Acórdão nº 5287/17.7T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 20 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução20 de Outubro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

* Sumário: A qualificação jurídica não interfere com a identidade da causa de pedir, pelo que se o substrato factual for o mesmo em ambas as ações, que se sucedem no tempo, não basta para escapar ao efeito negativo do caso julgado – artigo 621.º do Código de Processo Civil –, formado na primeira ação, a alegação de um fundamento jurídico distinto daquele que foi invocado anteriormente, no caso, a invocação de enriquecimento sem causa em vez dos contratos de mútuo anteriormente alegados.

* Recorrente ………………..

M (…) Recorrida……………………M (…) * I. Relatório

  1. O presente recurso vem interposto pelo Autor e respeita ao despacho saneador que absolveu a Ré do pedido, absolvição esta que se fundou no facto de ter sido julgada procedente a exceção de caso julgado formado na ação n.º 1753/15.7T8VIS, que correu termos no Juízo Central Cível de Viseu, entre as mesmas partes.

    Naquela ação n.º 1753/15.7 T8VIS o Autor alegou diversos mútuos celebrados entre si e a Ré e muito embora não tenha resultado provado que as quantias tenham sido mutuadas pelo Autor à Ré, ficou demostrada nessa ação a existência de transferências/depósitos, desde janeiro de 2001 até 2010, de dinheiros do Autor para contas de que o Autor e a Ré eram cotitulares.

    Nessa ação não se provou qualquer causa justificativa para os depósitos que a Ré utilizou em seu proveito, pelo que se verifica um empobrecimento do Autor à custa dum enriquecimento da Ré, que é ilícito, razão pela qual na presente ação deve a Ré ser condenada no pedido (€117.658,30 acrescida dos juros de mora vencidos desde a citação para a primitiva ação que ocorreu em 25/03/2015, na quantia de €12.339,62, bem como os que se vencerem até efetivo e integral pagamento), com fundamento distinto, que é agora o enriquecimento sem causa.

    O Autor argumentou que não existia caso julgado porquanto na presente ação a causa de pedir é distinta.

    A Ré sustenta o oposto, referindo que na ação anterior o Autor invocou o enriquecimento sem causa a título subsidiário, pretensão (do enriquecimento sem causa) que foi recusada no despacho saneador daquela ação.

    Em todo o caso, ficou demostrado naquela ação que não houve enriquecimento porquanto Autor e Ré utilizavam as contas misturando rendimentos e encargos, pelo que voltando a julgar-se a mesma questão violar-se-ia a decisão já tomada na anterior ação.

    Sobre a questão o tribunal, como já se disse, proferiu a seguinte decisão: «Termos em que se decide julgar procedente a exceção de caso julgado e em consequência absolve-se a Ré da instância – art-ºs 577º i), 578º, 580º, 581º e 576º nº 2 do CPC» b) É desta decisão que vem interposto recurso por parte do Autor, cujas conclusões são as seguintes: «…C) Em ambas ações há coincidência quanto aos sujeitos, mas já não se verifica identidade quanto às causas de pedir e quanto aos pedidos; D) Em ambas ações, os pedidos porque derivam de causas de pedir diferentes, são natural e consequentemente diferentes; E) Embora haja alguma coincidência quanto a alguns factos alegados, as pretensões deduzidas em ambas ações são diferentes, bem assim como o fundamento jurídico de cada uma das ações; F) Na ação que correu termos sob o n.º 1753/15.7T8VIS, a causa de pedir consistia na celebração entre as partes de contratos de mútuo, na qual se discutiu o pedido de condenação da Ré, na devolução da quantia de 122.668,30€, resultante do somatório de diversas quantias emprestadas/mutuadas pelo Autor à Ré; G) Na presente ação a causa de pedir é o enriquecimento sem causa da Ré baseado nessas mesmas entregas de dinheiro feitas pelo Autor àquela sem causa e que se mostra inquestionável terem existido tal até como foi concluído na ação que correu termos sob o nº 1753/15.7T8VIS; H) Dos pontos nºs 7º, 8º, 9º e 10º da matéria dada como assente na sentença proferida no proc. nº 1753/15.7T8VIS, já transitada em julgado e confirmada por Acórdão da Relação de Coimbra de 17/10/2017, resulta que o Autor fez com regularidade depósitos na identificada conta nos montantes apurados e aqui peticionados; I) Na presente ação, em sede de pedido formulado, o Autor peticionou a condenação da Ré na devolução de tais quantias a título de enriquecimento sem causa, uma vez que a mesma as não devolveu nem demonstrou intenção de o fazer; J) Embora se tenha pedido a condenação da Ré na devolução das quantias referidas na ação que correu termos sob o n.º 1753/15.7T8VIS, o pedido, a pretensão formulada em cada uma das ações é distinta – na primeira, a causa de pedir era celebração entre as partes de contratos de mútuo – a segunda, o enriquecimento sem causa, com a inerente restituição das quantias recebidas e que engrossaram, sem causa, o património da Ré; K) Ou seja, se a primeira ação é uma ação de simples cumprimento de um contrato, relativamente ao pedido formulado, na presente ação parte-se precisamente da circunstância de que apesar de não ter resultado provado que tais depósitos na conta bancária supra identificada tenham sido efetuados a título de empréstimo, resultou reconhecido em 1.ª instância e confirmado pelo Tribunal da Relação de Coimbra que manteve a sentença proferida, que o Autor fez depósitos na identificada conta nos apurados montantes, com regularidade, pretendendo o autor ser compensado pelas quantias pagas e não devolvidas pela Ré, tendo a Ré ficado enriquecida à custa de um correlativo empobrecimento do Autor; L) Importa referir que no proc. N.º 1753/15.7T8VIS, o Autor em resposta à contestação apresentada pela Ré – atenta a negação pela mesma dos empréstimos realizados por aquele – peticionou a restituição das quantias elencadas na petição inicial a titulo de enriquecimento sem causa, pedido que lhe veio a ser indeferido no despacho de saneador proferido por considerar o Tribunal a quo inadmissível a alteração/ampliação da causa de pedir, formulada, por ter havido oposição de alteração do pedido e causa de pedir da Ré; M) Apesar de termos alguns factos coincidentes, estamos perante causas de pedir complexas, nas quais o Recorrente fundamenta o seu pedido em distintos fundamentos jurídicos, sendo que nesta ação alegou factos tendentes a demonstrar que as quantias que o Recorrente depositou na conta da Ré importou uma mais-valia para o património desta, enriquecendo-a; N) Não existe coincidência entre os pedidos e as causas de pedir, pelo que, não se tem por verificada a (não invocada) exceção de caso julgado; O) Daquela tríade de conceitos (identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir), é apenas patente que existe identidade de sujeitos em ambas as ações. Fora isso, e salvo o devido respeito por outra opinião, é para nós claro que os pedidos de ambas as ações são diferentes e assentam em causas de pedir igualmente distintas; P) A questão fundamental levantada nas duas ações é diferente, como diferente é o efeito jurídico que em ambas as ações se pretende obter e tutelar e bem assim como o concreto facto jurídico em que assentam as pretensões para as quais se pede a tutela jurisdicional; Q) Não vislumbramos onde é que a decisão a proferir nesta ação pode colidir com a decisão proferida no processo 1753/15.7T8VIS e confirmada por Acórdão da Relação de Coimbra de 17/10/2017 (ou então que possa haver duplicação/repetição de decisões) se a questão que nela foi submetida a apreciação e decisão, no que concerne ao pedido aqui em causa, nunca foi objeto de pronunciamento (expresso ou mesmo implícito) na sentença proferida no processo 1753/15.7T8VIS; R) Em momento algum a sentença proferida no proc. nº 1753/15.7T8VIS e confirmada por Acórdão da Relação de Coimbra de 17/10/2017 se debruçou sob o instituto do enriquecimento sem causa, nem porventura o poderia fazer por extravasar o petitório, o objeto do litígio e os temas da prova em discussão nesses autos; S) É errado afirmar - como fez o Tribunal a quo - que as decisões proferidas de 1ª e 2ª instância não se limitaram, na fundamentação, a referir que os depósitos feitos pelo Autor não constituíam mútuos, pois tais decisões limitaram-se a apreciar e a concluir não estarem demonstrados os alegados empréstimos do Autor à Ré mas referindo expressamente e por diversas vezes na sua fundamentação que, ressalta à evidência a existência dos depósitos, por parte do Autor, para uma conta solidária de Autor e Ré, com a consequente movimentação a poder ser efetuada por um ou outro ou por ambos; T) Neste sentido, o thema decidendum da presente lide não é coincidente com o thema decidendum dos autos 1753/15.7T8VIS e as causas de pedir de uma e outra acção, são por demais diferentes, pelo que, em nenhum momento com os presentes se pretende contornar a imodificabilidade da decisão proferida sob o nº 1753/15.7T8VIS através de ação agora interposta com base no instituto do enriquecimento sem causa, porque este instituto nunca foi alvo de pronunciamento; U) É nosso entendimento que, nenhum dos pressupostos...

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