Acórdão nº 695/13.5TBLSA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 04 de Fevereiro de 2020
Magistrado Responsável | MARIA JOÃO AREIAS |
Data da Resolução | 04 de Fevereiro de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção): I – RELATÓRIO Declarada a insolvência de L..., foi, por despacho de 13 de novembro de 2013, admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, determinando que o rendimento disponível que o insolvente viesse a auferir, no montante correspondente a um salário mínimo e meio, se considerava concedido ao fiduciário.
Por despacho de 30 de janeiro de 2017 e realizado o rateio final, foi decretado o encerramento do processo de insolvência nos termos do artigo 230º, nº1, al. a), do CIRE, dando início ao período de cinco anos da cessão.
Decorrido o primeiro ano do período de cessão, a Sra. Fiduciária informou que, naquele ano, não houvera lugar a quaisquer entregas e que o devedor não prestara quaisquer informações sobre a sua situação de empregabilidade e rendimentos auferidos.
Findo o segundo ano do período de cessão, a Sra. Fiduciária prestou idêntica informação, dando conta de que o devedor não procedera a quaisquer entregas e não prestara informações sobre a sua situação de empregabilidade e rendimentos auferidos. Acrescentou apenas lhe ser possível deduzir que o devedor estará empregado porque, contactado para prestar informações, se comprometeu a entregar os seus recibos de vencimento, o que não fez.
Perante este relatório, o credor Banco S..., S.A. veio requerer a cessação antecipada do procedimento de exoneração, atenta a violação dos deveres a que o devedor se encontra adstrito, conforme art. 239.º, n.º 4, al. a), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Determinada a notificação do devedor, dos credores e da fiduciária, a fim de se pronunciarem sobre a requerida cessação, a fiduciária considerou que deveria ser dada previamente a oportunidade ao devedor de juntar os documentos pertinentes sobre os rendimentos mensais, situação familiar e de empregabilidade dos últimos três anos, ou justificar a impossibilidade da sua apresentação, apenas depois se podendo decidir sobre a existência dos requisitos necessários para a cessação do incidente.
O devedor juntou cópias das declarações de IRS dos ambos de 2017 e 2018 e esclareceu que não forneceu anteriormente tais dados em virtude de ter alterado os seus contactos telefónicos, o que não lhe permitiu ser contactado anteriormente pelo seu patrono.
O Banco S..., S.A. reiterou o seu pedido de cessação antecipada do procedimento, considerando, nomeadamente, que da declaração de rendimentos de 2018 resulta que este obteve rendimentos de cerca de €18.163,36, o que representa um rendimento mensal muito superior ao rendimento indisponível fixado.
Notificado expressamente o devedor para esclarecer por que motivo, tendo auferido no ano de 2018 rendimentos no valor de €18.163,36, não cedeu qualquer valor à Sra. Fiduciária, nada disse.
Por Despacho de 11 de novembro de 2019 foi recusada a exoneração do passivo restante, declarando a cessação antecipada do procedimento de exoneração.
Inconformado com tal decisão, o Insolvente dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões: 1 – O presente tem por objeto o despacho de recusa da exoneração do passivo restante do insolvente e de declaração de cessação antecipada do respetivo procedimento.
2 – A discordância do recorrente prende-se com o facto de no despacho recorrido ter sido considerado que o recorrente agiu com grave negligência e que tal facto prejudicou os créditos sobre a insolvência.
3 - No que concerne à negligência, verifica-se, de facto, que o recorrente não cumpriu alguns dos seus deveres. Mas tal facto, por si só, não implica um elevado grau de negligência nem configura uma situação insanável.
4 – Até porque o recorrente, notificado para tal pelo tribunal, apresentou as suas declarações de rendimentos dos anos de 2017 e 2018, predispondo-se a entregar os seus rendimentos objeto de cessão, de acordo com as deduções de despesas devidamente comprovadas arcadas no âmbito do exercício da sua atividade.
5 – Por outro lado, a atuação do recorrente não prejudicou a satisfação dos créditos da insolvência.
6 – Pois, repita-se, o recorrente apresentou voluntariamente as suas declarações de rendimentos, podendo a parcela dos mesmos que cabe entregar aos credores sê-lo a qualquer momento, pelo que inexiste qualquer prejuízo destes, prejuízo esse que apenas se constataria se se verificasse que o recorrente, notificado para tal, se recusasse a fazer as entregas.
7 – Perante todo o exposto, errou o tribunal a quo na interpretação da alínea a) do n.º 1 do artigo 243.º do CIRE, ao considerar que o ora recorrente atuou com grave negligência e que tal comportamento prejudicou a satisfação dos créditos da insolvência.
8 – Deveria tal norma ter sido interpretada no sentido de se considerar que o recorrente agiu apenas com mera negligência, mas que tal comportamento não prejudicou a satisfação dos créditos sobre a insolvência, apenas atrasando o seu cumprimento.
9 - Razão pela qual deverá ser revogado o despacho recorrido e remetidos os autos ao tribunal a quo, devendo aí o recorrente prestar as suas contas perante o tribunal e o fiduciário e manter-se o procedimento de exoneração.
Termos em que deverá ser dada procedência ao presente recurso e, em consequência, revogar-se o despacho de recusa da exoneração do passivo restante do insolvente e de declaração de cessação antecipada do respetivo procedimento, mantendo-se o procedimento de exoneração Norma Jurídica violada: artigo 243.º, n.º 1, a) do CIRE.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr. artigos 635º e 639º do Novo Código de Processo Civil –, a questão a decidir é uma só: 1. Se é de alterar a decisão recorrida que declarou a cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Não tendo a decisão recorrida fixado separadamente quais os factos a atender para a apreciação da questão em apreço, seleciona este tribunal os seguintes factos, dentro dos elementos disponíveis nos autos: 1) A insolvência do Apelante...
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