Acórdão nº 7576/18.4T8CBR-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Fevereiro de 2020
Magistrado Responsável | FONTE RAMOS |
Data da Resolução | 11 de Fevereiro de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Sumário do acórdão: 1.
O objetivo prosseguido pelo Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), previsto no DL 227/2012, de 25.10, é o de envolver as instituições de crédito na apresentação de propostas de regularização de situações de incumprimento adequadas à situação do consumidor/devedor.
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Se a partir do incumprimento inicial (em 2009) e ao longo de anos, a instituição de crédito/exequente e o oponente/executado alcançaram acordos de regularização das situações de incumprimento, conseguindo, inclusive, no decurso da acção executiva dos autos principais, a regularização de, pelo menos, um dos (dois) contratos de mútuo celebrados entre as partes, não teria qualquer sentido integrar esta situação de incumprimento no PERSI.
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Nessas circunstâncias, age com abuso do direito, na modalidade de ´venire contra factum proprium`, o devedor/executado que na oposição à execução, vem acusar o facto de não ter sido (formalmente) integrado no PERSI (para concluir que a exequente estava impedida de intentar acção judicial para satisfação do seu crédito).
* Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I. Na execução para pagamento de quantia certa movida por N (…), S. A. contra J (…), E (…) e C (…), instaurada em 04.10.2018[1], o 1º executado, em 06.4.2019, veio deduzir oposição à execução e à penhora, aduzindo, em síntese: - A exequente incumpriu - como condição prévia à instauração da presente ação executiva - com a obrigação legal de integrar o cliente bancário, ora executado, no procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento, o denominado Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), previsto no DL n.º 227/2012, de 25.10; - A acção judicial destinada a satisfazer o crédito, só poderá ser intentada pela instituição de crédito contra o cliente bancário após a extinção do PERSI (art.º 18º, n.º 1, al. b), do DL n.º 227/2012); o crédito é inexigível, por incumprimento de tal norma imperativa; - Pelo menos desde 19.4.2018 até ao presente, liquidou o montante total de € 13 223,66, sendo € 7 207,66, relativos ao Contrato de Mútuo para aquisição de habitação própria e permanente com hipoteca (contrato n.º 1500056550, a que corresponde o processo contencioso n.º 009991023) e € 6 006 relativos ao contrato de empréstimo “Multiopções” com hipoteca (contrato n.º 0292000041, a que corresponde o processo contencioso n.º 014927614), existindo, inclusive, um saldo a seu favor no montante de € 5 686,17, o qual não poderá deixar de ser imputado ao cumprimento das prestações normais respeitantes aos empréstimos em causa; - Deverá considerar-se a entidade bancária/exequente, notificada, para o requerimento que apresenta o mutuário, nos termos e para os efeitos do art.º 8º da Lei n.º 58/2012, de 9.11; consequentemente, deverá aquela tomar as medidas impostas pelos art.ºs 10º e 11º e, em conformidade com o previsto no art.º 9º, da Lei 58/2012, suspender-se automaticamente o processo de execução hipotecária relativo às dívidas decorrentes do crédito à habitação. Concluiu, pedindo: a) a extinção da execução por preterição da obrigação legal de integração do executado, enquanto cliente bancário, no PERSI; b) ser a execução extinta pelo pagamento; em alternativa, c) ser reduzido o valor da dívida exequenda em conformidade com o já liquidado desde 29.3.2016 até ao presente; d) a aplicação do regime previsto na Lei n.º 58/2012, de 09.11, por o bem penhorado nos autos constituir “casa de morada de família”, suspendendo-se automaticamente a presente execução; e) deve, a final, ser o executado absolvido do pedido ou da instância.
Em 13.5.2019, a exequente/embargada contestou e concluiu pela improcedência dos embargos, dizendo, nomeadamente: desde 2009, tem vindo a celebrar sucessivos acordos de pagamento tendo em vista a sanação da situação de incumprimento em que o oponente persistentemente se encontrava e por ele sucessivamente incumpridos; na pendência de acção executiva instaurada em 17.10.2011, celebrou novo acordo de pagamento relativamente aos dois contratos aludidos nos autos, uma vez mais, incumprido pelo oponente, em 29.3.2016 e em 29.12.2016; os alegados pagamentos são todos de montantes diferentes e foram efectuados de “forma irregular”; o oponente/executado nunca solicitou o PERSI conforme preceitua o art.º 14º do DL n.º 227/2012 e persiste numa situação de incumprimento, não obstante os acordos de renegociação da respectiva dívida, agindo em abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.
Observado o contraditório, por saneador-sentença de 31.7.2019, a Mm.ª Juíza a quo - depois de concluir que “o estado do processo permite, sem necessidade de mais prova, apreciar a totalidade do pedido” - julgou totalmente procedentes os EMBARGOS de Executado, determinando “a extinção da ação executiva quanto a todos os executados”.
Inconformada, a exequente apelou formulando as conclusões que assim vão sintetizadas: 1ª - No dia 04.10.2018, instaurou ação executiva contra os executados J (…), E (…) e C (…), para pagamento da quantia de € 61 914,35 e que tem por base dois contratos de mútuo com hipoteca celebrados entre a recorrente e os executados, nos termos dos quais emprestou a estes as quantias de € 62 349,73 e € 42 397,82, pelo prazo de trinta anos, a reembolsar em 360 prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, as primeiras com vencimento a 29.5.1999.
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- Para garantia de todas as obrigações resultantes dos referidos contratos, o executado J (…) constituiu a favor da recorrente uma garantia real (hipoteca sobre uma fração autónoma do prédio urbano.) o descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial (CRP) de (...) sob o n.º 1556/19970821-E, inscrito na matriz sob o art.º 2322) e uma garantia pessoal (fiança, pela qual E (…) e C (…) se constituíram fiadores e principais pagadores, com expressa renúncia ao benefício de excussão prévia).
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- Atendendo ao provado nos pontos 3., 4., 5. e 6., verifica-se que, desde 2009 (data do primeiro incumprimento), a recorrente tem vindo a celebrar sucessivos acordos de pagamento tendo em vista a regularização do incumprimento, acordos sucessivamente incumpridos, razão pela qual, em 17.10.2011, instaurou acção executiva para pagamento de quantia certa.
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- Na pendência da referida acção, foram encetadas novas negociações entre a recorrente e o recorrido, com vista à regularização do incumprimento, que culminaram com a celebração de um acordo de pagamentos com início em fev./2016.
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- Também este acordo foi incumprido pelo recorrido, que não pagou as prestações de 29.3.2016 e 29.12.2016, nem as subsequentes - daí a legitimidade da exequente/recorrente para dar entrada da acção executiva.
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- Pese embora o recorrido alegue que nunca foi notificado para se iniciar o procedimento extrajudicial do PERSI, certo é que foram vários os acordos de pagamento celebrados com a recorrente, que incumpriu.
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- A circunstância de o executado/embargante/recorrido não ter sido formalmente integrado no PERSI não lhe retirou direitos, nem lhe reduziu expectativas legítimas, porquanto a acção executiva apenas foi instaurada depois de frustrada a concretização da solução negociada por razões àquele imputáveis.
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- Não estava impedida de intentar a acção judicial tendo em vista a satisfação do seu crédito, por violação do PERSI; exerceu legitimamente o seu direito, em face da exigibilidade da obrigação.
Remata pugnando pela revogação da sentença recorrida.
[2] O executado/opoente não respondeu.
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa decidir, principalmente: a) se foi desrespeitada a integração em Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, previsto no DL n.º 227/2012, de 25.10 (que impede intentar acções judiciais para satisfação do crédito do exequente entre a data de tal integração e a sua extinção, com a consequente extinção da instância); b) concluindo-se pela inexigência de integração no PERSI e cumprimento das obrigações dele decorrentes, qual a relevância da concreta oposição deduzida.
* II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:[3] 1.
No dia 04.10.2018, a exequente N (…), S. A., instaurou ação executiva contra os executados J (…), E (…) e C (…), para pagamento da quantia de € 61 914,35.
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No requerimento executivo, alegou que: “(…) 7. No dia 29.4.1999, o Exequente celebrou com J (…) um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca e fiança[4] mediante o qual o então B (…) concedeu ao mutuário um empréstimo no valor de 12.500.000 - Doze Milhões e Quinhentos Mil Escudos - € 62 349,73 (sessenta e dois mil trezentos e quarenta e nove euros e setenta e três cêntimos), do qual se confessou devedor, ao abrigo das normas para o regime geral do crédito à habitação. cf. Documento N.º 1.
[5] 8. O empréstimo foi concedido pelo prazo de trinta anos, em trezentas e sessenta prestações mensais, constantes e sucessivas de capital e juros, a primeira com vencimento no dia 29.5.1999.
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As partes estipularam ainda que durante o primeiro ano de vigência do contrato, a taxa de juro inicial do empréstimo seria de 4,95 %. A partir do início do segundo ano, a taxa de juro aplicável ao empréstimo seria correspondente à Lisbor de referência.
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Para garantia de todas as obrigações resultantes do referido contrato, o mutuário constituiu a favor do Exequente a seguinte garantia: (i) Garantia real: hipoteca (Ap. 38 de 1999/04/14) - sobre a fracção autónoma designada pela letra "E", correspondente ao rés-do-chão esquerdo, um lugar de aparcamento...
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