Acórdão nº 160/20.4T8FIG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 15 de Julho de 2020
Magistrado Responsável | VÍTOR AMARAL |
Data da Resolução | 15 de Julho de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
*** Recurso próprio, nada obstando ao seu conhecimento.
*** Ao abrigo do disposto no art.º 656.º do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([1]), segue decisão sumária, face à simplicidade da questão a decidir.
*** I – Relatório E (…) e R (…), ambos com os sinais dos autos, intentaram a presente ação declarativa de reconhecimento de união de facto, com processo comum, contra o Estado Português, representado pelo Ministério Público (doravante, M.º P.º), pedindo que fosse judicialmente reconhecido que a A. manifestou a sua vontade em ser portuguesa e, bem assim, que os AA. vivem em união de facto há mais de três anos, nos termos do art.º 14.º, n.ºs 2 e 4, do DLei n.º 237-A/2006, de 14-12, tendo em vista possibilitar à A. a aquisição da nacionalidade portuguesa.
Embora na epígrafe da petição inicial fosse referido o Juízo de Família e Menores da Figueira da Foz, a ação veio a ser distribuída ao Juízo Local Cível da Figueira da Foz, J-1.
O M.º P.º, em representação do Estado Português, uma vez citado, contestou ([2]), defendendo-se por exceção e impugnação e concluindo assim: «Termos em que deve:
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Ser considerada procedente a excepção da incompetência absoluta em razão da matéria do Juízo Local Cível da Figueira da Foz, ora suscitada na presente peça processual, para tramitação e conhecimento desta acção, determinando-se a remessa dos autos para o Juízo de Família e Menores da Figueira da Foz.
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Ser decidida, a final, a causa de acordo com o respectivo mérito e a prova que venha a produzir-se em sede de audiência de discussão e julgamento.».
Os AA., por sua vez, vieram seguidamente requerer que fosse determinada a remessa dos autos ao Juízo de Família e Menores da Figueira da Foz, por já terem alegado ser o competente.
Ordenada, por isso, a remessa dos autos, foram os mesmos distribuídos ao Juízo de Família e Menores da Figueira da Foz, J-2, após o que foi aberta vista ao M.º P.º, que, por sua vez, concluiu assim: «Termos em que, atendendo a que nem o art.º 122.° da LOSJ nem o Código de Processo Civil, atribuem competência ao tribunal de Família para conhecer da presente ação, antes resultando o contrário do art.º 3.º, n.º 3, da Lei n.º 37/81, de 03.10, na redação atual, a competência para conhecer da presente ação será dos tribunais cíveis.
Em consequência do que antecede, atento o disposto nos artigos 96.°, al a), 99.°, n.º l, e 590.°, todos do CPC, importa excecionar a incompetência em razão da matéria deste Juízo e de Família e Menores para conhecer desta ação e, consequentemente, indeferir liminarmente a petição, com custas pela autora.
Importa ainda ter em consideração que no Juízo Cível não houve qualquer decisão, antes se tendo limitado a remeter a ação, pelo que não há conflito de competência.» (cfr. promoção de 12/03/2020, com destaques retirados).
Na sequência, por decisão datada de 13/03/2020, foi assim julgado: «(…) declaro a incompetência absoluta em razão da matéria deste Juízo de Família e Menores da Figueira da Foz e abstenho-me de conhecer do mérito da causa, indeferindo liminarmente a petição inicial, ao abrigo dos arts. 96.º, al. a), 97.º, 99.º, n.º 1, 576.º, n.º 2, 577.º a), 578.º e 278.º, n.º 1, a), do Cód. Proc. Civil.».
Inconformados, recorrem os AA. do decidido, apresentando alegação e formulando as seguintes Conclusões: «1.O que se pretende com a presente ação é o reconhecimento judicial da união de facto entre os Apelantes, conforme exigência da Lei da Nacionalidade – Lei n.º 37/81, de 03 de outubro (atualizada por último pela Lei Orgânica n.º 2/2018, de 05 de julho) –, concretamente do artigo 3.º, n.º 3.
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Destarte, o reconhecimento judicial de uma união de facto não é, nos termos legalmente determinados, da competência de nenhum dos tribunais de competência territorial alargada (cf., neste exato sentido, artigos 111.º; 112.º; 113.º, 114.º; 116.º; 120.º, n.º 1, da LOSJ).
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Com efeito, o reconhecimento judicial de uma união de facto, está incluído na competência interna dos tribunais de comarca.
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O critério da competência em razão da matéria, releva, não só para determinar que os tribunais de comarca são, aqui, competentes, como também para determinar qual o juízo competente (cf., artigo 81.º da LOSJ). Os juízos são, assim, materialmente competentes para a apreciação de determinadas causas, nos termos pré-determinados pelo legislador.
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Ora, o artigo 122.º, n.º 1, alínea g), da LOSJ, prevê que os juízos de família e menores são competentes para preparar e julgar “[outras] ações relativas ao estado civil das pessoas e família.’’.
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Na verdade, o legislador determinou a competência material dos juízos de família e menores para o conhecimento e apreciação de ações relativas a uniões de facto, designadamente ao reconhecimento judicial das mesmas.
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Efetivamente, a união de facto é, na verdade, uma relação familiar (pelo menos em sentido amplo), estando intimamente ligada ao estado civil das pessoas e família.
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Por conseguinte, havendo juízos cuja competência especializada é, precisamente, matéria de Direito da Família e dos Menores – estando aqui em causa o reconhecimento judicial de uma união de facto –, evidente se torna que o legislador não tenha excluído, da alínea g), do n.º 1, do artigo 122.º, a união de facto. É indubitável que a união de facto diz respeito ao estado civil das pessoas.
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Desta forma, mal esteve o Mm. Juiz do Tribunal a quo, quando indeferiu liminarmente a P.I. Não só os juízos de família e menores são abstratamente competentes para o conhecimento e apreciação deste tipo de ações – reconhecimento judicial da união de facto – como os efetivamente competentes; 10.Entendemos que a união de facto se inclui no âmbito objetivo do conceito de “estado civil das pessoas e da família’’, do artigo 122.º, n.º 1, alínea g, da LOSJ.
Deste modo, esta não é uma matéria da competência (residual) do juízo local cível da Figueira da Foz, do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra (cfr., artigo 130.º, da LOSJ).
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Pelo exposto, deve o presente Recurso ser considerado procedente. Em consequência, deve...
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