Acórdão nº 8990/17.8T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Junho de 2020
Magistrado Responsável | ANA VIEIRA |
Data da Resolução | 23 de Junho de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I- RELATÓRIO T (…), Ldª,veio instaurar contra M (…), a presente acção declarativa comum pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 3.374,37, acrescida dos juros de mora, à taxa comercial, desde a citação até integral pagamento.
Alega, para tanto, que, no dia 7 de Maio de 2002, celebrou com a ré um contrato de fornecimento de café e demais produtos da autora, em regime de exclusividade, mediante a entrega antecipada de um desconto global, atentas as obrigações a que a ré se obrigou.
O contrato foi celebrado pelo prazo de 7 anos, tendo a autora entregue à ré o valor de € 2.743,39, acrescido de IVA, correspondente a uma máquina de café, um moinho e um conjunto de esplanada. Por força desse contrato, a ré obrigou-se a adquirir à autora, em regime de exclusividade, café e seus sucedâneos da marca “Tenco”, designadamente a adquirir a quantidade mínima de 215 Kg por ano, no período total da vigência do contrato, para consumos do estabelecimento comercial.
Como contrapartida das obrigações assumidas pela ré, de adquirir a quantidade anual de 215 kg de café, em regime de exclusividade, a autora concedeu-lhe um desconto de € 2.743,39, através de uma máquina de café, um moinho e um conjunto de esplanada, bens que são propriedade da autora, constituindo garantia de cumprimento e que seriam transferidos para a ré com a verificação do cumprimento contratual.
Ficou ainda convencionado pelas partes que, no caso de a ré não cumprir com o estipulado e comercializar produtos da concorrência poderia a autora denunciar o contrato, levando à restituição por parte da ré do valor dos bens entregues em depósito.
Sucede que a ré nem sempre tem vindo a cumprir com a compra de 215 kg de café e não manteve a exclusividade da compra de produtos da autora.
Com efeito, até ao momento, a ré apenas adquiriu 1141 kg de café e a dada altura deixou de adquirir café à autora.
Do contrato celebrado entre as partes consta que o não cumprimento por parte da ré na aquisição da quantidade de café contratada, bem como a violação da exclusividade, seria causa da resolução do contrato.
Ficou ainda acordado entre as partes que a resolução do contrato por motivo imputável à ré conferia à autora o direito de exigir a restituição do valor dos bens, correspondente à quantia de € 2.743,39, acrescida de IVA.
A autora interpelou várias vezes a ré para proceder ao cumprimento das suas obrigações, sendo que, em 23 de Maio de 2010, a ré foi interpelada do não cumprimento referente à aquisição mínima de café, bem como da prorrogação contratual até aquisição efectiva da quantidade acordada pelas partes.
No dia 27 de Fevereiro de 2014, a ré veio alegar a falta de assistência técnica, porquanto a máquina de café teria uma deficiência na reposição da água, nada referindo em relação ao incumprimento contratual.
Mais refere que o contrato foi resolvido peticionando o valor acima referido.
* A ré contestou, confirmando a celebração do contrato junto com a petição inicial, bem como a entrega por parte da ré dos bens identificados, aos quais foi fixado o valor referido pela autora, confirmando, também, o prazo de duração do contrato, referindo que o mesmo teve o seu termo em 7 de Maio de 2009.
Acrescentou que a quantidade de 215 kg/ano foi fixada unilateralmente pela autora, não tendo a ré negociado tal cláusula do contrato, pelo que a autora actua excedendo os limites da boa fé, abusando do direito.
Por outro lado, a ré desconhece a quantidade de café que adquiriu à autora, não tendo violado o pacto de exclusividade.
Para além disso, algum tempo depois de o contrato ter cessado os efeitos, a partir de meados de 2009, a máquina começou a apresentar diversas avarias, sendo que a sua reparação orça em € 456,00.
Por diversas vezes, a ré tentou junto dos vendedores da autora que lhe fosse colocada uma máquina nova e um toldo novo, de modo a que o contrato fosse renovado ou que lhe reparassem a máquina.
Alega, ainda, a ré que se a autora pretendia que o contrato fosse renovado deveria ter sido estipulada uma cláusula que contemplasse tal pretensão, devendo também a autora entregar à ré outros bens iguais aos que tinha entregue com o contrato inicial, o que não aconteceu.
Quanto ao pacto de exclusividade, a ré nunca o violou, só deixando de adquirir café à autora quando as anomalias referidas não foram reparadas nem os equipamentos substituídos.
Durante a vigência do contrato, nunca a ré foi interpelada pela autora pelo facto de não estar a cumprir com a aquisição das quantidades de café acordadas, assim como pelo facto de estar a violar o pacto de exclusividade.
Todos os factos alegados pela autora para justificar o pagamento da indemnização dizem respeito a um período de tempo em que o contrato já não está em vigor.
Por fim, a ré deduz reconvenção, pedindo que a autora seja condenada a reconhecer o seu direito de propriedade sobre os bens identificados no artigo 7º da petição inicial, por efeitos do estipulado no artigo 8º do contrato celebrado entre as partes, bem como a pagar-lhe, a título de indemnização, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 500,00 e a ver reduzida a cláusula penal por si peticionada à medida do incumprimento da ré, caso se considere o mesmo provado.
Para o efeito, alega que os bens que lhe foram entregues pela autora ficaram a pertencer-lhe, por força do disposto na cláusula 8ª do contrato. Acresce que a autora não substituiu, nem reparou os equipamentos avariados, o que implicou que a ré fosse obrigada a desperdiçar café, situações que criaram na autora estados de intranquilidade e mau estar, o que constitui violação aos seus direitos de personalidade.
* * Foi proferido despacho saneador e de fixação dos temas da prova no qual foi admitido o pedido reconvencional.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância das formalidades legais, conforme consta dos autos.
Na sentença recorrida foi decidido:« …Pelo exposto: Julgo a acção totalmente procedente, condenando a ré a pagar à autora a quantia de € 3.374,37 (três mil trezentos e setenta e quatro euros e trinta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa comercial, desde a citação até integral pagamento; Julgo a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo a reconvinda do pedido.
Custas pela ré (cfr. artº. 527º do Código de Processo Civil)…»(sic).
* Inconformada com tal decisão, veio a ré interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir de imediato, nos autos e com efeito meramente devolutivo.
A ré com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: (…) A autora respondeu às alegações da recorrente e apresentou contra-alegações nas quais alegaram as seguintes conclusões: (…) * Após os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.
*** II- DO MÉRITO DO RECURSO 1. Definição do objecto do recurso O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo á estrutura das conclusões das alegações apresentadas pela apelante, resulta que em resumo a recorrente indica os seguintes pontos a analisar:: A- Impugnação da matéria de facto.
B- (Im)procedência do pedido (ausência de resolução contratual).
C- Redução da clausula penal *** III- FUNDAMENTOS DE FACTO Visando analisar o objecto do recurso, cumpre enunciar os factos provados e não provados pelo tribunal a quo, tendo-se, no entanto, em conta que essa enunciação terá uma natureza provisória, visto que o recurso versa sobre a matéria de facto pugnando pela sua alteração.
Nesse contexto, cumpre referir que a sentença recorrida consignou a seguinte matéria de facto (factos provados e não provados):« ..
Considerando o objecto do litígio e os temas de prova, estão provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa: 1. A autora é uma sociedade comercial que se dedica, de forma habitual e com escopo lucrativo, à produção, comercialização e distribuição de café e seus sucedâneos, sendo titular da marca “TENCO”; 2. A ré dedica-se com fim lucrativo ao serviço de restauração e bar, no qual revende produtos da autora; 3. No dia 7 de Maio de 2002, a autora e a ré celebraram contrato de fornecimento de café e demais produtos da autora, a que chamaram “depósito”, em regime de exclusividade, mediante a entrega, antecipadamente, de um desconto global atentas as obrigações a que a ré se obrigou cumulativamente; 4. O referido contrato foi celebrado pelo período de 7 anos, iniciando-se a sua produção de efeitos na data da sua celebração, tendo a autora entregue à ré o valor de € 2.743,39, acrescido de IVA à taxa em vigor, correspondente a uma máquina de café Guilieta, um moinho e um conjunto de esplanada; 5. Por força desse contrato, a ré obrigou-se a adquirir à autora, em regime de exclusividade, café e seus sucedâneos da marca “TENCO” e a adquirir a quantidade mínima de 215 kg por ano, no período total da vigência do contrato, para consumos do estabelecimento comercial; 6. Como contrapartida das obrigações assumidas pela ré, de adquirir a quantidade anual de 215 kg de café, em regime de exclusividade, a autora concedeu-lhe um desconto global de € 2.743,39, através dos seguintes bens: - 1 máquina de café II grupos Guilieta; - 1 moinho normal; - 1 conjunto de esplanada: 7. Bens que são propriedade da autora, constituindo garantia de cumprimento e que, nos termos acordados, seria transferida para a ré com a verificação do cumprimento contratual; 8. Ficou ainda convencionado pelas partes que no caso de a ré não cumprir com o estipulado contratualmente e comercializar produtos da concorrência poderia a autora denunciar o contrato, levando à restituição por parte da ré...
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