Acórdão nº 45/18.4T9SAT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 08 de Setembro de 2021
Magistrado Responsável | OLGA MAUR |
Data da Resolução | 08 de Setembro de 2021 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra: RELATÓRIO 1.
JJ, assistente nos autos, apresentou queixa contra MP, imputando-lhe a prática de factos que enquadrou no crime de furto qualificado, dos art. 203º, nº 1, e 204º, nº 2, al. a), do Código Penal, por referência ao art. 202º, al. b), do mesmo código.
Por despacho de 4-3-2020 o Ministério Público procedeu ao arquivamento do inquérito.
O assistente requereu a realização de instrução, solicitando a inquirição de testemunhas não ouvidas em inquérito e a inquirição de uma outra já ouvida.
Foi deferido o pedido de realização de instrução e por despacho de 29-9-2020 foi indeferido o requerimento de prova.
O assistente reclamou da decisão de indeferimento, reclamação que foi indeferida.
A final foi proferida decisão de não pronúncia.
* 2.
O assistente recorreu da decisão instrutória, concluindo que: - nos crimes contra a propriedade o bem jurídico protegido é não a propriedade em sentido jurídico-formal, mas sim a relação de gozo com a coisa, o aproveitamento das utilidades da coisa por parte de quem tem legitimidade para as fruir; - a natureza alheia da coisa, enquanto elemento do crime de furto, não pressupõe a inexistência de uma relação jurídica entre o agente e a coisa mas apenas que o comportamento do agente ofenda o direito de outrem; - mesmo que o agente seja titular de direitos sobre a coisa, esta é considerada alheia, para efeitos de incriminação, sempre que ocorra uma ligação a pessoa diferente da que pratica a infracção; - integra a prática do crime de furto a apropriação de coisa comum por contitular da coisa e a apropriação da coisa ao usufrutuário por parte do titular da nua propriedade; - deve ser considerada coisa alheia, para estes efeitos, os bens sobre os quais exista usufruto; - as circunstâncias de tempo em que o comportamento teve lugar não se encontram apuradas, por ter sido indevidamente recusada a realização de diligências de prova requeridas; - a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que pronuncie a arguida; - para tanto o processo deve regressar à primeira instância para se realizarem as diligências instrutórias requeridas.
Por despacho de 5-1-2021 o recurso foi admitido, tendo o mandatário da arguida sido notificado da admissão por notificação enviada em 6-1-2021.
O Ministério Público respondeu ao recurso.
Alegou que o crime de furto exige a natureza alheia da coisa furtada, sendo que a qualificação como alheia da coisa pertence ao direito civil.
No caso, disse, o assistente possui o gozo das coisas, enquanto usufrutuário, mas estas pertencem à herança aberta por óbito do seu filho e da qual a arguida é herdeira, resultando que a situação descrita não tem protecção penal.
3.
(…) O Ministério Público respondeu ao recurso, defendendo o seu provimento.
(…) 5.
Dos autos resultam os seguintes elementos, relevantes à decisão: 1º - em 1-3-2018 o assistente apresentou queixa contra a arguida, imputando-lhe os seguintes factos: - é usufrutuário vitalício de diversos bens que integravam a herança aberta por óbito de JJ; - alguns dos bens móveis que integram a herança têm valor histórico e artístico incalculável, tendo sido inventariados, e alguns restaurados, pelo Museu Nacional de Arte Antiga; - da herança também faz parte um conjunto de prédios sitos em (…) e denominado “CI”; - na sequência do tratamento das obras referidas foi decidido criar na CI um núcleo museológico, para conservação e divulgação das mesmas, inaugurado em 2013; - algumas das peças foram colocadas no espaço arquivístico naquele ano de 2013; - a propriedade de raiz destes bens pertence à herança aberta por óbito do seu filho VM, falecido em Julho de 2016; - em 2010 outorgou procuração a favor do seu filho VM conferindo-lhe amplos poderes para que o representasse na administração dos bens objecto do usufruto, procuração que caducou com o seu falecimento; - era o filho que cuidava das obras, da sua segurança e manutenção e que tinha a chave do cadeado da porta do espaço de arquivo onde elas estavam; - o acesso ao espaço de arquivo exigia e exige uma chave, que estava em poder do filho, e um cartão magnético, em poder da entidade que explora a unidade hoteleira instalada na propriedade; - ao falecimento do filho sucederam, na qualidade de herdeiros, a viúva, aqui arguida, e dois filhos menores; - a arguida foi diversas vezes interpelada para devolver os objectos que estavam em poder do filho, e a chave do cadeado da porta onde os objectos estavam, mas ela sempre recusou fazê-lo; - em consequência deu instruções para a substituição do cadeado da referida porta; - em 8-9-2017, data da substituição, foi constatado que as obras não estavam no local e que havia sinais de arrombamento; - contactou a arguida, por escrito, e esta respondeu informando que as obras estavam em seu poder; - desconhece as...
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