Acórdão nº 98695/18.3YIPRT.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Fevereiro de 2020

Magistrado ResponsávelALBERTO RUÇO
Data da Resolução11 de Fevereiro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Tribunal da Relação de Coimbra – 2.ª Secção Recurso de Apelação – Processo n.º 98695/18.3YIPRT.C1 * Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço 1.º Juiz adjunto………José Vítor dos Santos Amaral 2.º Juiz adjunto……….Luís Filipe Dias Cravo * Sumário: I – Se a parte em sede de impugnação da matéria de facto – artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil – não coloca uma questão, argumentando para o efeito, ainda que a argumentação seja escassa, o tribunal não pode substituir-se à parte recorrente e suprir essa omissão, formulando ele mesmo a questão, isto é, indagando as premissas e pondo a conclusão, pelo que a impugnação improcederá.

II – Tal ocorre quando a parte recorrente, relativamente à prova testemunhal produzida, diz que não foi produzida qualquer prova e nada mais argumenta, e tal afirmação não corresponde à realidade processual, pelo que fica de pé a argumentação explanada pelo tribunal recorrido a esse respeito.

III – Os créditos compensados antes da declaração de insolvência extinguiram-se e, por isso, não são reclamáveis no processo de insolvência, nos termos do artigo 128.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE – aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18 de março).

* Recorrente/autora…………..Massa insolvente de J.E.S. Frutas, Lda.; Recorrida/ré………….……… (...) , Unipessoal Lda.

* I. Relatório (

  1. A massa insolvente de J (…), Lda., com sede em (...) , intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra T (…) Lda., com sede na mesma localidade, pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de €379.866,00 e juros, dos quais logo liquidou €57.069,92. Invoca, para o efeito – e em muito breve síntese – que vendeu à requerida vários produtos do seu comércio, que faturou, entregou e que a requerida não devolveu, mas que não pagou, pese embora várias vezes instada para o efeito, pedindo ainda o pagamento da taxa de justiça, no valor de 153,00 e 40,00 ao abrigo do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 62/2013 de 10 de Maio.

    A Ré contestou alegando que não adquiriu os bens faturados, que se traduziram em benfeitorias realizadas em prédio pertencente ao seu sócio gerente, e que tiveram um custo inferior, correspondendo o valor constante das faturas a “um copy/pace (sic) do valor líquido do ativo da autora”. Concretizando, refere que a autora detinha sobre a ré um crédito de €183.283,56, correspondente aos bens e créditos que, efetivamente, foram transmitidos, que deverá ser compensado – como pede, em reconvenção – com o crédito de €192.321,52 da ré sobre a autora, por via de transferências que realizou para a mesma. Assim, invoca que a autora não vendeu à ré os produtos faturados, não refletindo as faturas a verdadeira negociação havida entre as empresas, e que a autora não detém qualquer crédito sobre a ré, nem o detinha a empresa inicial, à data da declaração de insolvência.

    Na réplica a autora aceitou a confissão (parcial) e dívida, e contestou os demais factos apresentados pela ré, quer para os explicar quer para os fazer extinguir por via de compensação, que declara inadmissível sem estar o credor devidamente considerado como tal no processo de insolvência.

    A seu tempo procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «Julgo a reconvenção provada e procedente, pelo que considero operada a compensação do crédito da autora perante a ré, no montante de €183.283,56, pelo crédito da ré, perante a mesma autora, no montante de €192.321,52.

    Julgo assim a presente ação não provada e improcedente, pelo que absolvo a ré do pedido.

    Custas pela autora».

    (b) E desta decisão que vem interposto recurso por parte da Autora, cujas conclusões são as seguintes: «A. O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal da Comarca de Leiria, Juízo Central Cível de Leiria - Juiz 2, que julgou a acção não provada e improcedente e a reconvenção provada e procedente, considerando operada a compensação do crédito da Autora perante a Ré, no montante de €183.283,56, pelo crédito da Ré, perante a mesma Autora, no montante de €192.321,52.

    1. A Autora é a Massa Insolvente da J (…) LDA.” e que esta sociedade foi declarada insolvente por decisão proferida a 29/07/2017, no âmbito do processo n.º 2279/17.0T8ACB, que corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Comércio de Alcobaça – Juiz 1. – cfr. Facto Provado sob o n.º 1.

    2. Entendeu o Mmo. Juiz do Tribunal a quo que foi provado que “A ré declarou à autora pretender compensar os seus créditos aquando das transferências e pagamentos para a conta da Requerente.” – cfr. Facto Provado sob o n.º 126.

    3. Porém, não foi produzida qualquer prova sobre a alegada declaração da Ré de que pretendia compensar os seus créditos com o crédito da Autora. Aliás, caso tivesse havido alguma declaração de compensação por parte da Ré, a Autora teria espelhado na sua contabilidade os pretensos pagamentos feitos pela Ré e eliminado a dívida desta das suas contas.

    4. A alegada compensação não está, sequer, reflectida nos documentos contabilísticos juntos aos autos e a alegada declaração de compensação não é verdadeira, de tal forma que foi julgada provada com imprecisão, sem, sequer, concretizar em que data e de que forma terá sido feita a alegada declaração de compensação.

    5. Pelo que, esta matéria deve ser julgada não provada pois este facto não é verdadeiro e, nessa medida, deve ser considerado como NÃO PROVADO.

    6. Ao contrário do que parece resultar da decisão recorrida, a declaração de compensação apenas foi efectuada no âmbito dos presentes autos, ou seja, já após a declaração de insolvência da “J (…) Lda.”.

    7. Acresce que, tratando-se de um alegado direito de crédito sobre a insolvência, deveria ser exercido segundo os meios processuais regulados no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e no âmbito do processo de insolvência.

      1. O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem por objectivo a satisfação dos credores, seja mediante a liquidação do património do devedor quer mediante a recuperação da empresa. O regime previsto no CIRE determina que a repartição do produto apurado com a liquidação/recuperação da empresa seja feita mediante determinadas regras, nomeadamente obedecendo ao princípio da igualdade de credores – arts. 604.º do Código Civil e 194.º do CIRE.

    8. Uma consequência do princípio da par conditio creditorum é que os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do CIRE, durante a pendência do processo de insolvência – nos termos do disposto no artigo 90.º do CIRE e conforme o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/10/2015 (cuja relatora foi a conselheira Ana Paula Boularot) e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/01/2010 (cujo relator é o Desembargador Gonçalves Ferreira) e de 25/02/2014 (sendo relator o Desembargador Carvalho Martins).

    9. “Daqui resulta que os credores têm que reclamar os seus créditos no processo de insolvência, tal como estabelece o artigo 128.º, não podendo, sequer, exercer o direito de compensação, caso não tenham feito a reclamação do respectivo crédito – v. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 12 de janeiro de 2010 (processo n.º 20463/09.8YIPRT.C1), relator Gonçalves Ferreira: “I – Os direitos de crédito sobre a insolvência têm de ser exercidos segundo os meios processuais regulados no CIRE. II – Não pode invocar a compensação de créditos quem não tenha visto o seu crédito reconhecido em conformidade com o disposto nos arts. 129 e segs. do CIRE”.8 L. A admissão da compensação sem que o credor tenha visto o seu crédito reconhecido no processo de insolvência – como resulta da sentença recorrida – consubstancia uma patente violação do princípio da par conditio creditorum e da ordem de pagamentos que resulta do disposto nos artigos 172.º e seguintes do CIRE.

    10. O artigo 99.º, n.º 1, do CIRE é claro quando refere que são os titulares de créditos sobre a insolvência que podem compensá-los com dívidas à massa. Ou seja, os credores para poderem fazer operar a compensação têm de ser titulares de créditos sobre a insolvência, ou seja, têm de ver os seus créditos reconhecidos no processo de insolvência.

    11. Como resulta do douto Acórdão deste Venerando Tribunal, datado de 12/01/2010, só pode ser considerado titular de créditos sobre a insolvência, condição sem a qual a compensação não opera (veja-se o corpo do n.º 1 do referido artigo 99.º), quem como tal tenha sido reconhecido no processo de insolvência, e é imperioso que o credor reclame o seu crédito, no prazo fixado na sentença declaratória de insolvência, ainda que ele se ache reconhecido por decisão definitiva (artigo 128.º do CIRE), ou o faça posteriormente, se verificado o condicionalismo do artigo 146.º do mesmo Código.

    12. Ademais, a compensação no caso em apreço não deveria ser admitida por se verificar uma causa de exclusão legalmente prevista no artigo 853.º, n.º 2, do Código Civil.

    13. Nos termos do disposto no artigo 853.º, n.º 2, do Código Civil, não é admitida a compensação se houver prejuízo de direitos de terceiro, constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis, que “é o mesmo que dizer aos direitos dos credores concursais”. Logo, tendo os credores cujos créditos foram reclamados e reconhecidos no processo de insolvência...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT