Acórdão nº 954/20.0T8CTB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelFELIZARDO PAIVA
Data da Resolução19 de Março de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Apelação 954/20.0T8CTB.C1 Relator: Felizardo Paiva.

Adjuntos: Jorge Loureiro.

Paula Roberto.

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra: I – E...

intentou a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra S...

, pedindo que se declare a ilicitude/irregularidade do despedimento, com as legais consequências.

Citada a ré e realizada, sem êxito, a audiência de partes, apresentou a entidade empregadora o seu articulado motivador onde, essencialmente, pugna pela licitude do despedimento, alegando a existência de fundamentos integradores da justa causa de resolução do contrato de trabalho, sustentando que a trabalhadora faltou injustificadamente ao serviço, tendo cometido (desde 04.05.2020 até 31.05.2020) 22 (vinte e duas) faltas seguidas, não justificadas, o que perturbou gravemente o normal funcionamento do serviço de fisioterapia da Unidade de Longa Duração onde a autora trabalhava – o que consubstancia uma violação do dever de comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade, previsto no artigo 128º, nº 1, b) do Código do Trabalho, o que atenta a sua gravidade e consequências torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

+ Na contestação a trabalhadora alegou que foi despedida de forma ilícita, negando ter faltado injustificadamente ao trabalho, defendendo que com o encerramento dos estabelecimentos de ensino (durante a pandemia e o estado de emergência decretado no país em Março de 2020) os pais tiveram de ficar em casa a prestar auxílio aos seus filhos podendo “lançar mão” do apoio social criado em 13/03/2020 pelo DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, com a alteração da Lei n.º 05/2020, de 10 de abril – o que a autora fez, justificando sempre as suas ausências ao trabalho.

Sustenta ainda que, em qualquer caso, a sanção de despedimento sempre seria desproporcional à gravidade da alegada infração e à sua culpabilidade, atento o seu passado disciplinar.

II – Findos os articulados não se realizou a audiência preliminar, identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas de prova tendo, a final, sido proferida sentença cujo dispositivo se transcreve: “…decido julgar procedente a presente acção e, consequentemente: 1. Declara-se ilícito o despedimento da Autora, nos termos do disposto no artigo 381º, al. b) do Código do Trabalho.

  1. Condena-se a Ré S... a pagar à autora E...: a) as retribuições que a autora deixou de auferir desde a data do despedimento antes da data da propositura da presente acção e até ao trânsito em julgado da sentença, somando as já vencidas 3.175,00€; b) as retribuições referentes a férias, subsídios de férias e subsídios de Natal que se forem vencendo em idêntico período; e c) a indemnização por antiguidade substitutiva da reintegração, em montante a fixar em liquidação de sentença, nos termos acima explanados; 3. Condeno ainda a ré a pagar à autora juros de mora, à taxa legal e anual de 4%, sobre todas as peticionadas quantias, a contar das datas do respectivo vencimento.

  2. Absolvo a ré do demais peticionado.

    ”.

    III – Inconformada veio a ré apelar, alegando e concluindo: ...

    Contra alegou a autora, concluindo: ...

    O Exmº PGA emitiu fundamentado parecer no sentido da total improcedência da apelação.

    IV – A 1ª instância considerou provados os seguintes factos: ...

    V - Conforme decorre das conclusões da alegação da recorrente que, como se sabe, delimitam o objeto do recurso, e bem assim que a recorrida ampliou o âmbito de recurso nos termos do artº 636º do CPC, as questões a decidir podem equacionar-se do seguinte modo: 1. Se a matéria de facto deve ser alterada.

  3. Se as faltas ao trabalho devem ser consideradas injustificadas[1].

  4. Se ocorreu justa causa de despedimento.

    Da alteração da matéria de facto: ...

    Decidindo: Como se sabe, a nota de culpa é a peça fundamental no procedimento disciplinar, na medida em que é ela que delimita a acusação relevante quer na fase intra-empresarial, quer mais tarde em sede judicial ao ser apreciada a licitude do despedimento.

    Daí que na apreciação judicial do despedimento o empregador apenas possa invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador, sendo que nesta não podem ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade (artigos 357º, nº 4 e 387º, nº 3, ambos do CT).

    Assim, sem prejuízo de na acção de impugnação o empregador poder alegar factos que sejam complementares ou explicativos dos imputados ao trabalhador na nota de culpa, na aferição sobre a existência de justa causa, a apreciar segundo os critérios definidos no nº 3 o artigo 351º do Cód. do Trabalho[2], só os factos imputados na nota de culpa servem para poder responsabilizar o trabalhador.

    Na nota de culpa, datada de 08.06.2020, foi imputado à ora recorrida o seguinte: “até hoje, a arguida não compareceu ao serviço, não justificou a sua ausência, tendo cometido desde 04.05.2020 até 31.05.2020 22 (vinte e duas) faltas seguidas, não justificadas, não se tendo ainda apresentado ao serviço nem após a abertura das Creches, em 18 de Maio ou da Escola em 1 de Junho”.

    Esta matéria foi dada por integralmente provada no ponto 23º da matéria de facto considerada provada.

    Não tendo havido qualquer aditamento à nota de culpa, não pode agora, pelas razões acima referidas, ser acrescentada à matéria de facto provada que autora cometeu mais 20 faltas seguidas, não justificadas, no mês de Junho até à sua apresentação ao serviço em 28.06.2020, na medida em que como é patente tal matéria agravará a responsabilidade disciplinar da trabalhadora.

    Como assim, improcede a impugnação factual, mantendo-se a decisão proferida sobre esta matéria em 1ª instância, sem prejuízo do que a seguir de dirá.

    Conforme consta da fundamentação da matéria facto o tribunal considerou injustificadas as faltas porquanto “ficou (…) convencido de que, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na nota de culpa, e no contexto da recente pandemia que assolou o nosso país, a autora deixou de comparecer ao trabalho apresentando como justificação o Modelo GF88-DGSS[3] (“Declaração do Trabalhador por Conta de Outrem destinada a ser apresentada à entidade empregadora para justificação de ausência ao trabalho por motivo de encerramento do estabelecimento de ensino ou equipamento social de apoio à primeira infância ou deficiência”) – justificação esta que a entidade empregadora devolveu à trabalhadora, por entender não se aplicar ao caso, o que fez notar à autora, que persistiu na sua conduta, conforme por esta admitido em sede de declarações de parte” Ou seja, as faltas foram consideradas injustificadas porque se entendeu que essas faltas não se encontravam justificadas à luz da legislação publicada a propósito da pandemia Covid 19.

    Enquanto a autora entende que da aplicação da referida legislação se justifica a sua ausência ao trabalho, já a ré entende o contrário; e daí ter considerado injustificadas as faltas.

    Está-se, assim, perante um caso em que a justificação ou a não justificação das faltas depende da interpretação que se fizer da legislação excepcional publicada no contexto da pandemia e a solução há-se ser encontrada em sede de integração ou enquadramento jurídico e não em sede de facto.

    Com isto queremos dizer que as expressões “não justificou a sua ausência” e “não justificadas” encerram em si juízos conclusivos, resolvendo, sem mais, uma das questões controvertidas.

    Como tal, tais expressões devem ser retiradas da redação ponto 23º.

    Com efeito, por imposição do artº 646º, nº 4, do anterior CPC tinham-se por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito ou, o que é o mesmo, conclusivas. O mesmo deve...

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