Acórdão nº 184/20.1T8GRD.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 11 de Maio de 2020
Magistrado Responsável | VÍTOR AMARAL |
Data da Resolução | 11 de Maio de 2020 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I – Relatório L...
e esposa, M...
, com os sinais dos autos, intentaram ([1]) ação declarativa, com processo comum, contra R...
, também com os sinais dos autos, pedindo ao Tribunal que:
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Declare que os AA. são legítimos proprietários e possuidores, na proporção de metade indivisa, dos bens imóveis identificados nos art.ºs 1.º a 3.º inclusive e 39.º e 41.º inclusive da petição inicial; b) Declare que os AA. são legítimos compossuidores, em comum com o R., dos imóveis identificados nos art.ºs 87.º a 89.º da petição inicial; c) Declare que os AA. são legítimos proprietários e possuidores, na proporção de metade indivisa, dos bens móveis identificados no art.º 57.º, compreendidas todas as subalíneas, e dos constantes dos art.ºs 69.º, 71.º, 73.º, 75.º a 79.º e 85.º, todos da petição inicial; d) Declare que os AA. são legítimos proprietários e possuidores, na proporção de metade indivisa, da universalidade de facto que constitui a exploração agropecuária que é desenvolvida desde 01/06/2007 nos sobreditos bens imóveis e com os demais bens móveis e direitos supra elencados, assim como dos lucros e proveitos da mesma emergentes; e) Declare que os AA. são legítimos proprietários de 50% dos valores emergentes dos subsídios e subvenções melhor identificados nos pontos 123 a 123.4. pagos ao R. desde 01/06/2007, bem como os vincendos; f) Declare que os AA. são legítimos proprietários dos ativos constantes das contas bancárias identificadas no art.º 124.º desde 1997, bem como dos vincendos; g) Condene o R. a pagar aos AA. 50% das receitas emergentes da venda dos animais da exploração, dos subsídios e subvenções à exploração agropecuária que foram atribuídos desde 01/06/2007, do saldo das contas bancárias n.º ... da C... e n.º ... da C... e daquelas onde atualmente movimenta tais receitas, desde 1997 até esta data, bem como as vincendas enquanto tal situação compropriedade se mantiver entre AA. e R.; h) Determine a retificação das inscrições matriciais e prediais dos imóveis supra referidos nos art.ºs 1.º a 3.º, 39.º e 41.º, de modo a inscrever a favor dos AA. um meio indiviso do respetivo direito de propriedade a seu favor, sendo-o a favor do R. a metade indivisa restante.
Alegaram, em síntese ([2]), que: - os AA. são donos, em regime de compropriedade com o R., de diversos imóveis, que identificam, designadamente um conhecido por Quinta ..., sendo que AA. e R., em conjunto, acederam à posse dos antepossuidores, âmbito em que, há mais de 20 anos, vêm usando, fruindo e dispondo em geral da totalidade dos referidos imóveis, publicamente, de forma pacífica, sem interrupções e de boa fé, tendo adquirido o direito de propriedade por usucapião; - para além disso, AA. e R., em conjunto, são proprietários de diversos bens móveis, que identificam, destinados à atividade agrícola e pecuária, já que adquiridos em partes iguais, aquando da aquisição da quinta, no ano de 2007, estando já incluídos no preço (os restantes), sendo usados por ambos, que acederam à posse dos antepossuidores, há mais de 10 anos, de forma pública, pacífica, sem interrupções e de boa fé, consumando aquisição por usucapião; - adquiriram ainda, em comum e partes iguais com o R., animais bovinos e equipamentos que têm utilizado na exploração agropecuária que desenvolvem nos referidos prédios, ascendendo atualmente o efetivo pecuário a 123 cabeças, exploração essa propriedade de AA. e R., na proporção de metade para aqueles e para este.
O R. contestou, impugnando, no essencial, a factualidade alegada pela contraparte e pugnando pela improcedência da ação, para o que invocou: - tendo em conta o alegado pelos AA., ser o negócio celebrado com o R. (contratado “como testa de ferro para obter subsídios do Estado”) nulo, nos termos do art.º 280.º do CCiv.; - ter sido o R. quem adquiriu diversos imóveis, pagando impostos e obtendo registo da respetiva aquisição; - relativamente à compropriedade dos prédios, da exploração e dos animais, embora tivesse sido ajudado pelos pais e irmão, junto dos quais se endividou, ser o R. proprietário exclusivo da exploração agrícola referida, sendo exclusivamente seu o dinheiro produto de vendas e de subsídios estatais, bem como a propriedade e movimentação bancaria a débito e crédito.
Proferido despacho saneador, enunciados o objeto do litígio e os temas da prova, procedeu-se à audiência final, após o que foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo: «
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Conhecendo da exceção dilatória de litispendência, absolve o réu da instância relativamente à pretensão que visa: a) declarar que os autores são legítimos proprietários de 50% dos valores emergentes dos subsídios e subvenções melhor identificados nos pontos 123 a 123.4. pagos ao réu desde 01/06/2007 bem como os vincendos; b) declarar que os autores são legítimos proprietários dos ativos constantes das contas bancárias identificadas no artigo 124º desde 1997, bem como dos vincendos; c) condenar o réu a pagar aos autores 50% das receitas emergentes da venda dos animais da exploração, dos subsídios e subvenções à exploração agropecuária que foram atribuídos desde 01/06/2007, do saldo das contas bancárias n.º ... da C... e n.º ... da C... e daquelas onde atualmente movimenta tais receitas, desde 1997 até esta data, bem como as vincendas enquanto tal situação compropriedade se mantiver entre autores e réu; b) No demais, julga a ação parcialmente procedente e, em consequência, absolvendo o réu do demais peticionado, condena o réu: a. a reconhecer que autor e réu são compossuidores, na proporção de metade para cada um, dos prédios identificados nos artigos 1º a 3º, 39º e 41º da petição inicial; b. a reconhecer que o autor e o réu são comproprietários e compossuidores, na proporção de metade para cada um, dos bens, equipamento e animais identificados nos artigos 57º, 69º, 71º, 73º, 75º a 79º e 85º da petição inicial; c. reconhecer que o autor é comproprietário e compossuidor, na proporção de metade indivisa, da universalidade de facto que constitui a exploração agropecuária que é desenvolvida desde junho de 2007 nos prédios identificados nos artigos 1º a 3º, 39º e 41º da petição inicial, com os bens móveis, dinheiros e animais referidos nos factos provados, assim como dos lucros e proveitos da mesma emergentes, os valores do subsídios e subvenções recebidos e os valores depositados nas referidas contas bancárias.
(…) Na medida em que se provou que autor e réu têm vindo a desenvolver, em conjunto, desde meados do ano de 2007, uma exploração agropecuária, tendo acordado entre eles que toda a exploração figurasse perante as entidades públicas apenas em nome do réu, tendo em vista o recebimento de subsídios/subvenções a que só o mesmo, na qualidade de jovem agricultor, teria direito e a que os dois em conjunto já não teriam direito, tendo recebido subsídios de tal atividade, podendo indicar-se a prática de ilícitos com relevância fiscal e criminal, o tribunal determina que se extraia certidão da sentença e que se remeta a mesma aos serviços do IFAP, ao serviço de finanças e ao Ministério Público, para os fins que forem tidos por convenientes.».
De tal decisão vieram os AA., inconformados, interpor recurso, apresentando alegação e as seguintes Conclusões: ...
Não se mostra junta contra-alegação recursiva.
Da mesma sentença também o R., inconformado, interpôs recurso, apresentando, por sua vez, alegação e as seguintes Conclusões: ...
Contra-alegaram os AA., pugnando pelo não provimento deste recurso.
*** Os recursos foram admitidos como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito fixados.
Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito dos recursos, cumpre apreciar e decidir.
II – Âmbito recursivo Perante o teor das conclusões formuladas pelas partes recorrentes – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito recursivo ([3]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, importa conhecer:
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Do erro de julgamento em matéria de facto (impugnações de AA. e R.), impondo a alteração do decidido neste âmbito; b) Da acessão da posse e usucapião; c) Da invocada atribuição ilícita de subsídios; d) Da nulidade do negócio celebrado.
III – Fundamentação
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Impugnação da decisão relativa à matéria de facto 1. - Da impugnação dos AA.
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Termos em que, tudo não passando de um âmbito meramente conclusivo – no teor do dito documento e dos depoimentos testemunhais analisados –, dúvidas não restam, salvo o devido respeito, de não poder inverter-se o juízo negativo (de «não provado») a que chegou o Tribunal recorrido.
Em suma, improcede a impugnação da decisão de facto empreendida pelos AA./Apelantes, nada havendo a alterar nesta parte, visto não se mostrar existir qualquer erro de julgamento de facto da 1.ª instância quanto à respetiva factualidade.
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- Da impugnação do R.
O R./Apelante apresenta como “matéria de facto impugnada: 1 a 84 dos factos provados”, pretendendo que os factos respetivos sejam “Eliminados ou considerados Não provados” e invocando, para tanto, diversa prova documental e um depoimento testemunhal (o da testemunha ...), tudo como consta do seu acervo conclusivo.
Quanto a tal prova testemunhal, cabia ao impugnante cumprir os ónus legais a seu cargo, designadamente o ónus de indicação exata das passagens da gravação em que se funda [cfr. art.º 640.º, n.ºs 1 e 2, al.ª a), do NCPCiv.], sendo que, como resulta da sua alegação de recurso, apresentou transcrição de excertos, que considerou relevantes, da gravação áudio do depoimento.
E é certo que, quanto à globalidade das provas convocadas, no quadro amplo do factualismo sob impugnação recursiva, não poderia o R./Apelante demitir-se de indicar...
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