Acórdão nº 3884/182T8PBL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Novembro de 2020
Magistrado Responsável | ALBERTO RUÇO |
Data da Resolução | 03 de Novembro de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
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Relatório a) O presente recurso incide sobre a sentença que conheceu dos pedidos formulados pela Autora, ora recorrida, a qual pretende, no confronto com os Réus, obter o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio que identifica na petição, bem como o reconhecimento da existência de três servidões, uma de passagem, outra de vistas e uma outra de arejamento e luz, constituídas todas elas por destinação de pai de família a favor desse seu prédio, as quais oneram o prédio adjacente dos Réus.
Pretende ainda que os Réus sejam condenados a reconhecer que não podem impedir o exercício destas servidões, devendo os mesmos ser compelidos a repor as servidões no estado em que se encontravam antes da intervenção deles Réus, nelas.
Em concreto, os pedidos formulados são estes:
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Serem os Réus condenados a reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre o prédio com o artigo matricial 6839 da freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 439 da mesma freguesia; b) Reconhecer-se judicialmente a existência de uma servidão de passagem (do portão com o número de polícia 12 do Largo do C (...) até ao contador de água ali existente e até às duas entradas do prédio da autora que dão para o corredor que se inicia nesse portão, bem assim como dessas entradas até ao referido portão), de vistas e de arejamento (no que toca à janela) e de luz (no que toca à parte da parede com tijolos de vidro), constituída por destinação de pai de família, onerando o prédio dos réus a que corresponde o artigo matricial 12857 da freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 13505 da mesma freguesia, a favor do prédio da autora com o artigo matricial 6839 da freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 439 da mesma freguesia; c) Condenar-se os réus a retirar os materiais que aplicaram a obstruir a porta e a janela que dão do prédio da autora para o mencionado corredor que, no prédio da ré, se inicia no portão a que corresponde o número de polícia 12 do Largo do C (...) e conduz ao logradouro interior deste prédio, recolocando tal porta e tal janela no estado em que se encontravam anteriormente (retratado nas fotografias aqui juntas como Docs. 27 e 28); d) Condenar-se os réus a absterem-se da prática de qualquer acto que obstrua ou dificulte a fruição, pela autora, das servidões referidas na alínea b) deste pedido, facultando a esta, desde logo, uma chave do portão a que corresponde o número de polícia 12 do Largo do C (...) .
Os Réus contestaram e deduziram reconvenção.
Pedem o reconhecimento do direito de propriedade da 1.ª Ré sobre o prédio alegadamente onerado com as servidões e a exigência de determinados comportamentos positivos e negativos por parte da Autora, consubstanciados nos seguintes pedidos:
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Reconhecer que a reconvinte M (…) é dona e legitima possuidora com exclusão de outrem do prédio urbano identificado no artigo 106.º da Reconvenção.
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Reconhecer que o prédio identificado artigo 106º da reconvenção é confinante com o prédio descrito no artigo 87º da contestação.
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Que os sócios-gerentes da A. não mais se introduzam no prédio pertencente à reconvinte ou de qualquer forma o invadam.
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Retirar da parede do prédio pertencente à reconvinte, identificado no artigo 106 º da Reconvenção o aparelho de ar condicionado bem como os contadores da água procedendo às diligências para tal necessárias.
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Manter encerradas a porta, a janela e a cancela mencionadas no artigo 30º da contestação.
No final foi proferida sentença com este dispositivo: «Julgo a presente acção totalmente procedente e, em consequência, 1.
Condeno os Réus M (…) e D (…) a reconhecerem que a Autora C (…), LDA., é proprietária do prédio com o artigo matricial 6839.º da freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 439 da mesma freguesia.
2.
Condeno os Réus M (…) e D (…) a reconhecerem a existência de uma servidão de passagem, do portão com o número de polícia 12 do Largo do C (...) até ao contador de água ali existente e até às duas entradas do prédio da Autora C (…), LDA., que dão para o corredor que se inicia nesse portão, bem assim como dessas entradas até ao referido portão, de vistas e de arejamento, no que toca à janela e de luz no que toca à parte da parede com tijolos de vidro, constituída por destinação de pai de família, onerando o prédio dos réus a que corresponde o artigo matricial 12857.º da freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 13505 da mesma freguesia, a favor do prédio da Autora C (…) LDA., com o artigo matricial 6839.º da freguesia de (...) , concelho de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o número 439 da mesma freguesia.
3.
Condeno os Réus M (…) e D (…) a retirar os materiais que aplicaram a obstruir a porta e a janela que dão do prédio da Autora C (…)LDA., para o mencionado corredor que, no prédio da 1.ª Ré M (…) se inicia no portão a que corresponde o número de polícia 12 do Largo do C (...) e conduz ao logradouro interior deste prédio, recolocando tal porta e tal janela no estado em que se encontravam anteriormente, tal como retratado nas fotografias juntas na P.I. como docs. 27 e 28.
4.
Condeno os Réus M (…) e D (…) a absterem-se da prática de qualquer acto que obstrua ou dificulte a fruição, pela Autora, das servidões referidas na alínea b) deste pedido, facultando a esta uma chave do portão a que corresponde o número de polícia 12 do Largo do C (...) , caso o mesmo permaneça fechado à chave.
Julgo a Reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, 5. Condeno a Autora C (…) LDA., a reconhecer que a 1.ª Ré/Reconvinte M (…) é dona e legitima possuidora com exclusão de outrem do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 12857.º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 13505 da freguesia de (...) .
6. Absolvo a Autora C (…) LDA., dos restantes pedidos.
7.
Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do decaimento, que desde já se fixa em 9/10 a cargo dos Réus e 1/10 a cargo da Autora.
8.
Registe e notifique».
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É desta decisão que vem interposto recurso por parte dos Réus, cujas conclusões são as seguintes: «(…) PELO EXPOSTO, deve a presente Decisão ser revogada por outra que reconheça que: 1- Não existe servidão de passagem, vistas, arejamento, luz por destinação de pai de família.
2- A servidão de passagem constituída por contrato celebrado em 1943 nunca foi utilizada pelos antepossuidores nem arrendatários do prédio.
3- Há mais de 20 anos que deixou de ser utilizada pelos arrendatários do prédio.
4- Extinguindo-se pelo não uso.
5- O prédio inscrito sob o artigo 6839 da freguesia de (...) , não é um prédio encravado.
6- Que não existe servidão de passagem, vistas, arejamento, luz constituído nem legalmente nem por usucapião respeitante à porta, janela, parede com tijolos de vidro e contadores.
7- Que devem ser mantidos os tapumes colocados pela 1ª apelante uma vez que tais aberturas não gozam de direito das servidões que se propunham adquirir.
Assim se fará a costumada e sã justiça».
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A Autora contra-alegou pronunciando-se no sentido da inadmissibilidade da junção da escritura de partilha do prédio a que se referem os autos e pugnou pela manutenção da sentença.
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Objeto do recurso.
De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, o que não ocorre neste caso, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.
Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes: 1 – A primeira questão a tratar respeita à impugnação da matéria de facto, a qual, não constando expressamente das conclusões, é certo, está claramente explicitada nas alegações e, por isso, se conhece da mesma, sendo os factos impugnados, no todo ou em parte, os seguintes: Provados: 5, 50, 52, 59, 61, 63, 64, 66, 67, 68, 70, 72, 93, 96 e 98 Relativamente aos não provados: al. d), al. g) al. m), al. o), al. p) al. q), al. s), al. t), al. v), al. y) e al. aa).
2 – Em segundo lugar, cumpre verificar, face à eventual alteração da matéria de facto, se se encontram constituídas as servidões.
3 – Em terceiro lugar, caso se conclua pela existência das servidões, coloca-se a questão de saber se elas se extinguiram por não uso.
4 – Em quarto lugar, se a questão ainda tiver interesse, cumpre verificar se as servidões não se encontrarem descritas de modo a serem identificadas em termos espaciais e, em caso afirmativo, se há consequências a retirar disso.
5 – Por fim, coloca-se a questão da litigância de má fé imputada pela Autora aos Réus a propósito da junção, na fase de recurso, da escritura pública de divisão do prédio primitivo.
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Impugnação da matéria de facto Antes de iniciar a apreciação cumpre deixar indicadas as ideias gerais que orientarão a decisão que será tomada nesta sede.
Em primeiro lugar, contrapondo-se duas versões acerca dos factos, que mutuamente se excluem, como é o caso dos autos, só uma delas pôde ter existido, pois a realidade física é só uma em cada momento histórico.
Deste modo, ou a Ré foi parte no contrato ou não foi parte; uma hipótese exclui a outra. Por ser assim, se o juiz declara um facto ou uma versão factual como provada, isso implica que a hipótese factual contrária não tenha existido e resulta, logicamente, não provada.
Em segundo lugar, todo o facto controvertido que integra uma das hipóteses factuais em disputa, caso tenha existido, é explicável...
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