Acórdão nº 616/20.9T8ACB.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 06 de Outubro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO AREIAS
Data da Resolução06 de Outubro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO V... e M... vieram, ao abrigo do disposto no artigo 222.º-A do CIRE, intentar o presente processo especial para acordo de pagamento (PEAP).

Admitido liminarmente o requerimento e nomeado Administrador Judicial Provisório, por este foi junta aos autos a lista provisória de créditos prevista no art. 222.º-D, ns. 2 e 3, aplicável por força do art. 17º-I, nº 3, ambos do CIRE.

Apresentado acordo de pagamentos, e submetido a votação, recolheu o voto favorável de credores cujos créditos representam 52,9% da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto.

Pelo juiz a quo foi proferido o Despacho, de que agora se recorre, a reconhecer que o mesmo se mostra aprovado pela maioria legalmente necessária, homologando o acordo de pagamentos respeitante aos devedores.

Inconformado com tal decisão, o credor garantido C..., S.A., dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula[1]: ...

Os Requerentes/Devedores apresentaram contra-alegações no sentido da improcedência do recurso, alegando não ter o credor Apelante apresentado requerimento de não homologação do plano, que tal credor não alega factos concretos demonstrativos de que a situação dele ao abrigo do plano é mais desfavorável do que a que interviria na ausência de plano, sendo que, não tendo a lista de créditos sido objeto de qualquer impugnação, transitou em julgado.

Também o Ministério Publico apresentou contra-alegações, alegando, em síntese, que o credor Apelante não requereu, no prazo legalmente previsto, a não homologação do plano, tendo-se limitado a apresentar um “voto contra – não homologação do plano”, sem qualquer fundamentação, não existindo motivo para a não homologação oficiosa do plano, concluindo pela improcedência do recurso.

Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr. artigos 635º e 639º do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes: 1.

Se o plano deveria ter sido oficiosamente recusado: a. Pelo facto de os insolventes se encontrarem em estado de insolvência; b. Existência de concertação entre os três dos credores que votaram favoravelmente; c. Nulidade do voto do credor R..., Lda., por falta de legitimidade.

d. Por violação do princípio da igualdade ínsito no artigo 194º, nº1 CIRE; e. Por colocar o credor Apelante em situação menos favorável do que a em que se encontraria na ausência do plano.

III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Na apreciação das diversas questões suscitadas na presente apelação, teremos por relevantes os seguintes factos que emergem dos elementos constantes dos autos: 1. Por requerimento enviado a 09 de março de 2020, V... e M... vieram manifestar a sua vontade de encetar negociações conducentes à sua revitalização por meio da aprovação de um plano de recuperação, requerimento igualmente subscrito pelo credor T..., Lda.; 2. Apresentada lista provisória de créditos pelo Administrador Judicial provisório nomeado, a mesma não foi objeto de qualquer impugnação.

  1. Apresentado acordo de pagamentos e submetido a votação, foi votado por credores cujos créditos representam 97,17% da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, recolhendo o voto favorável de 52,9% da totalidade dos votos emitidos, e de credores cujos créditos representam 52,9% da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto.

  2. O acordo de pagamento apresentado apenas obteve o voto favorável de três credores, ...

  3. Os demais 9 credores votantes votaram contra, sendo que apenas o credor D... acompanhou a sua declaração de voto com a alegação dos motivos pelos quais votava contra, alegando que os devedores não apresentam carência económica que justifique um perdão de 90% dos créditos comuns reclamados, que o período de carência de 24 meses é demasiado longo, e que a proposta de pagamento em 27 prestações anuais implica que os credores comuns, no qual se inclui, apenas veriam o seu crédito integralmente ressarcido daqui a quase 30 anos.

  4. O credor C..., S.A., tem créditos reconhecidos num total de 484.161,37 €, todos com garantia real sobre imóvel relacionado nos autos; 7. Na Relação provisória “retificada” apresentada nos autos, consta ainda como reconhecido um crédito comum `a C..., no valor de 3.500,00 €, respeitante a “todas as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de advogados e solicitadores que a C... haja de fazer para garantia e cobrança do seu crédito”.

  5. Da lista provisória de créditos apresentada, constam como reconhecidos créditos no montante global de 1.379.575,39 €.

  6. O Plano de pagamento aprovado apresenta o seguinte teor: Autoridade tributária – pagamento imediato no prazo de 30 dias após aprovação do acordo; Credor garantido – C..., S.A. – pagamento da totalidade do capital reclamado, acrescido de 10% do valor dos juros reclamados em 328 prestações mensais de 1.200,00 € Credores comuns – perdão de 90% dos créditos reclamados e período de carência para inicio dos pagamentos de 24 meses após o trânsito da homologação do acordo. Pagamentos em 27 prestações anuais fixas de 972,00 €.

  7. No Requerimento inicial os devedores alegam auferir, o V... um salário bruto de 2.096,65 € como farmacêutico hospitalar (um salário líquido de 938,69 €), e a M... um salário bruto de 635,00 € (um salário líquido de 600 €), trabalhando em exclusivo como sócia-gerente na Parafarmácia pertencente à sociedade M...; 9. No Plano Especial para Acordo de Pagamento apresentado nos autos e submetido a votação, fez-se constar que os devedores têm despesas mensais fixas no valor de 1.980 €, auferindo o devedor um salário líquido de 940 €, mais um resultado médio mensal de 924 € provenientes da Parafarmácia, e a devedora o salário líquido mensal de 635 € e um resultado médio mensal no valor de 762 € provenientes do Centro Médico (num total de 3.261 €)* 1. Recusa do plano motivada pelo estado de insolvência dos devedores.

    O tribunal a quo veio a proferir despacho de homologação do plano aprovado pelos credores, nos seguintes termos, que aqui se reproduzem: “ (…) Contabilizados os votos apresentados por escrito pelos credores e remetidos ao Sr. Administrador Judicial provisório e seguindo a lista provisória de credores apresentada, verifica-se que foram expressos votos representativos de 96,17 % dos créditos reconhecidos com direito de voto.

    O acordo recolheu o voto favorável de credores cujos créditos representam 52,9% da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto.

    Conclui-se, pois, que o plano apresentado tem-se por aprovado, nos termos do disposto no artigo 222.ºF, n.º3, al. b), do CIRE.

    ***Como tal, cumpre concluir que se encontra aprovado o acordo de pagamento dos devedores V... e M...

    Considera-se inexistir fundamento para recusar oficiosamente a homologação do plano, conforme previsto no art. 215.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas aplicável ex vi artigo 222.º-F, n.º 5 do mesmo diploma. Nenhum dos credores, ou qualquer outra das pessoas legitimadas para o efeito, solicitou a recusa de homologação do plano com os fundamentos previstos no art. 216.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplicável ex vi artigo 222.º-F, n.º 5 do mesmo diploma.

    DECISÃO Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 222.º-F, n.º 5, 215.º e 216.º, todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, homologo o acordo de pagamento dos devedores V... e M...” Insurge-se o credor/Apelante C..., S.A., – único credor com garantia real sobre bens dos devedores – contra a decisão de homologação do plano, começando por alegar que o mesmo deveria ter sido oficiosamente não homologado atendendo à situação de insolvência dos devedores, situação que podia ter verificado quando admitiu liminarmente o PEAP, ou, posteriormente, em sede de homologação do plano apresentado e aprovado (conclusões A) a AA), das alegações de recurso).

    Aceita-se que o juiz pode indeferir liminarmente o requerimento inicial de apresentação a um PEAP, quando, pela documentação inicialmente junta pelo devedor, dê conta da inexistência de qualquer uma das situações fundamentantes de tal processo, por falta de algum pressuposto processual insuprível, em especial da falta de algum dos documentos mencionados nos artigos 222º-C, nº3 e 24º, do CIRE, assim como, proferido o despacho inicial de seguimento, deverá recusar oficiosamente a homologação do acordo que tenha sido alcançado, por “violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo” (art. 215º, ex vi, art. 222º-F, nº5, CIRE[2].

    A questão que aqui se coloca é a de saber se, quer no despacho liminar de recebimento do PEAP, quer no despacho de homologação do plano aprovado, pode/deve o juiz rejeitar liminarmente o procedimento ou recusar a homologação do plano com fundamento na situação de insolvência atual do devedor e, nomeadamente, se o pode fazer oficiosamente.

    O processo especial para acordo de pagamento destina-se a permitir que ao devedor que, não sendo uma empresa e se encontre “em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente”, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento.

    E se o legislador esclareceu o que entende por “situação económica difícil” – encontra-se em tal situação o devedor que “enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito” (artigo 222º-A do CIRE) –, não adiantou qualquer definição do que seja “insolvência meramente iminente” ausência que a doutrina e a jurisprudência...

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