Acórdão nº 3187/17.0T8CSC-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 16 de Março de 2021
Magistrado Responsável | LUÍS CRAVO |
Data da Resolução | 16 de Março de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] 1 – RELATÓRIO J...
, residente na ..., instaurou contra A...
, residente na ..., um incidente de incumprimento e alteração do exercício das responsabilidades parentais referente à Jovem P...
, pedindo: a) a audição da criança; b) a avaliação e acompanhamento psicológico à criança que, atualmente, se encontra em perigo; c) a alteração do atual regime de convívios, para um regime de residência exclusiva com o pai, em ..., com convívios supervisionados à mãe, que garanta uma maior qualidade de vida da criança; d) a condenação da Requerida em multa no valor mínimo de €2.500,00, a favor da criança, pelos danos não patrimoniais sofridos face à natural angústia e sofrimentos que todo este incumprimento da Requerida causou e causa à filha; e) a avaliação psicológica a ambos os pais, bem como avaliação das competências parentais e eventual distúrbio psicológico da progenitora, para possível alteração da residência da criança com o pai; f) sessões de terapia familiar; a apensação dos autos ao processo de Regulação das Responsabilidades Parentais que correu termos no Juízo de Família e Menores de Cascais – Juiz 1, sob o n.º ...
* Foi proferido despacho a remeter o presente apenso e autos principais de Regulação das Responsabilidades Parentais para o Juízo Local Cível da Guarda.
Recebido o processo, foi a requerida citada para responder.
A Requerida respondeu ao alegado no requerimento inicial, concordando apenas com a alteração da regulação das responsabilidades parentais (na parte do regime de convívio com o progenitor) e eventual audição da menor (não obstante considerar que não é para o interesse da criança lidar com os tribunais).
Marcada conferência de pais, não tendo sido possível a conciliação dos Progenitores, foi designada data para audição da Jovem P..., constando o seu auto de audição a fls. 64 dos autos.
Notificado para o efeito, o Requerente optou pelo incidente de incumprimento das responsabilidades parentais em detrimento do incidente de alteração da regulação das responsabilidades parentais, com a devida exposição de motivos na questão prévia de fls. 72v e 73.
Consequentemente, foi fixado o objeto do incidente e os factos que importavam aferir, tudo nos termos do despacho de 02.05.2019.
Notificados para alegarem, o Progenitor apresentou alegações a fls. 72 dos autos e a Progenitora manteve tudo quanto alegado na sua resposta inicial.
Admitida a prova (à excepção da realização de perícia psicológica aos progenitores e à menor requerida pelo Progenitor), foi marcada data para julgamento, o qual decorreu com respeito pelo legal formalismo, conforme da ata elaborada melhor consta.
Veio, na sequência, a ser proferida sentença, na qual após identificação em “Relatório”, das partes e do litígio, se alinharam os factos provados (e não provados), relativamente aos quais se apresentou a correspondente “Motivação”, após o que se considerou, em suma, que os factos apurados permitiam concluir que a Requerida havia alterado a residência da menor, de Loures para a Guarda, com a consequente alteração do estabelecimento de ensino que a Jovem frequentava, tudo sem o consentimento do Requerente, isto apesar de a fixação de residência ser indiscutivelmente uma questão de maior importância, sendo certo que a Requerida «sabia que ao mudar a residência permanente da menor sem autorização do pai violava e impedia, intensivamente, a execução do acordo que subscrevera quanto ao exercício das responsabilidades parentais da menor», donde tê-lo feito com plena consciência da ilicitude da sua conduta, e que a mesma causava danos ao Requerente e à menor, pelo que, por a Requerida ter violado, sem causa de justificação, o acordo de regulação das responsabilidades parentais, seria condenada em conformidade, a saber, em multa e na condenação em indemnização, previstas no artigo 41º, n.º 1, do RGPTC, ao que se procedeu, o que tudo melhor se traduziu no seguinte concreto “dispositivo”: «DISPOSITIVO Por todo o exposto, julga-se o presente incidente de incumprimento parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a Requerida A... no pagamento de uma multa que se fixa em 5UC (quinhentos e dez euros) e no pagamento de uma indemnização à Jovem P..., no valor de €1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros).
Custas por Requerente e Requerida, em partes iguais, fixando-se o valor da causa em €30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo).
» * É com esta decisão que a Requerida não se conforma e dela vem interpor recurso de apelação, de cujas alegações extraiu as seguintes conclusões: ...
* Por sua vez, apresentou o Requerente/recorrido as suas contra-alegações a fls. 149-152, das quais extraiu as seguintes conclusões: ...
* Também a Exma. Magistrada do MºPº apresentou contra-alegações, conforme melhor flui do P.E. sob a refª 1521736.
A Exma. Juíza a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida devidamente instruído, sendo que nesse mesmo despacho sustentou a não verificação das arguidas nulidades da sentença.
Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
2 – QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são: - rejeição do recurso por incumprimento dos ónus estabelecidos no art. 640º do n.C.P.Civil? (como questão prévia suscitada nas contra-alegações do Requerente/recorrido, relativamente ao recurso da Requerida); - nulidades da sentença [alíneas c), d) e e) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil]?; - nulidade por violação do princípio do contraditório [arts. 3º e 195º do n.C.P.Civil]?; - desacerto da decisão sobre a matéria de facto, quer por omissão [pugnando-se no sentido de que, em acréscimo à factualidade “provada”, devia ser dado como “provado” um conjunto de factos que elenca], quer quanto aos pontos de facto “provados” sob 3), 4), 5), 7), 9), 10), 11), 12), 14), 15), 16) e 17) [dados por “provados” incorretamente]?; - erro de decisão [ao dar-se procedência ao incidente de incumprimento]? 3 – QUESTÃO PRÉVIA Cumpre começar pela apreciação da invocada rejeição do recurso da Requerida por alegado incumprimento dos ónus estabelecidos no art. 640º do n.C.P.Civil.
Sustenta, em síntese, o Requerente/recorrido nas suas contra-alegações, que «No caso da impugnação da decisão da matéria de facto, tem de constar das “conclusões”, obrigatoriamente, a especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, bem como a da decisão que, no seu entender, sobre eles, deve ser proferida, por forma a circunscrever a reapreciação daquela.
Sucede, que a Recorrente não cumpriu no seu recurso estes dois requisitos, exigidos nas alíneas a) e c), do nº 1, do artº 640º do CPC, e não cumpriu também o requisito imposto, sob pena de rejeição do recurso, na al. a) do nº 2, nem cumpriu, finalmente, o requisito da al. b) desse mesmo número 2.».
Será assim? Salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão, nesta parte, ao Requerente/recorrido.
Em primeiro lugar porque, ao invés do aduzido, foram especificadamente indicados pela Requerida/recorrente os concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados, a saber, quer na parte em que alegou a omissão correspondente, quer na parte em que sustentou a indevida consignação dos mesmos nos elenco dos factos “provados” [como melhor resulta explicitado supra na delimitação do objeto do recurso], o que idem se diga quanto à indicação da decisão que sobre cada aspeto devia ser proferido, donde só se compreender verdadeiramente a alegação do contrário por parte do Requerente/recorrido quanto a este particular, por lapso ou deficiente compreensão das alegações recursivas.
Por outro lado, quanto à alegação respeitante ao último aspeto em causa – o dos requisitos atinentes à indicação das passagens da prova testemunhal gravada – importa ter presente que, in casu, a Requerida/recorrente indicou relativamente a todos e cada uma das testemunhas que invocou o concreto período/tempo da gravação áudio, no suporte técnico da audiência de julgamento, em que se encontravam gravados os segmentos tidos por relevantes, acrescendo que procedeu à transcrição dos excertos respetivos [sem embargo de reconhecer que as declarações transcritas «não são totalmente taxativas, mas traduzem no essencial o que foi dito»] que concretamente se baseava ou em que encontrava apoio para a sua impugnação.
Face a este conspecto, atentemos agora no melhor entendimento jurisprudencial sobre esta temática, a saber: «I. Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.
E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a...
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