Acórdão nº 3991/19.4T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 03 de Novembro de 2020

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução03 de Novembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. M (…), na qualidade de cabeça-de-casal da herança de M (…) instaurou a presente acção declarativa comum contra M (…) e A (…), pedindo que seja condenada a pagar-lhe os montantes de € 14 570,19 e € 6 256,61 a título de, respectivamente, valores das rendas por liquidar e indemnização pela mora (ao abrigo do disposto no art.º 1041º, n.º 1, do Código Civil/CC) e, ainda, os juros vincendos, à taxa de 4 %, sobre as aludidas quantias, desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em resumo: é cabeça-de-casal na herança por óbito dos pais, M (…9 e M (…); desde Abril de 1958 que a Ré ocupa e usufrui do prédio urbano melhor descrito no art.º 13º da petição inicial (p. i.), que integra a herança indivisa por óbito do referido M (…), mediante o pagamento de renda; em 2017, a renda, de € 27, foi actualizada para o montante de € 884,07 mensais, a pagar desde Fevereiro de 2018; a Ré/arrendatária limitou-se a pagar € 27 de renda mensal.

A Ré contestou, por excepção, invocando a ilegitimidade da A. (preterição de litisconsórcio necessário) e, por impugnação, alegando, nomeadamente, que a A. comunicou-lhe a transição do arrendamento para o NRAU e a actualização da renda paga pelo arrendamento do R/C e cave, do lado direito, e garagem, tudo, parte do mencionado prédio urbano, utilizando para o efeito, numa primeira carta, o valor patrimonial total do prédio de € 477 400 e, numa segunda missiva, sem qualquer suporte legal, um terço desse valor, em clara violação do disposto no art.º 30º, al. b), do NRAU, que lhe impunha, sob pena de ineficácia da comunicação, que indicasse à Ré o especifico valor do espaço a ela “locado”; só depois de inscrito discriminadamente na matriz, e espelhado na competente caderneta predial, o valor patrimonial individualizado desse espaço, poderia a Ré, após comunicação desse especifico valor, nos termos do citado art.º 30º, al. b), vir reclamar, se assim o entendesse, à luz do preceituado no art.º 31º, n.º 6, do NRAU, de qualquer incorreção de que o mesmo enfermasse; por falta de um essencial requisito legal (indicação do específico valor patrimonial do locado à Ré), a actualização da renda exigida através das comunicações da A., plasmada nas cartas juntas como docs. 6 e 8 à p. i., é totalmente destituída de efeitos legais. Concluiu pela sua absolvição da instância ou do pedido.

A A. respondeu concluindo pela improcedência da dita excepção, julgada improcedente em sede de audiência prévia.

Afirmada a inexistência de outras questões obstativas do conhecimento do mérito (art.º 595º n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil/CPC) e discriminados os factos provados (por acordo e documentos) e as normas jurídicas tidas por aplicáveis, observado o contraditório, a Mm.ª Juíza a quo julgou a acção improcedente, por não provada, absolvendo a Ré do pedido.

Inconformada, a A. interpôs a presente apelação, formulando as seguintes conclusões: 1ª - Pese embora se diga, a início da sentença, que “As normas convocáveis para a decisão da causa são os art.ºs 27º, 30º e 31º da Lei n.º 6/2006, de 27.02, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 79/2014, de 19-12”, verifica-se, depois, no enquadramento jurídico-legal e de Direito a que procedeu o Tribunal recorrido e que expressa ao longo da sua decisão, que aplicou, incorrectamente e com manifesto erro de julgamento, o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), na redacção que lhe foi dada pela (e até à) Lei n.º 31/2012, de 14.8.

  1. - Mais ressalta ainda o erro de julgamento (error iuris) no enquadramento legal incorrecto e na violação do Direito vigente, quando o Tribunal a quo cita dois acórdãos do STJ incidentes sobre procedimentos de actualização da renda anteriores às alterações introduzidas pela Lei n.º 79/2014, de 19.12, ao NRAU, e quando se chega mesmo a num desses acórdãos a se fazer menção ao facto de não serem ainda aplicáveis as alterações de relevo introduzidas por aquele diploma ao procedimento de actualização de renda que ali estava em causa, porque reportado a data anterior a 2013, sendo, por isso, necessariamente apenas considerado e ponderado o regime jurídico do arrendamento na redacção dada pela Lei n.º 31/2012, de 14.8.

  2. - A Ré desconsiderou que estavam já há muito em vigor as alterações ao art.º 31º do NRAU, nomeadamente, o estabelecido nos respectivos n.ºs 6 a 8, pela Lei n.º 79/2014, de 19.12, tanto que até invocou expressamente, na sua resposta à A., apenas a Lei n.º 6/2006, de 27.02, na redacção dada pela Lei n.º 31/2012, de 14.8.

  3. - Sucede que o procedimento de actualização de renda em apreço decorreu em finais de 2017, pelo que estando há muito em vigor as alterações de relevo - determinantes para a apreciação e a decisão da causa - introduzidas ao art.º 31º do NRAU pela Lei n.º 79/2014, de 19.12, e sem prejuízo até da sua imediata aplicação, aquando da entrada em vigor do diploma, a procedimentos já então pendentes, nos termos concretamente previstos no respectivo art.º 6º.

  4. - À semelhança do que feito pela Ré, o próprio Tribunal a quo desconsiderou por inteiro aquelas que eram as normas vigentes e aplicáveis ao procedimento de actualização de renda em apreço, como se não estivesse então em vigor o estabelecido, em segunda alteração ao NRAU, pela Lei n.º 79/2014, de 19.12.

  5. - A A. deu escrupuloso cumprimento aos requisitos legais previstos nas alíneas b) e c) do art.º 30º da Lei n.º 6/2006, de 27.02, alterada pela Lei n.º 31/2012, de 14.8, e pela Lei n.º 79/2014, de 19.12, tendo mesmo sido dado por provado que comunicou o valor do imóvel como avaliado pela Autoridade Tributária nos termos do art.º 38º do CIMI, juntando logo com a primeira comunicação datada de 07.9.2017 a caderneta predial urbana, que até teve o cuidado de novamente remeter à Ré com a carta de 31.10.2017.

  6. - Em devidas atenção e aplicação da Lei n.º 6/2006, de 27.02, na redacção dada pela Lei n.º 79/2014, de 19.12, cabia à arrendatária reclamar, no prazo para resposta previsto no art.º 31º, n.º 1, do NRAU, junto do Serviço de Finanças competente de qualquer incorrecção na inscrição matricial do locado nos termos do art.º 130º do CIMI, daí podendo decorrer avaliação diversa da constante da caderneta predial em função de uma também diversa inscrição matricial do imóvel ao abrigo e nos termos do art.º 38º do mesmo diploma legal, mas sem que tal reclamação suspendesse (ou suspenda) a actualização da renda, como determinado no n.º 7 daquele mesmo art.º 31º do NRAU, sempre continuando a ser eficaz a comunicação efectuada pelo senhorio ao abrigo do art.º 30º do mesmo diploma.

  7. - E, mesmo que tivesse a Ré apresentado reclamação como previsto no 31º, n.º 6, do NRAU, aplicável ao caso concreto, pela incorrecção na inscrição matricial que veio alegar apenas junto da A. e já em sede do procedimento de actualização de renda, sempre teria que se verificar o pressuposto - de necessária redução - para haver lugar a direito de recuperação de algum valor, face à renda actualizada e que a Ré deveria ter pago desde Fevereiro de 2018, no valor de € 884,07, nos termos previstos nos n.ºs 7 e 8 daquele mesmo preceito legal.

  8. - Tendo o Legislador estabelecido que cabia ao arrendatário reclamar de eventual incorrecção matricial e inerente avaliação fiscal logo aquando da sua resposta ao senhorio ao abrigo do art.º 31º do NRAU, e que essa reclamação não suspendia a actualização da renda por referência à avaliação patrimonial conforme à inscrição matricial do imóvel locado (como constante da caderneta predial), assegurou-se também que, a haver incorrecção nesta inscrição matricial que venha a importar outra avaliação pelas Finanças e um eventual valor patrimonial tributário inferior (inclusivamente, nos termos e para os efeitos do disposto do art.º 35º, n.º 2, alíneas a) e b), do NRAU), ficasse garantida a consideração desse valor nos termos expressamente consignados nos n.ºs 7 e 8 do NRAU, na redacção aplicável.

  9. - O Tribunal a quo não procedeu a correcto enquadramento jurídico-legal dos factos, incorrendo em erro de julgamento na própria determinação das normas e do Direito efectivamente aplicáveis ao caso (error iuris), e violando directamente a lei substantiva.

  10. - O erro de julgamento, tal como a não conformidade do entendido e decidido na sentença com o direito substantivo não se incluem nas nulidades da sentença (art.º 615º do CPC), sendo antes susceptíveis de ser banidas, mediante interposição de recurso, com a revogação da sentença que padece daqueles vícios de relevo maior.

A Ré respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

Importa, assim, apreciar se a A. procedeu a uma válida/eficaz actualização da renda, pressuposto da procedência da acção.

* II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: a) A A. é cabeça-de-casal por óbito de seu pai, M (…)falecido em 21.02.1964, no estado de casado, sob o regime de comunhão geral de bens, com M (…).

  1. A A. é cabeça-de-casal por óbito desta, ocorrido em 13.7.1988.

  2. Não foi feita partilha dos bens integrantes da herança pelos óbitos.

  3. Os herdeiros A (…9 e M (…)vieram a falecer em 27.10.2010 e 03.10.2014, respectivamente.

  4. M (…), um dos sucessíveis por óbito de seu pai e herdeiro A (…)faleceu em 12.8.2015.

  5. Integra a herança indivisa por óbito de M (…), de que é herdeira e cabeça-de-casal a A., o prédio em propriedade total, destinado à habitação, sito na Rua (…) (...) , inscrito na matriz predial urbana sob o art.º...

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