Acórdão nº 3755/19.0T8LRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução09 de Novembro de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Sumário do acórdão: 1.

A Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1, do CPC).

  1. Todas as espécies de prova têm como finalidade única formar a convicção do juiz a respeito dos factos que interessam à solução do litígio.

  2. A prova documental é uma prova real que põe o juiz em presença dum objeto material que lhe representa o facto a averiguar.

  3. Para haver obrigação de indemnizar é condição essencial que haja um dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém, importando indemnizar os prejuízos causados por esse facto (art.º 483º do CC).

  4. Um relatório de peritagem, ou um orçamento, é insuficiente para corporizar pedido que deverá radicar na sequente e efetiva reparação com a menção do preço ou do custo do que foi realmente executado e aplicado, traduzida em adequada “documentação de suporte” (v. g., “folha de obra” e subsequente fatura ou fatura-recibo).

    Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I. Em 08.11.2019, R..., S.A. instaurou a presente ação declarativa comum contra F... - Companhia de Seguros, S.A., pedindo que seja condenada a pagar-lhe a quantia de €6.311,68 e juros à taxa de 8 % ao ano desde a data da citação até integral pagamento.

    Alegou, em síntese: no dia 14.11.2016, pelas 19 horas, ao Km 120,20 da A19, sentido Sul/Norte, na localidade de Leiria, ocorreu um acidente envolvendo o veículo matrícula ..., segurado pela Ré; realizadas várias comunicações à Ré para proceder à peritagem do veículo, esta nada disse à A., não procedeu a agendamento de qualquer peritagem dentro do prazo a que se encontrava obrigada, tendo a A. pago e requerido peritagem a empresa independente, após o que procedeu à reparação da viatura nas suas instalações. A Ré contestou, alegando ter enviado comunicação por escrito ao segurado e à A. informando que o sinistro tinha condições para ser regularizado no âmbito da “Convenção IDS (Indemnização Directa ao Segurado)”; a A. nunca lhe solicitou a marcação de qualquer peritagem para avaliação dos danos sofridos em consequência do embate, pelo que ficou a aguardar a reclamação por parte da congénere para proceder ao reembolso do valor pago na reparação dos danos sofridos pela A.; só em 11.5.2017[1] a Ré teve conhecimento que a A. não tinha reclamado a peritagem e pagamento dos danos sofridos no veículo à sua seguradora; não reconhece a peritagem contratada pela A., e desconhece se o veículo foi reparado e se a A. teve os “danos e prejuízos” aludidos nos art.ºs 69º e 71º a 73º da petição inicial (p. i.). Concluiu pela improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.

    Foi proferido o despacho previsto no art.º 597º do Código de Processo Civil (CPC).

    Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 29.12.2020, julgou a ação totalmente improcedente, por totalmente não provada, absolvendo a Ré do pedido.

    Inconformada, a A. apelou formulando as seguintes conclusões: ...

    1. - Está assim demonstrado que a recorrida incumpriu com a lei e procedimentos atinentes à regularização de sinistros, de forma flagrante, pelo que, tendo em conta a matéria dada como provada, aliada à legislação aplicável, implicaria decisão totalmente contrária à proferida.

    2. - A sentença recorrida violou os art.ºs 36º, n.º 1, alíneas a), b), d), e) e f) e n.ºs 2 a 7, 38º, n.ºs 1 e 2, 40º, n.ºs 2 e 4º, n.º 1 do DL 291/2007, de 21.8, e ainda os art.ºs 342º, 483º, n.º 1, 48º, n.º 1, 562º, 566º, n.º 1, 804º, n.º 1, 805º, n.º 3 e 806º, n.º 1 do Código Civil (CC) e 607º, n.ºs 3 e 4 e 615º, n.º 1, al. b) e c) do CPC.

    Rematou dizendo que deve ser “alterada a matéria de facto e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e ser a mesma substituída por outra que condene a Recorrida nos termos peticionados”.

    A Ré respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

    Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa apreciar e decidir: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (incongruências da motivação e erro na apreciação da prova, sobretudo quanto à demonstração da existência de prejuízos para a A. sequentes aos danos sobrevindos); b) decisão de mérito (cuja modificação dependerá da eventual alteração da decisão de facto).

    1. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: ... 2. E deu como não provado: ...

  5. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

    Antes da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, a Ré invoca a existência de “graves[2] erros na própria estruturação da sentença”.

    Pela simples análise do texto somos levados a concluir que tais pretensos “graves erros” aparentam ser o resultado de uma incompleta reformulação do texto elaborado pela Mm.ª Juíza a quo; são, pois, apenas evidentes discrepâncias ou lapsos/erros manifestos, quer quanto à sua existência quer quanto ao modo de os rectificar e que, como tal, devem ser rectificados/eliminados.

    [3] Daí as já operadas rectificações nas alíneas e) e f) dos factos dados como não provados[4] e as que se farão adiante.

    [5] 4.

    1. A A./recorrente insurge-se contra a factualidade dada como não provada em II. 2. alíneas a), b), c), e) e f), supra, e considera que deveria ser dada como provada, destacando a das mencionadas alíneas c), e) e f) [cf., sobretudo, as “conclusões 9ª, 22ª e 23ª”, ponto I., supra], ciente da sua importância para o pretendido desfecho da lide.

    b) Sem quebra do respeito sempre devido por entendimento contrário, afigura-se que a prova documental junta aos autos, conjugada com os depoimentos indicados na impugnação, não permite, com suficiente segurança e no respeito pelas regras probatórias, dar como provada a matéria em causa, como se explicitará de seguida.

  6. As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (art.º 341º do CC).

    Prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto (art.º 362º do CC).

    Essencial à noção de documento é a função representativa ou reconstitutiva do objeto.

    [6] Todas as espécies de prova têm como finalidade única formar a convicção do juiz a respeito de determinados factos (os que interessam à solução do...

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