Acórdão nº 275/19.1T8TCS-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 09 de Fevereiro de 2021
Magistrado Responsável | ANTÓNIO CARVALHO MARTINS |
Data da Resolução | 09 de Fevereiro de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I - A Causa: Nos presentes autos de execução especial para alimentos instaurados por M...
contra B...
, veio este deduzir oposição à penhora, pugnando pelo levantamento da penhora da licença e do veículo automóvel penhorados no âmbito dos mesmos.
Invoca, pois, que o alvará é absolutamente ou totalmente impenhorável nos termos da alínea a) do artigo 736.º do Código de Processo Civil, porquanto o mesmo é emitido pelos órgãos autárquicos e não consubstancia, antes direitos, não possuindo valor económica e ser proibida a sua alienação.
No que à viatura concerne, sustenta que a mesma é relativamente impenhorável, nos termos disposto no n.º 2 do artigo 737.º do Código de Processo Civil, por ser instrumento de trabalho e objeto indispensável à atividade do executado.
* Veio a Exequente deduzir oposição, sustentando, em suma, que o Executado não utiliza o veículo automóvel no exercício da atividade de “táxi”, porquanto se dedica ao transporte de Portugal para a Suíça e de Suíça para Portugal, utilizando outro veículo automóvel, não tendo ficado, assim e com a penhora, impedido de desenvolver a sua atividade.
Pugna, a final, pela improcedência da oposição à penhora.
Oportunamente foi proferida decisão onde se consagrou que «Ante o exposto e nos termos do artigo 737.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, julga-se procedente a oposição à penhora, determinando-se, consequentemente, o levantamento da penhora dos seguintes bens, que deverão ser restituídos ao Executado: alvará para o exercício da atividade de transporte em táxi n.º ...; veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula ..., marca MERCEDES-BENZ. modelo 906 AC 35, quadro nº ..., a gasóleo, de cor bege marfim.
Condena-se a Exequente no pagamento das custas processuais».
* M..., EXEQUENTE nos autos à margem referenciados, devidamente identificada, não se conformando com a sentença de fls... dos autos, veio dela interpor RECURSO DE APELAÇÃO, alegando e concluindo que: 1ª – O Tribunal a quo não deve determinar o levantamento da penhora sobre os bens em causa e a respectiva restituição ao executado/opoente, uma vez que não se tratam de instrumentos de trabalho do recorrido.
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- O Executado/recorrido não utiliza, no seu dia-a-dia, aquela viatura automóvel, nem o mencionado alvará emitido pelo Município de ...
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- O executado/recorrido procedeu à entrega das ‘chaves’ da aludida viatura automóvel e da licença de táxi na Secretaria Judicial deste Tribunal – como tentativa de ‘impressionar o Tribunal’ -, quando o deveria ter feito ao Sr. Agente de Execução.
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– O executado/recorrido fingiu que ficou impedido de exercer a sua actividade, de obter rendimentos e de não ter meios de subsistência, o que não corresponde à verdade.
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– A mencionada ‘Licença de Táxi’ emitida pelo Município de ... (Câmara Municipal) junta ao requerimento de oposição à penhora serve apenas ‘para dar legitimidade’ ao executado/opoente/recorrido para efectuar o transporte de passageiros e mercadorias para o estrangeiro (França e Suíça).
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– Como resultou provado nos autos, o executado/recorrido não faz qualquer serviço de táxi na localidade de ..., bem como no concelho de ...
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– O executado/recorrido dedica-se ao transporte de passageiros de Portugal para a Suíça e da Suíça para Portugal.
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- E, para o efeito, o executado/recorrido utiliza outro veículo automóvel, de marca Mercedes – Benz, matrícula ..., que se encontra registado em nome da sua actual companheira – M...
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- A viatura automóvel penhorada vulgarmente designada como táxi não é utilizada pelo executado/opoente para fazer o transporte de passageiros no concelho de ... e/ou nos concelhos limítrofes.
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– O Recorrido dedica-se ao transporte de pessoas de Portugal para a Suíça e vice-versa, saindo de Portugal ao início da semana e regressando à sexta-feira, da parte da tarde.
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– Pelo que deve ser mantida a penhora sobre a mencionada viatura automóvel, matrícula ..., bem como sobre o alvará Nº ..., uma vez que, na realidade, não se tratam de instrumentos de trabalho do executado/recorrido.
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- O executado/recorrido é devedor de alimentos e não lhe são conhecidos quaisquer outros bens susceptíveis de penhora, designadamente saldos bancários e/ou bens imóveis.
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- Assim, a douta decisão recorrida violou diversos preceitos legais, designadamente o disposto no artigo 735º do Código Civil.
Nestes termos e nos mais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se integralmente a douta decisão recorrida no sentido apontado nas conclusões atrás enunciadas, ou seja, determinando-se a manutenção da penhora sobre os referidos bens e o ulterior prosseguimentos dos autos de execução.
Legal e tempestivamente notificado para o efeito, B..., executado e agora recorrido, nos autos supra referidos e aí melhor identificado, veio apresentar as suas CONTRA-ALEGAÇÕES, por sua vez concluindo que: ...
9º - A decisão recorrida não violou nenhuns preceitos legais, designadamente o disposto no artigo 735º do Código Civil.
Nestes termos e melhores de Direito, não deve ser concedido provimento ao recurso, mantendo-se integralmente a Decisão recorrida no sentido apontado nas conclusões atrás enunciadas, ou seja, determinando-se o levantamento imediato da penhora sobre os referidos bens.
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Os Fundamentos: Colhidos os vistos legais, cumpre decidir: Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida: Com relevo para a decisão da causa ficou provado que: 1) Em 24.02.2020 foi penhorado, no âmbito dos presentes autos de execução (autos principais), o alvará para o exercício da atividade de transporte em táxi n.º ...
2) Em 07.02.2020 foi penhorado, no âmbito dos presentes autos de execução (autos principais) o veículo automóvel ligeiro de passageiros matrícula ..., marca MERCEDES-BENZ. modelo 906 AC 35, quadro nº ..., a gasóleo, de cor bege marfim.
3) O veículo automóvel aludido em 2) é destinado ao exercício da atividade de “táxi”: 4) O Executado B... exerce a atividade de taxista.
5) Para além da atividade referida em 4), o Executado dedica-se ao transporte de passageiros de Portugal para a Suíça e da Suíça para Portugal.
6) Para o exercício da atividade mencionada em 4) o Executado necessita de licença e alvará.
7) O Executado não dispõe de outro veículo para o exercício da atividade aludida em 4).
8) Em 24.03.2020 o Executado recebeu comunicação emitida pelo Município de ... a solicitar-lhe a entrega do alvará e licença de táxi, aludida em 1).
9) Com as penhoras aludidas em 1) e 2) o Executado ficou impedido de exercer a atividade aludida em 4).
Factos não provados Não resultaram provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:
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O Executado não utiliza o veículo referido em 2), nem o alvará identificado em 1), no seu “dia-a-dia”.
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O Executado não efetua qualquer serviço de “táxi” na localidade de ..., bem como no concelho de ...
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A viatura identificada em 4) não é utilizada pelo Executado para efetuar serviço de “táxi” no concelho de ... e nos concelhos limítrofes.
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Para realizar a atividade referida em 5), o Executado utiliza o veículo automóvel de marca “Mercedes-Benz”, matrícula ..., que se encontra registado em nome da companheira do Executado, M...
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Para realizar a atividade aludida em 5), o Executado sai de Portugal no início da semana e regressa à sexta-feira da parte da tarde.
A restante matéria alegada pelas partes e que não é acima valorada como provada ou não provada ou corresponde a matéria conclusiva, a apreciação sobre o aspeto jurídico ou não tem qualquer relevo para a decisão da causa.
Nos termos do art. 635º do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608° do mesmo Código.
Das conclusões, ressaltam as seguintes questões, na sua formulação originária de parte: I.
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– O Tribunal a quo não deve determinar o levantamento da penhora sobre os bens em causa e a respectiva restituição ao executado/opoente, uma vez que não se tratam de instrumentos de trabalho do recorrido.
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- A viatura automóvel penhorada vulgarmente designada como táxi não é utilizada pelo executado/opoente para fazer o transporte de passageiros no concelho de ... e/ou nos concelhos limítrofes.
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– O Recorrido dedica-se ao transporte de pessoas de Portugal para a Suíça e vice-versa, saindo de Portugal ao início da semana e regressando à sexta-feira, da parte da tarde.
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– Pelo que deve ser mantida a penhora sobre a mencionada viatura automóvel matrícula ..., bem como sobre o alvará Nº ..., uma vez que, na realidade, não se tratam de instrumentos de trabalho do executado/recorrido.
As questões em perfil reconduzem-se, no seu noema fundacional, à impugnação da matéria de facto, tornando obrigatório dizer - como em circunstâncias similares -, que o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido do interessado, impuser decisão diversa (art.662º, nº1, do NCPC).
Conferindo os elementos assinalados pela Recorrente, ouvindo os depoimentos referidos, adiante-se, desde já, que se entende não ocorrer erro de julgamento sobre os factos.
Lembre-se que a aplicação do regime processual em sede de modificação da decisão da matéria de facto conta, necessariamente, com a circunstância de que existem factores ligados aos depoimentos que, sendo passíveis de influir na formação da convicção, não passam nem para a gravação, nem para a respectiva transcrição.
É a imediação da prova que permite detectar diferenças entre os depoimentos, tornando possível perceber a sua maior ou menor credibilidade (Cf. Ac. RC de 04.04,2017, Proc. nº 4190/05.8TBLRA-A.C1, Relator: Fernando Monteiro).
Assinale-se, pois, pressuponentemente, e nesta dimensão, que a Recorrente, tão pouco, invoca depoimentos específicos, não fazendo, sequer, a sua indispensável análise crítica e plural dos mesmos, no conjunto da prova considerada, e...
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