Acórdão nº 6/16.8T8PBL-A.C2 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução23 de Novembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Sumário do acórdão: 1. A Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1, do CPC de 2013).

  1. Os documentos não são factos, mas simples meios de prova dos factos alegados.

  2. Em cumprimento do disposto no art.º 607º, n.ºs 3, 1ª parte e 4, do CPC, deverá o juiz indicar expressamente os factos provados pelos documentos, não bastando “dar como reproduzidos” os documentos ou realizar uma simples “cópia e colagem” do seu teor.

  3. Não se demonstrando que a conta caucionada “ficou totalmente saldada em 2010” e que “o BES soube em 2010 positivamente da renúncia do executado/embargante do cargo de administrador, mas permitiu a utilização da mesma conta sem lho comunicar”, caem dois dos fundamentos aptos a sustentar que o banco exequente/embargado, ao apresentar à execução livrança avalizada em 21.6.2007 e com vencimento em 30.10.2015, dada em garantia do correspondente contrato de financiamento, excedera “manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” (art.º 334º do CC).

    Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I.

    Em 02.3.2016, J... deduziu oposição por embargos à execução que lhe é movida por Banco A..., S.A.

    [1], pedindo que os presentes embargos sejam julgados procedentes.

    Alegou, em síntese: a livrança dada à execução foi preenchida abusivamente pela exequente, uma vez que não o poderia ter sido na medida em que apenas estava autorizado a preencher o Banco B..., S.A.; a garantia dada pelo aval cessou no termo do prazo fixado no contrato - 90 dias -, não estabelecendo o contrato que as garantias acompanham a renovação do empréstimo; nunca lhe foi explicado que o aval se pudesse prolongar para além do prazo do empréstimo, e a sociedade devedora chegou a pagar totalmente a conta caucionada em 2010; renunciou ao cargo de administrador da sociedade devedora em 2008, facto registado em 2009; a exequente/embargada sabia que o executado/embargante já não era administrador da sociedade e ainda assim preencheu a livrança (em 30.10.2015[2]), sendo que voltou a permitir a utilização do saldo da conta caucionada (depois de pago o montante devido) sem comunicar ao opoente/avalista e numa altura em que este já não era administrador da sociedade; a exequente/embargada actua em abuso de direito.

    A exequente/embargada contestou, referindo, além do mais: é parte legítima na execução, face à transferência de ativos operada do B...; a livrança foi subscrita para garantia do incumprimento das obrigações assumidas no contrato celebrado com a sociedade A..., S. A., sendo o crédito reutilizável como ficou a constar do contrato, para além dos 90 (noventa) dias fixados; é irrelevante a renúncia ao cargo de administrador na medida em que tal não extingue o aval prestado. Concluiu pela improcedência dos embargos.

    Proferido saneador-sentença, objeto de recurso, a Relação determinou o prosseguimento dos autos para realização de audiência prévia, nos termos e para os efeitos do art.º 591º do Código de Processo Civil (CPC).

    Observado o assim determinado, foi então proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção de (i)legimitidade ativa, firmou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

    Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 03.5.2021, julgou improcedentes, por não provados, os presentes embargos à execução.

    Inconformado, o executado/embargante apelou formulando as seguintes conclusões: ...

    [3] Não houve resposta.

    Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa conhecer e/ou reapreciar, principalmente: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) decisão de mérito, em particular, quanto à problemática do preenchimento abusivo da livrança dada à execução e do abuso de direito por parte da exequente (cuja modificação dependerá, principalmente, do eventual atendimento daquela impugnação).

    * II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: ...

  4. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

    O embargante/apelante começa por afirmar que “na sentença recorrida fazem-se umas colagens que não se podem aceitar e que desrespeita as normas de elaboração de sentença, violando os art.ºs 607º e 608º do CPC”.

    O recorrente tem razão, porquanto a Mm.ª Juíza a quo não deu o devido cumprimento ao disposto, nomeadamente, no art.º 607º, n.ºs 3, 1ª parte [“Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados (...)”] e 4 [“Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados (...)”] do CPC.

    Na verdade, os citados normativos sobre a elaboração da sentença não foram devidamente observados quanto à factualidade a que se alude em II. 1. 6), 7), 8), 11) e 12), supra, sabendo-se que “os documentos não são factos, mas simples meios de prova dos factos alegados”, razão pela qual, na fixação da matéria de facto, sempre importará indicar expressamente os factos provados pelos documentos, não bastando “dar como reproduzidos” os documentos ou realizar uma simples “cópia e colagem” do seu teor.

    Ademais, se, eventualmente, a alegação dos factos tiver sido feita com remissão para os documentos, deverá o juiz seleccionar os factos incluídos ou decorrentes de tais documentos que importem à decisão da causa, e, se assim não suceder, nada obstará a que, em sede de recurso, essa tarefa seja assumida pela Relação que também conhece da matéria de facto[4], explicitando ou concretizando o teor de tais documentos que releve para a dilucidação da lide e a decisão do recurso.

    Resta proceder em conformidade com a mencionada orientação.

    [5] 4.

    1. O embargante/recorrente insurge-se, ainda, e principalmente, contra a decisão sobre a matéria de facto, ciente de que a sua eventual modificação poderá levar a um diferente desfecho dos autos.

      Com esse desiderato pugna para que seja dado como não provado o ponto de facto 11) e que o ponto 9) da matéria de facto provada tenha a resposta diversa que apresenta; diz ainda que, contrariamente ao que erradamente se fez constar em II. 2. a), supra, como não provado, se deverá dar como provado o que indica nos (novos) pontos de facto - “13), 14), 15) de 16)” - (cf., a “conclusão 2ª”, ponto I., supra).

      Baseia-se, para o efeito, apenas, na prova documental junta aos autos.

      Daí, importa averiguar se outra poderia/deveria ser a decisão do Tribunal a quo quanto àquela factualidade.

    2. Esta Relação procedeu à audição integral da prova pessoal produzida em audiência de julgamento, conjugando-a com a prova documental.

    3. Pese embora a maior dificuldade na apreciação da prova (pessoal) em 2ª instância, designadamente, em razão da não efectivação do princípio da imediação[6], afigura-se, no entanto, que, no caso em análise, tal não obstará a que se verifique se os depoimentos foram apreciados de forma razoável e adequada.

      Na reapreciação do material probatório disponível por referência à factualidade em causa, releva igualmente o entendimento de que a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais pode basear-se numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade[7], capaz de afastar a situação de dúvida razoável.

    4. Consignou-se na motivação da decisão sobre a...

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