Acórdão nº 1882/19.8T8FIG-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Março de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE MANUEL LOUREIRO
Data da Resolução19 de Março de 2021
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Apelação 1882/19.8T8FIG-B.C1 Autor: J...

Ré: M..., Lda.

Indigitada interveniente: N..., SA Relator: Jorge Manuel Loureiro 1ª adjunta: Paula Maria Roberto 2º adjunto: Ramalho Pinto Acordam na 6ª secção social do Tribunal da Relação de Coimbra I – Relatório O autor propôs contra a ré a presente ação com a forma de processo comum e emergente de contrato de trabalho, tendo deduzido os pedidos seguidamente transcritos: “Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve a presente ação ser julgada totalmente procedente por provada e a Ré condenada: - a reconhecer que o montante que liquidava ao Autor constante dos recibos de retribuição como correspondendo a não respeitava verdadeiramente a qualquer transporte e/ou deslocação e, consequentemente, a reconhecer que o mesmo integrava a retribuição mensal devida ao Autor.

- a liquidar ao Autor o montante que a esse título não liquidou ao mesmo a partir de Março de 2011, e não liquidou na totalidade a partir de Setembro de 2012, e o montante correspondente à parte dos subsídios de férias e dos subsídios de natal correspondente a este valor, que desde 2000 até ao termo do contrato nunca foi liquidada, no total de €26.977,60; - a liquidar ao Autor os juros de mora vencidos sobre tais quantias, desde as respectivas datas de vencimento e que à presente data se calculam em €6.825.15; - a liquidar ao Autor a título de retribuição de trabalho suplementar, ao mesmo não liquidada desde o ano de 2002 até Março de 2012, e as diferenças verificadas entre tal retribuição do trabalho suplementar devida e paga a partir de Março de 2012 até ao termo do contrato, no valor global de €46.891.42; - a liquidar ao Autor os juros de mora vencidos sobre tais quantias, desde as respectivas datas de vencimento e que à presente data se calculam em €15.857,36; - a liquidar ao Autor a retribuição correspondente aos 17 dias de trabalho pelo mesmo prestados em Dezembro de 2018, e subsídio de alimentação correspondente, no valor total de €962,06 acrescida dos juros de mora vincendos no valor de €38,48; - os proporcionais de férias e de subsídio de férias devidos pelo tempo de trabalho prestado no ano da cessação do contrato no valor de €2.939,44 acrescido dos juros de mora vencidos no valor de €117,58; - e, por fim, a liquidar ao Autor os juros de mora vincendos sobre todas as quantias devidas, até efectivo e integral pagamento.

”.

Como fundamento da sua pretensão alegou, em resumo, que foi trabalhador subordinado da ré entre 1/4/2000 e 18/12/2018, sendo que dessa relação de trabalho resultaram para si os direitos de crédito enunciados na petição e correspondentes aos pedidos formulados, recusando-se a ré a satisfazer extrajudicialmente tais créditos.

Na contestação e na parte relevante para os efeitos em análise, a ré arguiu a sua ilegitimidade passiva, nos termos seguintes: ...

Respondeu o autor, na parte com relevo para presente decisão, nos termos seguidamente transcritos: ...

Com data de 4/3/2020 o tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho: “Compulsados os presentes autos verifica-se que a R. invoca, na sua contestação, que o A. passou a integrar os quadros da sociedade “N..., S.A.”, entendendo que essa sua integração se reporta ao início da sua admissão ao serviço da R., defendendo ser parte ilegítima e que o A. pretende “locupletar-se” à custa da R., dado que reclamou junto dessa primeira sociedade, nas instalações das quais sempre trabalhou, o pagamento das diferenças salariais, o que não conseguiu, pelo que deduziu agora esta ação contra a R..

Ora, entende-se que, face ao alegado pela R. a este respeito (e sendo certo que é o próprio A. que alega que sempre trabalhou nas “instalações fabris” da “S...”, agora “N...”) e à própria invocação da sua ilegitimidade passiva, seria necessário, para se poder apreciar quem era o efetivo empregador da R., quem será o responsável pelo pagamento das quantias peticionadas pelo A. e até as eventuais nulidades dos contratos celebrados pelas partes e por essa sociedade (que só poderão ser apreciadas com a intervenção dessa sociedade, até para esta acção produzir o seu efeito útil normal), determinar oficiosamente a intervenção principal provocada, do lado passivo, dessa primeira sociedade.

Todavia, essa sociedade integra o mesmo Grupo Empresarial da denominada “N... Company” (que é, no fundo, a “companhia-mãe” dessa sociedade e de várias outras empresas do mesmo Grupo, que subordinam sempre a sua atividade, essencialmente, a essa sociedade “principal”, que “encabeça” o respetivo grupo, havendo também uma coincidência, em geral, entre as respetivas administrações), para o qual foi agora nomeado como “CEO” (na terminologia inglesa, Chief Executive Officer) o Eng. ... (cfr. a notícia constante em https://eco.sapo.pt/2019/11/22/... – em que se refere que, segundo comunicado dessa sociedade, “Informamos que, em reunião do Conselho de Administração realizada hoje [sexta-feira], foi deliberado designar, com efeitos a partir do dia 1 de Janeiro de 2020, o administrador executivo Senhor Eng.º ... como Presidente da Comissão Executiva, sendo que, até essa data, o Presidente do Conselho de Administração Senhor Eng.º ... continuará a desempenhar essas funções”), pessoa que conheço há muitos anos (perto de vinte anos) e por quem tenho uma grande amizade e uma enorme consideração pessoal (e também profissional, sabendo bem que o mesmo trabalhava no Grupo N... e que aí teria até, mais recentemente, funções executivas, mas só agora tendo o mesmo passado a ser a face visível e pública e o representante “máximo” desse Grupo) e com quem mantive durante muitos anos uma regular e muito saudável convivência (que só se reduziu mais recentemente por o mesmo ter deixado de viver, com a sua família, na Figueira da Foz e ter passado a residir em Lisboa), até pelo facto de a minha mulher ter sido colega nos estudos universitários da sua mulher e ser uma das suas maiores amigas, tendo estado presente, de resto, no seu casamento, em ... (e tendo a sua mulher estado presente, por sua vez, no meu casamento) e tendo já estado e tomado refeições na sua residência na Figueira da Foz (e vice-versa).

Desta forma e tendo ponderado esta situação, entendo existir uma circunstância ponderosa para pedir a minha escusa para intervir no presente processo, nos termos do Art. 119º do Novo Código de Processo Civil, sempre aplicável subsidiariamente por força do disposto no Art. 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho, por se poder suspeitar da minha imparcialidade.

De facto, e em consciência, seria com um grande grau de incomodidade pessoal e profissional que teria de apreciar e decidir uma ação em que deveria agora determinar a intervenção principal de uma parte dirigida e representada por alguém com quem mantive, durante muitos anos, uma relação pessoal próxima e estreita e por quem ainda sinto uma grande amizade, estima e consideração.

Nestes tempos tão conturbados para o sistema de justiça (em que se considerou até, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de julho de 2019, consultado em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/aed428d882d576948025842e0032e6c5, que é exigível aos magistrados judiciais que ajam “com o dever de cuidado de que era capaz e que se lhe exigia, ou seja, de prever o perigo de a sua imparcialidade vir a ser questionada publicamente – dever de cuidado interno – e, consequentemente, agir, – dever de cuidado externo – por forma a procurar evitar tal resultado desvalioso”), impõe-se que a Justiça, tal como a mulher de César, não apenas seja imparcial e séria, mas também apareça como tal aos olhos de quem recorre a esta, o que, a meu ver e salvo melhor opinião, aconteceria se um julgador tivesse que decidir uma ação em que uma das (futuras) partes tem, no fundo, como seu dirigente máximo, um amigo pessoal (e não dos mais distantes) do julgador (que poderia até ter, eventualmente, de o ouvir na qualidade de legal representante das partes e valorar probatoriamente o seu depoimento) e da sua família, podendo sempre ficar ínsita a ideia na mente das pessoas que a decisão tomada, para o bem ou para o mal, teria algo a ver com essa relação prévia e a amizade, conhecimento pessoal e profissional e relacionamento existencial próximo que tenho e tive com o novo “CEO” do grupo empresarial da sociedade em causa, nas instalações da qual sempre terá trabalhado o A..

Se é verdade que o signatário sente que, mesmo assim e como sempre o faz no exercício das funções que lhe foram confiadas, tomaria uma decisão conscienciosa e devidamente fundamentada, considera também que será preferível, para preservar a imagem da justiça junto dos seus destinatários (imagine-se, por exemplo, o que sucederia se o signatário nada dissesse e não pedisse escusa e fosse depois do conhecimento público esta relação de amizade próxima, com a divulgação de fotografias do casamento do “CEO” do Grupo da futura interveniente principal com a presença de um juiz que decidiu processos de empresas desse mesmo Grupo), que seja outro magistrado a assegurar, doravante, a tramitação destes autos.

Assim, tendo obedecido o signatário ao imperativo ético-moral e de consciência que lhe impunha que divulgasse no processo esta situação e a submetesse à apreciação das instâncias devidas, deixa-se à consideração superior e mais distanciada da situação concreta do Presidente do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra a escusa que ora se suscita, nos termos do Art. 119º do Novo Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente por força do disposto no Art. 1º, n.º 2, al. a) do Código de Processo do Trabalho.

Notifique, extraia certidão de todo o processado e remeta-a, juntamente com certidão deste despacho, ao Tribunal da Relação de Coimbra, para apreciação, concluindo, logo após, ao Juiz Substituto do signatário (Art. 125º, n.º 1 do Novo Código de Processo Civil, aplicável por remissão expressa do Art. 119º, n.º 6 do mesmo diploma legal), ficando também...

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