Acórdão nº 1205/18.3T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Janeiro de 2020

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução14 de Janeiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório a) O presente recurso vem interposto da decisão que condenou os réus a pagarem solidariamente aos autores parte dos prejuízos que estes alegaram terem sofrido em consequência de um incêndio que deflagrou na sua casa de habitação, a qual, à data, estava a ser intervencionada pela ré F (…), Lda., no âmbito de um contrato de empreitada, incêndio esse cuja responsabilidade os autores imputaram aos trabalhadores da referida ré.

    E responsabilizam também o casal de réus, porquanto, dizem, estes mantinham uma confusão entre o seu próprio património e o da empresa e, em consequência disso, a empresa não tem capacidade para garantir o pagamento dos prejuízos causados, acrescentando ainda que a sociedade não possuía seguro de responsabilidade civil, contrariamente ao que foi afirmado no contrato.

    Concluíram pedindo a condenação solidária dos réus: - a pagarem-lhes o montante de €110.352,78, relativo aos danos já verificados; - a indemnizá-los pelos prejuízos decorrentes do incêndio que se venham a verificar ulteriormente; - a pagarem-lhes o montante de €550,00 mensais desde a data do incêndio em 16/1/2018, até reconstrução do imóvel, a liquidar em execução de sentença.

    O casal de réus contestou por exceção, arguindo a ilegitimidade de ambos, negando a confusão de patrimónios e que o prédio dos autores apresentava risco de incêndio, não podendo o mesmo ser atribuído à intervenção dos seus trabalhadores, contestando também os danos e respetivos montantes.

    A seu tempo procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, e decidindo, julgo parcialmente procedente a presente ação, e, em consequência, condeno os réus “F (…), Lda.”, A (…) e M (…) a pagarem solidariamente aos autores J (…) e M (…): - A quantia de €70.011,05 (setenta mil e onze euros e cinco cêntimos), acrescida de IVA; - a quantia a liquidar ulteriormente correspondente ao valor dos bens identificados no facto provado nº 6.59 desta decisão; - a quantia € 1.100,00 (mil e cem euros), acrescida de quantia a liquidar ulteriormente, correspondente ao montante de € 1.100,00 anuais até reparação do imóvel identificado no facto provado nº 6.10, onde ocorreu o incêndio em causa nos autos; - a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros).

    Absolvo os réus do demais peticionado nos autos.

    Custas por ambas as partes, na parte líquida, na proporção do respetivo decaimento, que depende de simples cálculo aritmético, e na parte ilíquida provisoriamente em proporção igual (liquidando-se posteriormente o efetivo decaimento) - cfr. artigo 527º, CPC».

    1. É desta decisão que vem interposto o recurso por parte dos réus cujas conclusões são as seguintes: (…) c) Os Autores contra-alegaram, pugnando pela manutenção da decisão sob recurso, não sem antes requererem a rejeição do recurso por ter existido cisão entre o requerimento de interposição de recurso e a junção das alegações e por incumprimento dos ónus relativos à impugnação da matéria de facto.

  2. Objeto do recurso.

    De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

    Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes: 1. A primeira questão a resolver foi colocada pelos recorridos e respeita à rejeição do recurso por não terem sido apresentadas as alegações no momento em que foi feito o requerimento a interpor o recurso e por inobservância dos ónus relativos à impugnação da matéria de facto e formulação das conclusões.

    1. Em segundo lugar, coloca-se a nulidade de sentença por excesso de pronúncia, porquanto segundo os recorrentes o tribunal terá condenado os recorrentes 3. Em terceiro lugar, vêm as questões relativas à impugnação da matéria de facto.

      Os réus recorrentes pretendem que os factos provados nos pontos 6.7, 6.8, 6.14 (no tocante à habitação) e 6.30, 6.31e 6.32 sejam declarados não provados.

      Ou seja, que se declare não provado que a ré M (…) exercia alguma atividade na empresa (…) Lda.; que existiu confusão de patrimónios e que não foi aplicado cuprinol nas madeiras nem foi acendida a lareira.

    2. Em quarto lugar, em sede de aplicação das normas jurídicas, coloca-se a questão de saber se a ré M (…) é parte ilegítima, porquanto nada teve a ver com a empreitada, sendo apenas esposa do gerente e único sócio, não exercendo qualquer função dentro da sociedade, nem de direito nem de facto.

      É alheia por isso aos autos.

    3. Em quinto lugar cumpre verificar se existe excesso de pronúncia porquanto os Autores pediram a condenação da Ré M (…) enquanto gerente de facto, já que esta assumia segundo os Autores o comando da gerência conjuntamente com o seu marido, dando ordens, instruções, indo aos trabalhos, mas o Tribunal a quo entendeu não a condenar enquanto gerente de facto, mas pela comunicabilidade da divida do gerente seu marido.

      6 – Em sexto lugar coloca-se a questão de saber se deve ser afastada a indemnização pedido pelos Autores uma vez que não violou qualquer dever de zelo ou vigilância.

      A lareira foi ligada pelos funcionários a pedido da caseira da casa Dona M (…), para aquecer a mesma e desumidificar a casa que estava desabitada e fria O incendio iniciou-se no telhado junto á chaminé, por isso não era visível de dentro da casa, junto à lareira.

      Foram factos ainda por explicar que originaram o incendio 7 – Por fim, em caso de existir responsabilidade do empreiteiro, coloca-se a questão de saber se alguma responsabilidade pode ser assacada às pessoas singulares, porquanto não existiu confusão de patrimónios.

  3. Fundamentação a) Rejeição do recurso Cumpre aceitar o recurso porquanto a cisão entre o requerimento a interpor o recurso e a apresentação das alegações, desde que ambos os atos decorram dentro do prazo para recorrer não implica a rejeição do recurso.

    Aliás, no caso concreto, os recorrentes no momento em que apresentam as alegações repetem o requerimento de interposição do recurso.

    Há aqui algo de inabitual e uma duplicação de requerimentos, mas não implica a sanção desproporcionada de rejeição do recurso.

    Relativamente à rejeição do recurso relativamente à impugnação da matéria também é de afastar tal entendimento.

    Muito embora se possa fazer bem melhor, afigura-se que foi cumprido o mínimo.

    Percebe-se o sentido da impugnação e os respetivos fundamentos.

    Não se rejeita pelo exposto, o recurso.

    1. Nulidade de sentença Uma das questões que vem colocada respeita ao excesso de pronúncia.

      Esta questão será tratada mais abaixo, após se decidir a matéria relativa à impugnação da matéria de facto.

    2. Impugnação da matéria de facto.

      1- A primeira questão respeita ao facto provado 6.7 que tem esta redação: «A ré M (…) colabora com o réu A (…) na gestão da “F (…), designadamente recebendo pagamentos de obras».

      Quanto a esta matéria cumpre excluir o segmento «colabora na gestão da F (…)» por se tratar de matéria factual mas de natureza complexa, isto é conclusiva, que deve ser substituída pelos factos concretos que a possam suportar se existirem.

      Nesta parte, provou-se como resulta do depoimento da própria Ré e das cópias dos cheques juntos com a petição que a mesma recebeu dois cheques emitidos pelo autor marido relativos ao pagamento do preço da empreitada que descontou no banco.

      Por conseguinte, altera-se o facto ficando com esta redação.

      A ré M (…) recebeu dois cheques emitidos pelo autor marido para pagamentos das obras

      .

      2- A segunda questão respeita ao facto provado 6.8 que tem esta redação: «Os réus A (…) e M (…) recorrem aos valores que o primeiro recebe pelo exercício da sua atividade de gerente da requerida F(…) para acorrer aos encargos da vida familiar, integrando-os no património familiar e usando-os para pagar as contas do dia-a-dia familiar (alimentação, vestuário, deslocações, saúde, etc.)».

      Esta factualidade deve manter-se porquanto foi confirmada pela Ré nos termos conclusivos em que está formulada.

      Com efeito, aos minutos 03:02 - 03:11 referiu que o marido contribuía para pagar as «dívidas de casa, empréstimos da casa», mas não para as despesas de alimentação e que o dinheiro vinha, segundo supunha da F(…) (minuto 03:23) Retira-se deste depoimento, de resto em conformidade com as regras da experiência que nos dizem que quando um casal vive como tal, em comunhão, reparte os rendimentos e as despesas, sendo irrelevante quem paga e o que paga.

      Cumpre, por isso, manter o facto.

      3- A terceira questão respeita ao facto provado 6.14 que tem esta redação: «Nomeadamente, acordaram que a ré F (…) efetuaria, no telhado/cobertura do imóvel: (…) - limpeza geral das águas furtadas e tratamento da madeira da cobertura com coperinol».

      Improcede esta pretensão, porquanto consta expressamente do contrato de e empreitada (cfr. ponto 4.4 do orçamento de fls. 30 verso a 31 verso) que um dos trabalhos orçamentados foi «limpeza geral das águas furtadas e tratamento da madeira da cobertura com coperinol».

      Deve, pelo exposto, manter-se o facto.

      4 – A quarta questão respeita ao facto provado 6.30, o qual tem esta redação: «Em dias do mês de janeiro de 2018 que em concreto não foi possível apurar, mas imediatamente anteriores ou contemporâneos do dia 16, os funcionários da ré F(…) aplicaram “cuprinol” (produto inflamável) nas vigas de madeira que suportavam o telhado».

      Os recorrentes pretendem que este facto seja declarado não provado com base na circunstância de não ter sido produzida prova no sentido de ter sido aplicado tal produto, resultando do depoimento da testemunha L (…), filho dos Réus, que não foi aplicado cuprinol É certo que a testemunha L (…)...

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