Acórdão nº 6516/18.5T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Setembro de 2019
Magistrado Responsável | ALBERTO RU |
Data da Resolução | 17 de Setembro de 2019 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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Relatório a) Os Autores, agora recorridos, instauraram a presente ação declarativa com o fim de obterem a condenação da Ré, ora recorrente, nos seguintes pedidos: - Anulação do testamento outorgado por J (…), no dia 24 de janeiro de 2018, no Cartório Notarial em (...) a cargo da Notária (…), de fls. onze a fls. onze verso do livro de notas para testamentos públicos e escrituras de revogação de testamentos número quatro; - Anulação da doação verbal da quantia de €19.000 efetuada mediante a entrega por J (…) à ré, sendo esta condenada a restituir à herança aberta por óbito da D (…) e do J (…), a referida quantia, acrescida de juros de mora desde a data da citação até efetivo e integral pagamento; E, subsidiariamente, caso não venha a ser julgado procedente o pedido de anulação do testamento e doação, seja reduzida por inoficiosidade a liberalidade feita por J (…) a favor da ré.
O fundamento factual para estes pedidos consistiu, em síntese, na afirmação de que o falecido J (…), à data em que realizou as transferência patrimoniais e testou, estava totalmente incapacitado de reger a sua pessoa e bens, por padecer de demência, moderada a grave, de etiologia mista (vascular e Alzheimer), que o incapacitava totalmente de dispor da sua pessoa e de gerir e dispor dos seus bens, desde novembro de 2017, sendo ainda certo que o legado e doações sempre teriam que ser reduzidos, por inoficiosidade.
A ré foi citada, mas não contestou, razão pela qual o tribunal considerou confessados os factos alegados.
Ambas as partes alegaram e o Autor, no artigo 22.º das alegações, declarou o seguinte: «Prescindindo-se nesta sede na parte do pedido que diz respeito à redução das liberalidades feitas pelo falecido na medida em que se encontram confessados os factos alegados na petição inicial cujo enquadramento jurídico terá que ser, salvo melhor douta opinião o da procedência do pedido de anulação do testamento e anulação das doações efectuadas pelo falecido».
Após alegações das partes, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «- Anulo o testamento outorgado por J (…), no dia 24 de janeiro de 2018 no Cartório Notarial em (...) a cargo da Notária (…), de fls. onze a fls. onze verso do livro de notas para testamentos públicos e escrituras de revogação de testamentos número quatro; - Anulo a doação verbal da quantia de € 19.000 efetuada mediante a entrega por J (…) à ré, condenando-a a restituir à herança aberta por óbito da D (…) e do J (…) a referida quantia, acrescida de juros de mora desde a data da citação até efetivo e integral pagamento; - Custas, incluindo as de parte, pela ré – artigos 26.º do RCP e 527.º do CPC.
Valor da ação: € 49.000 (quarenta e nove mil euros), nos termos do disposto nos artigos 297.º, n.º 1 e 2, e 306.º, n.º 1 e 2, ambos do CPC».
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É desta decisão que vem interposto o recurso por parte da Ré, cujas conclusões são as seguintes: (…) TERMOS EM QUE julgando procedente o presente recurso, declarando nula a sentença recorrida por falta absoluta de fundamentação e substituída por Acórdão que, julgando improcedentes os pedidos deduzidos pelos AA. por não provados, julgue válido e eficaz o testamento outorgado por J (…), no dia 24 de Janeiro de 2018 no Cartório Notarial em (...) a cargo da Notária (…), de fls. onze a fls. onze verso do livro de notas para testamentos públicos e escrituras de revogação de testamentos número quatro, julgando válida e eficaz a doação verbal da quantia de € 19.000 efectuada mediante a entrega por J (…) à R. por o mesmo não padecer de qualquer incapacidade permanente ao acidental impeditiva de entender o sentido da sua declaração, estando o mesmo no livre exercício da sua vontade, absolvendo-se a R. dos pedidos contra si deduzidos, farão Vossas Excelências, a costumada e esperada JUSTIÇA! c) Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso.
Concluíram deste modo: (…) Por tudo o que fica supra exposto, nomeadamente em Conclusões deverá o recurso de Apelação interposto pela Recorrente ser julgado improcedente, por desprovido de fundamento que permita alterar a decisão do tribunal a quo, por não provado e consequentemente ser confirmada a sentença proferida pelo tribunal a quo com todos os efeitos legais, porque não foram violadas quaisquer normas legais, maxime as mencionados pela Recorrente».
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Objeto do recurso De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.
Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes: 1 - A primeira questão colocada pelo recurso consiste em verificar se deve rejeitar-se ou não a impugnação da matéria de facto declarada provada por falta de cumprimento dos ónus estabelecidos no artigo 640.º do Código do Processo Civil.
2 – Em segundo lugar, cumpre verificar se ocorrem as nulidades de sentença apontadas, ou seja: (
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Se, face à declaração exarada na sentença «Foram considerados confessados os factos alegados, tendo os autores apresentado as alegações que precedem, que aqui se dão por reproduzidas, onde pugnaram pela procedência da acção», é de concluir que ocorreu violação do contraditório, porquanto se verifica que o tribunal não tomou conhecimento das alegações da Ré, situação processual que produz nulidade da sentença nos termos do artigo 195.º, n.º 1 CPC, pois, a omissão desse conhecimento influiu no exame e decisão da causa.
(b) Por falta absoluta de fundamentação – al. d) do n.º 1 do art.º 615.º CPC –nos termos e para os efeitos do disposto no art. 607.º, n.º 3 e 4 CPC, porquanto não declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados.
Apenas se declarou: «Visto. A ré, regularmente citada, não contestou, pelo que considero confessados os factos alegados pelos autores, nos termos do artº 567º nº 1 do CPC. Notifique nos termos e para os efeitos do artº 567º nº 2 do mesmo Código».
(c) Por omissão da análise das provas e especificação dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, porquanto o tribunal recorrido.
3 – Em terceiro lugar, colocam-se as questões relativas à impugnação da matéria de facto e que consistem no seguinte: (
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Verificar se a única matéria que pode ser declarada provada é esta: «… J (…), que faleceu no passado dia 12.06.2018», comprovado pelo Doc. 2; «(…) J (…) (…) no dia 24 de janeiro de 2018 (….) um testamento (…) que lhe deixa um legado da quantia monetária de 30.000,00 euros (trinta mil euros)», comprovado pelo Doc. 9.
(b) Toda a matéria restante deverá ser julgada não provada, pois, consiste tão- somente em opiniões, juízos valorativos ou conclusivos e especulações dos Autores.
Incluindo: - O «Relatório de Avaliação Pericial Psiquiátrica», porquanto o testamento foi celebrado no dia 24/01/2018 e o de cujus foi examinado pelo médico subscritor, uma única vez, em 04/05/2018; o de cujus faleceu em 12/06/2018 e o relatório data de 13/07/2018.
- A data de nascimento da Ré recorrente, porquanto o documento n.º 4 é uma cópia não certificada com valor de informação do Assento de nascimento da Ré e tal cópia não faz prova plena, nos termos dos arts. 383.º e 386.º do Código Civil.
- Movimentos bancários constantes do documento n.º 5.
Não constitui prova dos movimentos nele indicados, designadamente dos movimentos referidos nos artigos 23.º e 35.º da petição inicial.
- Documento n.º 7 Cópia dum manuscrito cuja autoria se desconhece, pelo que, não se poderá provar, nomeadamente o alegado no art. 27.º da petição inicial.
4 – Em quarto lugar, face ao resultado a que se tiver chegado na parte relativa à impugnação da matéria de facto verificar se há fundamento para alterar a solução jurídica exarada no dispositivo da sentença.
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Fundamentação a) Rejeição do recurso 1 - A primeira questão colocada pelo recurso consiste em verificar se deve rejeitar-se ou não a impugnação da matéria de facto declarada provada por falta de cumprimento dos ónus estabelecidos no artigo 640.º do Código do Processo Civil.
O artigo 640.º (Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto) do Código de processo Civil, tem a seguinte redação: «1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente...
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