Acórdão nº 1350/19.8T8LRA-D.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO AREIAS
Data da Resolução04 de Fevereiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO S... e marido, L..., vieram apresentar-se à insolvência, formulando pedido de exoneração do passivo restante, alegando factos tendentes a justificar a concessão deste benefício, alegando suportar despesas mensais entre 667 e 725 €.

Declarada a insolvência dos Requerentes a 02 de maio de 2019, o Administrador da Insolvência pronunciou-se no sentido de nada ter a opor ao requerido.

Notificados os credores para se pronunciarem sobre o pedido de exoneração do passivo restante, - o credor Banco B..., S.A., deduziu oposição à concessão do benefício, alegando que o incumprimento do seu crédito remonta a 26.10.2016; - a C... também deduziu oposição à admissibilidade do mesmo, invocando o incumprimento do dever de apresentação à insolvência nos termos do art. 138º, nº1, al. d) CIRE.

O Juiz a quo proferiu despacho a declarar encerrado o processo de insolvência, deferindo liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, determinando a cessão do rendimento disponível que os insolventes venham a auferir, em tudo o que exceder a quantia equivalente a um salário mínimo nacional e meio, determinando ainda como rendimento disponível o correspondente a subsídios de férias e de natal que venham a ser recebidos pelos devedores.

Inconformados com tal decisão, os Insolventes dela interpõem recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula[1]: a) Do despacho inicial de exoneração do passivo com interesse para o presente recurso consta o seguinte: “(…), determino que durante o período de exoneração, o rendimento disponível que os devedores obtenham, em tudo o que exceder a quantia equivalente a um salário mínimo nacional e meio, se considera cedido ao Sr. Fiduciário, que será nomeado em seguida”.

(…).

c) Ora, em primeiro lugar, não conseguem os Insolventes entender se a decisão proferida diz respeito a 1,5 salário para cada um dos insolventes ou se é 1,5 salários para os dois insolventes d) Em face da redação constante do mesmo, dá a entender que na disponibilidade do casal Insolvente apenas ficará a quantia correspondente a 1,5 salários, o que, no nosso modesto entender é insuficiente para fazer face às despesas correntes do dia a dia de duas pessoas.

e) Como se sabe, o CIRE, no capítulo I do título XII, trata, com particular atenção, o regime da insolvência de pessoas singulares, não olvidando que, aliada à condição de devedor enquanto agente económico, está uma pessoa humana e, dele dependente, quase sempre, um agregado familiar de várias.

(…) h) Atenta a indeterminação dos conceitos normativos utilizados, uma vez admitida liminarmente a exoneração e, como condição dela, estabelecida a obrigação de entrega dos rendimentos de que venha a dispor auferidos ao longo do respetivo período, gera-se normalmente a controvérsia em torno do problema de saber, em cada caso concreto, o que “seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar” e, portanto, qual a quantia autorizada a reter para tal fim.

i) Desde logo e com frequência, tem-se entendido que o “sustento minimamente digno” convoca a ideia de “dignidade da pessoa humana” consagrada, entre outros afloramentos, nos artºs 1º, 2º, 13º, 59º, nº 1, e 67º, nº 1, da nossa CRP [Constituição da República Portuguesa] normas que esta, relativamente a direitos fundamentais, manda interpretar e integrar de harmonia com a DUDH [Declaração Universal dos Direitos Humanos], em cujo artº 25º se proclama “Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários...”.

j) Tratando-se, na situação aqui em apreço, de dois insolventes, o valor para o sustento minimamente digno é o equivalente a um salário mínimo por pessoa, o que atendendo à redação do douto despacho de que se recorre, tal valor mínimo não se encontra assegurado, pois que aos dois insolventes, na sua interpretação da redação do referido despacho o que lhe foi a atribuído foi o montante equivalente a um salário mínimo nacional e meio.

k) Na verdade, é consensual na doutrina e jurisprudência que para cada um dos insolventes deverá ser fixado o valor correspondente a um salário mínimo nacional, de modo a garantir a subsistência minimamente digna de cada um dos Insolventes.

l) Acresce que, os peticionados dois salários mínimos nacionais para os insolventes devem ser considerados em conjunto, por serem os insolventes casados em regime de comunhão de adquiridos, com a consequência do rendimento do trabalho de ambos ser considerado bem comum, assim como serem comuns as despesas elencadas.

(...)" o) Pelo exposto, entende-se que o tribunal posto em crise, deve fixar em conjunto o montante a ceder, sob pena da errada aplicação do disposto nos artigos 239º, n.º 3, alínea i) do C.I.R.E. e 1675º, 1676º, 1874º, 1878º, 1879º e 1880º do Código Civil.

p) Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas certamente mui doutamente suprirão, deverá a decisão recorrida ser substituída por uma outra que fixe a cessão ao fiduciário de todos rendimentos que os insolventes, em conjunto, venham a auferir, com a exclusão do montante equivalente a 2 salários mínimos nacionais.

q) Por outro lado, no entendimento dos insolventes o valor mínimo mensal garantido aos insolventes deve ser calculado por recurso a 14(catorze) meses.

r) De facto, a retribuição mínima nacional anual é constituída pela retribuição mínima mensal garantida multiplicada por 14, pelo que o rendimento mínimo mensal garantido aos Insolventes, corresponde no entendimento dos mesmos, a um rendimento mínimo mensal garantido multiplicado por 14 meses.

(…).

v) A Retribuição Mínima Mensal Garantida (RMMG) é tida como a remuneração básica estritamente indispensável à satisfação das necessidades impostas pela sobrevivência digna do trabalhador e, concebida como o patamar mínimo, não pode ser reduzido qualquer que seja o motivo.

(…) cc) Ora, sendo a RMMG recebida 14 vezes no ano, podemos afirmar que o seu valor anual é constituído pelo montante mensal multiplicado por 14 (artigos 263º e 264º/1 e 2 do Código do Trabalho), e, portanto, o mínimo necessário ao sustento minimamente digno dos insolventes não deverá ser inferior à remuneração mínima anual.

dd) Interpretação que é conformada pelo próprio conceito de Retribuição Mínima Nacional Anual (RMNA, a que alude o artigo 3º do decreto-lei 158/2006, de 8 de agosto, que define “o valor da retribuição mínima mensal garantida (RMMG), a que se refere o n.º 1 do artigo 266.º do Código do Trabalho, multiplicado por 14 meses”.

ee) Na verdade, os subsídios de férias e de Natal são parcelas de retribuição do trabalho e não extras para umas férias ou um Natal melhorados.

ff) A retribuição mínima nacional anual é constituída pela RMMG multiplicada por 14, pelo que a RMMG garantida mensalmente disponibilizada corresponde à àquela RMMG multiplicada por 14 e dividida por 12.

(…).

hh) Transpondo este princípio para o valor do rendimento necessário ao sustento minimamente digno dos insolventes, teremos de admitir que esse valor é retido 14 vezes ao ano ou, então, cada uma das parcelas mensais não deverá ser inferior à RMMG multiplicada por 14, cujo produto é dividido por 12.

(…).

kk) Em face do vindo de expor, deve ainda ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido e ser substituído por outro em que a fixação do rendimento disponibilizado aos devedores corresponda a dois salários mínimos nacionais, multiplicados por 14 e depois dividido por 12.

Termos em que, revogando o douto despacho proferido e proferindo outro que consagre a tese dos...

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