Acórdão nº 610/20.0T8CBR-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Junho de 2020

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução23 de Junho de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. A (…) instaurou, no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra/Juízo de Família e Menores de Coimbra, contra o Estado Português, a presente acção declarativa comum para reconhecimento judicial da situação de união de facto, nos termos e para os fins dos art.ºs 3º, alínea a), e 4º da Lei n.º 7/2001, de 11.5.

Alegou, nomeadamente, a convivência com a companheira indicada nos autos, em situação análoga à dos cônjuges, durante período superior a três anos, bem como a existência de determinado acervo patrimonial e de casa de morada da família.

Conhecendo da questão da incompetência material do Tribunal, a Exma. Juíza a quo proferiu o seguinte despacho (de 12.02.2020): «(…) verifico que através da presente acção o A. pretende o reconhecimento da união de facto e funda o seu pedido nos artigos 2º-A, , al. a) e 4º da Lei n.º 7/2001, de 11.5 e 130º, n.ºs 1 e 2 al. f), da Lei n.º 62/2013, de 26.8./ Ora nitidamente este tribunal é materialmente incompetente para a presente acção:/ (…) A incompetência em função da matéria decorre da propositura num tribunal de uma acção que, de acordo com o princípio da especialização, está reservada a uma espécie ou categoria diferente de Tribunal./ (…) Na parte que aqui interessa, de acordo com o artigo 122º, n.º 1, al. b) da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 40/2016, de 22/12, os juízos de Família e Menores têm competência para os processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum./ Ou seja, analisando os art.ºs 122º a 124º da mencionado Lei de Organização do Sistema Judiciário, vemos que a competência dos juízos de Família e Menores relativamente a situações de união de facto cinge-se a processos de jurisdição voluntária./ O legislador não atribuiu competência material aos juízos de Família e Menores para uma acção, como a presente, de simples apreciação positiva - de reconhecimento da união de facto do A.!/ Na verdade, perante a causa de pedir e o pedido formulado pelo A., nitidamente não estamos perante um processo de jurisdição voluntária, previsto nos art.ºs 986º e ss do CPC.

/ Assim, este tribunal é materialmente incompetente para os seus ulteriores termos, devendo o processo correr na instância local com competência cível: o artigo 130º da Lei de Organização do Sistema Judiciário determina que os juízos locais cíveis, locais criminais e de competência genérica possuem competência na respetiva área territorial … quando as causas não sejam atribuídas a outros juízos ou tribunal de competência territorial alargada./ Por todo o exposto, ao abrigo dos art.ºs 96º, 97º e 99º, n.º 1 do CPC, declaro a incompetência deste Tribunal em razão da matéria, determinando, consequentemente, o indeferimento liminar da petição inicial.» Inconformado, o A. apelou formulando as conclusões que assim vão sintetizadas:[1] 1ª - Ao abrigo do disposto no art.º 1º, n.º 2, da Lei n.º 7/2001, de 11.5 - “a união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos” - o legislador reconhece a união de facto como uma verdadeira relação familiar, “pessoal”, contendente com o estado civil das pessoas e família.

  1. - Segundo o disposto nos art.ºs 111º a 116º, da LOSJ, a competência para o reconhecimento judicial de uma união de facto não pertence aos tribunais de competência territorial alargada - ao abrigo do art.º 80º, da LOSJ, o reconhecimento judicial de uma união de facto encontra-se no âmbito da competência dos tribunais de comarca.

  2. - Considerando o disposto no art.º 81º, da LOSJ, o critério da competência em razão da matéria releva não só para determinar que os tribunais de comarca são os aqui competentes, mas também para determinar qual o juízo competente.

  3. - A cláusula geral sobre «outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família» como resulta da actual alínea g), do n.º 1, do art.º 122º da LOSJ, constitui um segmento normativo que foi introduzido pela Lei n.º 52/2008, de 28/02 [LOFTJ], através do seu art.º 114º, al. h).

  4. - O assento n.º 1/92, DR, n.º 134, de 11.6.1996, entende as acções sobre o estado das pessoas como aquelas cuja procedência se projecta sobre o estado civil de alguém - divórcio, separação de pessoas e bens, investigação de paternidade, impugnação de legitimidade, interdição, impugnação de impedimentos para o casamento, autorização para o casamento.

  5. - O termo estado civil usa-se num conceito restrito e num conceito mais lato: a) assim na acepção do conceito mais restrito abrange a posição da pessoa face ao matrimónio (solteiro, casado, divorciado, separado, viúvo) e está usado nomeadamente nos art.ºs 7º, n.ºs 1 e 2; 69º, al. n), 220º-A, 126º, n.º 1 als. a) e b), 132º, n.º 2 e 136º, n.º 2 al. a), do Código de Registo Civil; b) já o conceito mais amplo abrange os factos sujeitos a registo e está usado no art.º 211º do mesmo Cód. de Registo.

  6. - A leitura mais consistente do segmento normativo em causa ao referir-se a «outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família» reporta-se às condições ou qualidades pessoais que têm como fonte as relações jurídicas familiares, incluindo as resultantes das uniões de facto (cf. art.º 1576º do CC, Lei n.º 23/2010, de 30.8 e as alterações legislativas daí decorrentes, com destaque para a Lei n.º 7/2001, de 11.5), de modo a individualizar/concretizar a situação jurídica pessoal familiar, tendo em atenção a natureza complexa e multinível que actualmente tem a família.

  7. - Com «ações relativas ao estado civil das pessoas», o legislador utilizou essa expressão, na sua acepção mais restrita, atendendo ao seu significado na linguagem corrente e apenas para se reportar a situações em que esteja em...

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