Acórdão nº 139/18.6T8VLF.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 19 de Maio de 2020

Data19 Maio 2020
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Apelação n.º 139/18.6T8VLF.C1 2.ª Secção – Cível *** Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório O Ministério Público (doravante, M.º P.º) intentou ação especial de interdição, que prosseguiu como ação especial de acompanhamento de maiores, nos termos do disposto no art.º 26.º, n.º 1, da Lei n.º 49/2018, de 14-08, relativamente a F (…), com os sinais dos autos, pedindo que fosse decretada a interdição (definitiva) do Requerido (F (…)), por anomalia psíquica, por o mesmo se mostrar totalmente incapacitado de governar a sua pessoa e bens.

Para tanto, alegou, em síntese, que: - o Requerido, com 97 anos de idade e residente em lar para pessoas idosas, sofre de demência de tipo degenerativo e de Parkinson, encontra-se incapaz de governar a sua pessoa e bens, com desorientação permanente quanto ao espaço e ao tempo, necessitando de auxílio permanente de outrem para as tarefas diárias e de sobrevivência, sem compreensão até do significado e das consequência dos seus atos; - necessita, por isso, de vigilância, cuidado e acompanhamento permanentes por terceiros, dos quais depende para sobreviver.

Na sequência do novo regime legal, criado pela Lei n.º 49/2018, foi nomeado patrono oficioso ao beneficiário, o qual foi citado para contestar a ação, não tendo sido apresentada contestação.

Procedeu-se a exame pericial ao beneficiário, com normal tramitação dos autos, vindo a ser proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «Em face do exposto, o tribunal julga a ação procedente e, consequentemente, decide:

  1. Instituir a representação geral do beneficiário F (…), com inibição do direito de celebrar negócios da vida corrente e do exercício dos direitos pessoais de adotar e testar sem a prévia intervenção do tribunal; b) Fixar a data a partir da qual se verificou a necessidade do acompanhamento, a partir de outubro de 2010; c) Nomear como acompanhante do beneficiário a sua filha mais velha, L (…) a quem são conferidos poderes gerais de representação do mesmo; d) Designar como vogais do conselho de família os outros filhos do beneficiário, C (…) (que desempenhará outrossim as funções de protutora) e A (…).».

    Inconformada com o assim decidido, veio S (…) (cônjuge do beneficiário) interpor recurso, apresentando alegação, culminada com as seguintes Conclusões ([1]): (…) Foi apresentada contra-alegação recursiva pelo M.º P.º, onde concluiu pela improcedência total do recurso, a qual, porém, por decisão do Tribunal recorrido – datada de 30/04/2020 e só posteriormente dada a conhecer –, foi julgada extemporânea, com a consequente ordem de desentranhamento.

    O recurso foi admitido, como de apelação, com efeito suspensivo e subida imediata e nos próprios autos, tendo sido ordenada a remessa do processo a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime recursivo.

    Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

    II – Âmbito do Recurso Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado em sede de articulados – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, está em causa na presente apelação saber ([3]):

  2. Se ocorre causa de nulidade da sentença (por falta de fundamentação); b) Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto, dando-se como provada a factualidade acrescida a que alude a Recorrente, por se mostrar ter havido erro no julgamento respetivo; c) Se – em qualquer caso – deve ser alterada a decisão de direito, designando-se a Recorrente como acompanhante do seu marido ou, se assim não se entender, a filha C (...) , por ser a mais próxima do casal (beneficiário e Recorrente).

    III – Fundamentação

    1. Nulidade da sentença Invoca a Apelante, nas suas conclusões recursivas, que a sentença recorrida incorreu em violação do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al.ª b), do NCPCiv., pelo que deve ser julgada nula, tratando-se, assim, do vício de falta de fundamentação.

    Cabia, por isso, à Apelante, argumentando sobre o tema, mostrar onde se encontra consubstanciado na sentença apelada aquele vício gerador de nulidade da mesma, o que devia ser feito nas conclusões da apelação, já que estas, como dito, definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso.

    Na verdade, como se retira do disposto no art.º 639.º, n.º 1, do NCPCiv., cabe ao recorrente, nas suas conclusões, indicar os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

    E dispõe o art.º 615.º, n.º 1, al.ª b), do mesmo Cód. que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.

    A Apelante invoca, neste âmbito, que, por um lado, não houve fundamentação quanto ao facto do ponto 16 da factualidade dada como provada – plano da fundamentação da convicção probatória – e, por outro lado, faltou a fundamentação – de direito/jurídica – quanto à operada nomeação da filha mais velha como acompanhante (omissão de explicação da “razão pela qual ela era a pessoa que melhor salvaguardava o interesse do beneficiário”).

    Que dizer? Dir-se-á, desde logo, que a eventual omissão de fundamentação – ou deficiente justificação – da convicção probatória (perante factos e provas) não cabe na figura jurídico-processual da nulidade da sentença.

    Trata-se antes de vício que, a ocorrer, se enquadra no âmbito da “modificabilidade da decisão de facto”, a que alude o art.º 662.º do NCPCiv..

    Quer dizer, se, como refere a Recorrente, houver deficit de fundamentação da convicção no âmbito da decisão da matéria de facto (no caso, tratar-se-ia do aludido ponto 16 dado como provado), por total ou parcial omissão de fundamentos, a consequência legal não será a da nulidade da sentença (à luz do normativo do art.º 615.º do NCPCiv.), mas sim a da anulação da decisão, por deficiente ou obscura (ou contraditória) pronúncia sobre ponto(s) determinado(s) da matéria de facto [nos moldes do n.º 2, al.ª c), do art.º 662.º do NCPCiv.], ou da determinação ao Tribunal recorrido para que proceda à fundamentação em falta (quanto a “algum facto essencial para o julgamento da causa”), tendo em conta as provas produzidas (“depoimentos gravados ou registados”), de harmonia com o disposto nos n.ºs 2, al.ª d), e 3, al.ªs b) e d), do mesmo art.º 662.º.

    Em suma, num tal caso não se trataria de nulidade da sentença, mas de anulação da decisão quanto à matéria de facto, convocando diversas ferramentas processuais, pelo que o vício seria, diversamente, objeto de sanação, não pela própria Relação (cfr. art.º 665.º, n.º 1, do NCPCiv., através da regra da “substituição ao tribunal recorrido”), mas pelo Tribunal a quo, com aditamento da fundamentação da convicção em falta.

    Donde que, nesta parte, inexista nulidade da sentença por falta de fundamentação.

    Mas faltará a necessária fundamentação – já no plano jurídico (fundamentação de direito) – quanto à nomeação da filha mais velha como acompanhante, por total omissão de explicação à luz do critério da salvaguardava o interesse do beneficiário? Deve começar por dizer-se que são bem consabidas as exigências de fundamentação das decisões dos tribunais (cfr. art.º 154.º, n.º 1, do NCPCiv., tal como o antecedente art.º 158.º, n.º 1, do CPCiv./2007), sejam sentenças ou despachos, a que se reporta o art.º 615.º, n.º 1, al. b), do NCPCiv. (tal como o anterior art.º 668.º, n.º 1, al.ª b), do CPCiv./2007), e cuja violação, uma vez verificada, é causa de nulidade da sentença ([4]), cabendo naturalmente à Recorrente clarificar onde pudesse ter faltado a decisão à fundamentação devida/exigível, em termos de omissão absoluta de fundamentos.

    Ora, a esta luz, deve dizer-se que este Tribunal não logra descortinar uma total falta de fundamentação da sentença, ou outra causa de nulidade da mesma, sendo que não se trata de matéria de conhecimento oficioso do Tribunal ([5]).

    Com efeito, na decisão recorrida constam as razões da nomeação da pessoa da filha mais velha como acompanhante.

    Assim, ali se fez constar: “(…) começa por determinar o artigo 143.º/1 do Código Civil que «o acompanhante, maior e no pleno exercício dos seus direitos, é escolhido pelo acompanhado ou pelo seu representante legal, sendo designado judicialmente».

    Ora, no presente caso, o beneficiário está incapacitado de manifestar a sua vontade sobre aquele que pretende que...

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