5.1.2.

    Por outro lado urge atentar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina a que o tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão - Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 9.07.2015, p.405/09.1TMCBR.C1.S1 e de 01.10.2015, p.

    6626/09.0TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

    Na verdade, e como dimana do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

    Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.».

    Como corolário deste princípio: «impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a...

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