Acórdão nº 9146/18.8T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Janeiro de 2021
Magistrado Responsável | EM |
Data da Resolução | 25 de Janeiro de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Sumário: Quer a ofensa à lei seja sancionada com a nulidade quer o seja com a anulabilidade, a suspensão da deliberação só será decretada se o requerente mostrar que essa execução pode causar dano apreciável.
Processo n.º 9146/18.8T8CBR.C1 Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra F (…), residente em (…), freguesia de (…), em (…), requereu a suspensão da deliberação tomada na assembleia geral da requerida, A (…) Lda, com sede na (…) na cidade de (…), realizada em 22-11-2018, que elegeu para a gerência e para o triénio de 2018 a 2020, A (…), D (…) e J (…) Mais requereu, nos termos dos artigos 369.º e 382.º, ambos do Código de Processo Civil, que, em inversão do contencioso, fosse decretado a dispensa da ora requerente em propor a acção de anulação das deliberações, cuja suspensão requeria, por ser manifesto em face dos documentos juntos que a assembleia geral de 22 de Novembro de 2018 foi legalmente uma assembleia geral não convocada e consequentemente eram nulas as deliberações nela tomadas.
Para o efeito alegou em síntese: 1. Que era titular de uma quota no valor de € 2653,22, correspondente a 26,33% do capital social; 2. Que o gerente da sociedade era A (…), como tal designado desde 24/07/1999; 3. Que a assembleia foi convocada por F (…), intitulando-se presidente da mesa da assembleia geral; 4. Que a convocação foi ilegal, o que tornava a assembleia geral como não convocada e nulas as deliberações nelas tomadas; 5. Que da execução da deliberação resultava prejuízo considerável para a sociedade requerida, pois podia conduzir à sua insolvência.
A requerida opôs-se, pedindo se indeferisse o decretamento da providência, por não se verificarem os pressupostos de que dependia o seu decretamento, a saber, a aparência de um direito e o perigo do seu não decretamento, para além de não existir qualquer ilegalidade, seja da convocatória, seja da deliberação propriamente dita, e de não poder considerar-se justificada a qualidade de sócia da requerente, e também de não se demonstrar que a execução da deliberação pudesse vir a causar qualquer dano apreciável.
Se assim se não entendesse pediu se indeferisse a providência, por o seu decretamento representar um prejuízo superior ao que da execução da deliberação cuja suspensão vinha requerida acarretaria.
E se ainda assim se não entendesse, pediu se indeferisse a providência, dado que o recurso a este processo representava um clamoroso abuso do direito.
A requerente respondeu à questão da legitimidade. Sobre ela começou por reafirmar que tinha legitimidade para requerer o procedimento por ser sócia de pleno direito da requerida. Porém, caso assim se não entendesse, devia ser declarada, na mesma, parte legítima como cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de sua mãe, (…), podendo ser chamado o outro herdeiro, irmão da requerente, que era incapaz, a ser citado na pessoa do seu tutor designado.
O processo prosseguiu os seus termos e após a produção da prova foi proferida sentença que decidiu julgar improcedente, por não provado, o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais.
A requerente não se conformou com a decisão e interpôs o presente recurso de apelação, pedindo se declarasse oficiosamente a nulidade da deliberação ou, caso assim se não entendesse, se suspendesse a mesma na sua eficácia, com a inversão do respectivo contencioso e consequente declaração de nulidade.
Para o efeito alegou: 1. Uma vez constatada de forma inequívoca pelo tribunal a nulidade da deliberação cuja suspensão é requerida, independentemente da procedência desta, devia o tribunal oficiosamente declarar a nulidade da referida deliberação, como lho impõe o citado art.º 286.º do Código Civil; 2. Por isso, devia ser declarada a nulidade da deliberação de designação de gerentes tomada na assembleia geral de 22 de Novembro de 2018, com todas as legais consequências.
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Se assim se não entendesse, resultava dos factos provados com interesse para a análise da questão do prejuízo sério que, nomeadamente os factos constantes dos pontos 8.º, 22.º, 25.º, 29.º, 40.º, 51.º, 52.º e 53.º, que existia uma manifesta confusão entre quem afinal geria a sociedade, apesar de a deliberação tomada ser nula; que não havia a efectiva certeza da segurança da transmissão do estabelecimento comercial para a sociedade “G (…) Lda.”, efectuada dois dias depois da tomada da deliberação ora impugnada; que, além disso, existia o risco de desaparecerem as quantias avultadas recebidas pela sociedade se a gerência for atribuída, agora individualmente, a um sócio que escondeu um relatório de auditoria à sociedade e consequentemente, estavam em causa os postos de trabalho da a maior parte dos trabalhadores aceitaram a sua transferência para a sociedade “G(…), LDA.”; 4. A agravar esta situação estava o considerando do anterior acórdão deste Tribunal retirando eficácia ao disposto no art.º 381.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil; 5. Era evidente que a manutenção da eleição dos gerentes causava dano apreciável à sociedade A (…), Ldª., pela incerteza da sua actuação e sobre quem geria os seus destinos, causando dano à sociedade e reflexamente aos sócios; 6. Sendo a deliberação electiva, uma deliberação nula e de nenhum efeito, os riscos apontados tornam-se ainda mais evidentes, pois o gerente eleito sabe que o não poderá ser de novo, pois não detém a maioria, o que configura um dado apreciável à sociedade; 7. Consequentemente, se não fosse declarada oficiosamente a nulidade da deliberação como o impunha a lei, devia a mesma ser suspensa na sua eficácia, com a inversão do respectivo contencioso e consequente declaração de nulidade.
A requerida respondeu ao recurso, pedindo se confirmasse a decisão recorrida.
Prevenindo a hipótese de procedência das questões suscitadas pela apelante requereu, ao abrigo do disposto no art.º 636.º n.º 1 do CPC, que se tomasse conhecimento das questões relativas à qualidade da apelante de sócia, enquanto cabeça-de-casal da herança indivisa em que se integrava a quota social de que se havia arrogado dona, decidindo que a apelante não se pode arrogar dessa qualidade – que não invocou na petição inicial, tendo-se estabilizado a instância quanto aos sujeitos, que é parte ilegítima para a lide.
Devendo, em sede de tal apreciação, a requerida ser absolvida da lide; decretando-se que era válida a deliberação social objecto dos autos.
Para o efeito alegou: 1. A decisão recorrida não decretou, nem poderia ter decretado a nulidade da deliberação posta em crise. A avaliação da validade da deliberação é matéria de reserva da acção principal. O tipo de averiguação desenvolvida em matéria de procedimento cautelar dirige-se à averiguação de uma mera probabilidade do direito invocada. E o respectivo formalismo processual próprio corporiza, pela sua simplicidade, uma diminuição de garantias de defesa pela parte contra quem é deduzida a providência; 2. Tal circunstância é particularmente determinante da impossibilidade de cognição definitiva da nulidade da deliberação, quanto é certo terem sido alegados factos (em particular os relacionados com o contexto da sociedade requerida, dos respectivos órgãos sociais e dos sócios) que são ponderosos para a apreciação do tipo de invalidade hipoteticamente cometida, corporizável em abstracto na deliberação atacada, e para a apreciação da excepção do abuso de direito. E que por limitações próprias do formalismo do procedimento cautelar não puderam ser averiguados com o detalhe que a questão impõe; 3. Não se provou que a deliberação objecto do procedimento cautelar tivesse causado qualquer dano à sociedade. Os factos provados, para além de não constituírem dano apreciável, também se não relacionam com a deliberação social objecto do procedimento pelo indispensável nexo de causalidade; 4. A deliberação de eleição de gerentes nunca tem, pela sua própria natureza, o alcance de causar qualquer prejuízo. Trata-se de, por via dela, prover a pessoa colectiva societária de titulares de órgãos indispensáveis à sua administração e representação. E é tanto quanto basta para que tal eleição seja, por si, vantajosa. Reconcilia a sociedade com as exigências impostas pelo ordenamento jurídico; 5. A deliberação objecto do procedimento tem a vantagem adicional de permitir a administração e representação da sociedade na fase crítica em que foi colocada por efeito de actos afrontosos da prossecução do seu objecto social - a decisão do suposto gerente Eng.º V(…) de pôr termo ao contrato de concessão da marca de automóveis “X(…)”, que viabilizava o seu objecto social, e da outorga de uma escritura em que declarou trespassar o essencial do seu estabelecimento comercial e declarou vender os mais valiosos dos seus imóveis. Para além de permitir à nova gerência a elaboração e sujeição a deliberação dos sócios das contas da sociedade; 6. Apelante não é sócia da apelada, mas meramente contitular de uma quota social integrada numa herança indivisa de que é contitular e cabeça de casal; 7. Tendo a apelante, na petição inicial, alegado a qualidade de sócia, por a haver adquirido a título oneroso, por contrato- promessa de cessão de quotas não cumprido. Contrato-promessa esse que serviu de base ao registo de aquisição da quota, feita por mero depósito. Modalidade de aquisição e registo invocados na petição inicial. E uma vez provado que tal não é. Tendo o registo sido cancelado. A consequência necessária será a absolvição da requerida, ora apelada, do pedido; 8. Não pode o julgador convocar, nem o poder-dever de gestão processual, nem o princípio da adequação formal para remediar processualmente a falta de prova de que a apelante é sócia, a título pessoal, por aquisição derivada, via transmissão onerosa efectuada pela mãe; 9. A decisão recorrida remediou a situação, invocando tal poder-dever de gestão processual, e o princípio da adequação formal em contravenção com o princípio da estabilidade da instância e o próprio princípio do dispositivo. Neste procedimento...
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