Acórdão nº 1558/19.6T8CBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 21 de Janeiro de 2020
Magistrado Responsável | ANA VIEIRA |
Data da Resolução | 21 de Janeiro de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I- RELATÓRIO O autor S (…), instaurou a presente ação especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, contra sua mulher C (…), pedindo que seja decretado o divórcio e dissolvido o casamento entre ambos, com fundamento na alínea d) do art.º 1781.º do CC.
Foi realizada a tentativa de conciliação a que alude o art.º 931.º do CPC no âmbito da qual não foi possível conciliar os cônjuges por terem ambos o propósito de se divorciarem, não tendo sido acordada a convolação do divórcio em mútuo consentimento por o autor e ré não se entenderem quanto á pensão de alimentos entre cônjuges.
A ré contestou a acção e deduziu reconvenção e formulou pedido de fixação de regime provisório quanto á utilização da casa de morada de família e formulou pedido de pensão de alimentos, tendo formulado o pedido de ser fixado regime provisório quanto ao destino da casa de morada de família, cujo gozo temporário, na pendencia da acção de divorcio até á partilha deverá caber á ré, e que o autor fosse condenado a pagar á ré a titulo de alimentos provisórios devidos a conjugue ou ex-cônjuge uma pensão mensal de 325,00 Euros.
O autor contestou o incidente peticionando em resumo que fosse atribuída á ré o uso da casa de morada de família mediante o pagamento da quantia mensal de 200,00 euros a titulo de compensação pelo uso até á partilha e que fosse absolvido o autor do pagamento da pensão de alimentos por a ré não se encontrar carecida dos mesmos e porque os progenitores da ré lhe prestam esses alimentos e porque o autor não tem disponibilidade para os prestar.
Instruído o processo e inquiridas a as testemunhas arroladas pelas partes, foi proferida a decisão recorrida em cujo dispositivo se consignou: «… VI. DISPOSITIVO 1) Face ao exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, julgo improcedente o incidente de fixação provisória de alimentos a cônjuge durante a pendência da ação de divórcio deduzido pela ré (aqui requerente) e, consequentemente, absolvo o requerido do pedido.
As custas deste incidente são pela ré, aqui requerente, face ao decaimento (artigos 527.º, nos 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Valor do incidente: € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), nos termos dos artigos 303.º, n.º 1, e 307.º do Código de Processo Civil.
* 2) Face ao exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, julgo parcialmente procedente o incidente de atribuição provisória da casa de morada de família deduzido pela ré (aqui requerente) e a). Atribuo provisoriamente à ré (aqui requerente) e até à partilha o direito à utilização da casa de morada de família, sita (…); b) Como contrapartida desta utilização, competirá à ré (aqui requerente) pagar a totalidade das despesas inerentes à casa, durante o período em que a esteja a utilizar em exclusivo (sem utilização conjunta com o autor, aqui requerido), seja o pagamento da amortização do crédito bancário (se existir), seja o pagamento dos impostos devidos, designadamente IMI, seguros e demais despesas, designadamente de consumos domésticos.
As custas deste incidente são pela ré, aqui requerente, face ao decaimento e atendendo a que é quem dele tira proveito, sem que o requerido se tenha oposto à atribuição da utilização da casa de morada de família pela requerente (artigos 527.º, nos 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Valor do incidente: € 30.000,01 (trinta mil euros e um cêntimo), nos termos dos artigos 303.º, n.º 1, e 307.º do Código de Processo Civil. *Registe, notifique e deposite.». (SIC).
Nos autos foi determinada a analise conjunta dos incidentes de fixação provisória de alimentos a cônjuge durante a pendência da ação de divórcio deduzido pela ré e de atribuição provisória da casa de morada de família deduzido pela ré, individualizando-os a final.
Nos autos após a sentença recorrida (fls 114 e ss a 8-10-2019) foi proferida sentença (fls 139 e ss a 23-10-2019) a qual julgou a acção procedente e a reconvenção procedente e consequentemente decretou a dissolução por divórcio do casamento celebrado entre autor e ré, a qual não foi impugnada por recurso.
Nos autos apenas foi objecto de recurso a sentença de 8-10-2019 que decidiu os incidentes da fixação provisória de alimentos e atribuição da casa de morada de família.
* Inconformado com tal decisão, veio a ré interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir de imediato, nos autos e com efeito meramente devolutivo.
A ré com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes conclusões: (…) Não foram apresentadas contra-alegações.
* Foi proferido despacho de admissão do recurso nos seguintes termos:« Recurso interposto pela requerente dos incidentes de fixação provisória de alimentos e de atribuição provisória da casa de morada de família Sentença de 8 de outubro de 2019 * Por tempestivo, admito o recurso interposto, que é de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (artigos 644.º, n.º 1, al. a), 645.º, n.º 1, al. a), e 647.º, n.º 1, do Código de Processo Civil). * * Após os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.
*** II- DO MÉRITO DO RECURSO 1. Definição do objecto do recurso O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil[1].
Porque assim, atendendo á estrutura das conclusões das alegações apresentadas pela apelante, resulta que em resumo a recorrente indica os seguintes pontos a analisar: A- Impugnação da matéria de facto e nulidade nos termos do artigo 615 alínea c) do CPC.
B- Se assiste o direito de alimentos provisórios á requerente.
C- Dever de pagar contrapartida pelo uso da casa de morada de família.
Em resumo das alegações de recurso resulta que o objecto do mesmo está balizado na sentença que decidiu o incidente de fixação provisória de alimentos a cônjuge durante a pendencia da acção de divórcio deduzido pela ré e incidente de atribuição provisória da casa de morada de família deduzido pela ré.
*** III- FUNDAMENTOS DE FACTO Visando analisar o objecto do recurso, cumpre enunciar os factos provados e não provados pelo tribunal a quo, tendo-se, no entanto, em conta que essa enunciação terá uma natureza provisória, visto que o recurso versa sobre a matéria de facto pugnando pela sua alteração.
Nesse contexto, cumpre referir que a sentença recorrida consignou a seguinte matéria de facto:« …Dos elementos trazidos aos autos, consideram-se provados os seguintes factos, com interesse para a presente decisão: 1. Requerente e requerido casaram a 3 de janeiro de 1998, sem convenção antenupcial, tendo, à data do casamento, a requerente 20 anos e o requerido 21 anos.
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Requerente e requerido não partilham mesa, leito e teto desde outubro de 2018, tendo sido o requerido quem saiu de casa para ir viver com uma companheira.
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Em 2013 foi diagnosticada à requerente doença oncológica tendo sido, na sequência de cirurgia e tratamento, fixada uma incapacidade de 80%.
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A requerente padece de surdez profunda bilateral.
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A requerente vive na casa de morada de família (Rua (…) ) juntamente com as filhas.
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Requerente e requerido suportam, cada um, mensalmente, € 94,36, a título de empréstimo para habitação da casa de morada de família, € 69,53 a título de empréstimo para abras na casa de morada de família, € 15,23 relativos aos seguros de vida associados a tais empréstimos e €12 com o seguro da habitação.
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A requerente paga os consumos de água, eletricidade e gás da casa de morada de família e as suas despesas mensais, na ordem dos € 325, com dinheiro que lhe é entregue pelo seu pai.
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O requerido aufere rendimentos brutos anuais de cerca de € 23.000.
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O requerido paga € 150 mensais de alimentos a cada uma das duas filhas do casal.
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O requerido comprou um motociclo de alta cilindrada.
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A requerente realizava e realiza trabalhos domésticos na casa dos seus pais, tratando, cuidando e fazendo tarefas de auxiliar de geriatria.
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A requerente inscreveu-se no centro de emprego a 18 de abril de 2019.
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A requerente foi sujeita a cirurgia para corrigir a surdez.
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A requerente aufere uma compensação por parte do seu pai como contrapartida do auxílio que lhe presta, de valor que ronda os € 500.
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Para aquisição do veículo motorizado o requerido paga uma prestação mensal de € 253,56.
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O requerido celebrou um contrato de arrendamento, no qual figura na qualidade de inquilino juntamente com C (...) , nos termos do qual se comprometeu a pagar € 200 de renda mensal e € 70 mensais a título de despesas de água e luz.
Provou-se ainda o seguinte (artigo 986.º, n.º 2, do Código de Processo Civil): 17. Da herança aberta por óbito da mãe da requerente fazem parte bens imóveis, compostos, designadamente, por casa e anexos e um pinhal com mais de 2.000 m2 e bens móveis, designadamente cerca de € 20.000 em dinheiro.
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Para além da requerente e do pai foi também indicado como herdeiro da mãe um irmão da requerente.
* III.2. Factos não provados *
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O requerido saiu voluntariamente da casa de morada de família.
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Enquanto a saúde lhe permitiu a requerente trabalhou por conta de outrem, em lides domésticas, e nas terras do casal.
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A requerente encontra-se involuntariamente desempregada, na sequência da sua condição oncológica e surdez, e não aufere qualquer rendimento.
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o autor não despende qualquer quantia com a habitação pois reside habitualmente em casa dos pais da companheira.
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o requerido foi forçado a sair de casa por os seus bens pessoais terem sido deslocados para a garagem e ter sido restringido o seu acesso a algumas divisões da casa.
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A requerente constituiu em março de 2019 uma poupança na CCAM no valor de € 690,42.
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A requerente retira rentabilidade de um terreno de 150 pés de...
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