Acórdão nº 3852/18.4T8VIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Maio de 2020

Magistrado ResponsávelCARLOS MOREIRA
Data da Resolução05 de Maio de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Processo nº 3852/18.4T8Vis.C1 ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1.

F (…) intentou contra M (…), LDA, ação declarativa, de condenação, com processo comum.

Peticionando a condenação da Ré: A) A pagar ao autor a quantia de 123,50€ a título de despesas que o autor suportou com o transporte da viatura M (...), modelo E 270 CDI, com a matrícula TI (...), das instalações da ré para as instalações da F (…)em Viseu, despesas que seriam evitáveis, caso a viatura circulasse; B) A suportar a expensas suas a reparação dos danos causados na viatura M (...), modelo E 270 CDI, com a matrícula TI (...) propriedade do autor enquanto à guarda da ré, nomeadamente: - O montante de 507,99€ já pago pelo Autor e referenciado em 24º desta peça.

- O remanescente do orçamento elaborado pela F (…) –Concessionário e oficina Autorizada M (...) , na quantia de 3.440,17€ (IVA incluído); C) A pagar ao autor a quantia global de 6.700,00€ correspondente ao montante diário de 100€ por cada dia (67 dias) em que o autor esteve privado de usar o veículo a título de indemnização por privação de uso da viatura; D) A pagar ao autor um quantitativo diário de 100€ por cada dia em que o veículo estiver a ser reparado a título de indemnização por privação de uso da viatura, cuja liquidação se relega para execução de sentença; E) A pagar ao autor, a indemnização de 1,500,00 Euros a título de indemnização por danos não patrimoniais; F) A pagar ao autor, todas aquelas quantias, acrescidas de juros à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Alegou, sumariamente, que: (i) No âmbito do processo de execução nº. 5558/16.0T8VIS, em que era exequente a ré e executado o autor, que correu termos no Tribunal Judicial da comarca de Viseu – Juízo de Execução, em 2.2.2917, o veículo do Autor com a matrícula TI (...) foi penhorado, sendo que o agente de execução designou a Ré como fiel depositária do mesmo; (ii) No dia 07 de Fevereiro de 2018, em sede dos embargos de executado que correram termos sob o apenso A do processo referido em 2), o aqui autor (executado no identificado processo) e a aqui ré (exequente no referido processo) realizaram uma transacção, sendo que a Ré se comprometeu a entregar a viatura; (iii) No dia 12 de Fevereiro de 2018, o autor deslocou-se às instalações da ré com o intuito de levantar a supra identificada viatura, sendo que, chegado ao local, o autor verificou que a viatura apresentava as ópticas traseiras derretidas, estando empoladas/encolhidas e negras, situação extensível ao para-choques.

(iv) O gerente da Ré declarou ao Autor que, para proceder ao levantamento do carro, teria de assinar uma declaração a afirmar que o veículo não tinha danos, sendo que o Autor declarou recusar assinar a mesma; (v) Em consequência, entre 12 de Fevereiro de 2018 e 20 de Abril de 2018, o autor e família viram-se impedidos de se deslocar para onde quisessem e quando quisessem.

* A Ré contestou.

Disse que o veículo foi guardado nas suas instalações por ordem do agente de execução que teve de acatar.

Que os danos não lhe podem ser imputados, mas antes ao mega incêndio incontrolável que deflagrou na zona.

Que foi o autor que, perante os danos do veículo, se recusou a levar o mesmo das suas instalações.

Concluiu, propugnando a improcedência da ação.

  1. Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido: «Pelo supra exposto, julga-se a acção totalmente improcedente e, consequentemente, decide-se: A) Absolver a Ré M (…), LDA do peticionado; B) Condenar o Autor (…) no pagamento das custas processuais.» 3.

    Inconformado recorreu o autor.

    Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: 1 - O recorrente não se conforma com a douta sentença de fls… proferida nos autos que absolveu a ré M (…) Lda. do peticionado.

    2 – O presente recurso versa exclusivamente sobre matéria de direito colocando à apreciação de V. Exas. duas questões a decidir, a saber: a) A averiguação da existência de responsabilidade contratual da ré por violação dos seus deveres de guarda e cuidado.

    b) A nulidade da douta sentença proferida por omissão de pronuncia quanto ao dano de privação de uso do autor.

    Da responsabilidade extra contratual da ré; 3 - O Tribunal recorrido concluiu que naufragaram os pressupostos da responsabilidade extracontratual consignada no artigo 483º do Código Civil, soçobrando qualquer culpa da ré. 4 - São pressupostos da responsabilidade civil a) um facto humano; b) ilicitude; c) a culpa; d) a existência de danos; e) o nexo de causalidade entre o facto e os danos.

    5 - No âmbito do processo de execução nº5558/16.0T8VIS, em que era exequente a ré e executado o autor, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo de Execução, o veículo indicado em 1) foi penhorado, sendo que o agente de execução designou a ré/recorrida como fiel depositária do mesmo – facto provado no ponto 2 da douta sentença recorrida.

    6 - A penhora judicial a penhora de um bem constitui facto sine qua non da sua apreensão, sendo o depositário judicial um auxiliar da justiça que que tem a responsabilidade acrescida de fazer a guarda e depósito do bem penhorado.

    7 – Na administração do bem o depositário judicial deve actuar com a diligência e zelo de um bom pai de família (bónus pater familiae) nos termos consagrados no artigo 487.º n.º 2 do Código Civil.

    8 - Esta função é uma obrigação e deve ser cumprida. Por isso, o depositário judicial incorre em responsabilidade se não cumprir aquilo a que está adstrito.

    9 –Sofrendo o bem penhorado, danos resultantes da violação, pelo depositário judicial, do dever de guarda, é o mesmo responsável pela sua deterioração.

    10 – O tribunal ad quo julgou ter resultado de um evento extrínseco e de força maior, nomeadamente o incêndio que afectou a localidade de Tondela em 15 de Outubro de 2017, os danos sofridos pelo veículo penhorado assim soçobrando qualquer culpa da ré/recorrida.

    11 -Salvo o devido respeito por opinião contrária não resulta dos factos provados que o incendio florestal que afectou a localidade de Tondela em 15 de Outubro se afigure um caso de força maior.

    13- O incêndio atrás referenciado não reúne as características de excepcionalidade e imprevisibilidade. E isto porque; 14 - É sabido e notório que Portugal é assolado, todos os anos por incêndios florestais de grande dimensão.

    15 - Os quais têm a sua maior incidência na Zona norte do País, sendo o Distrito de Viseu um dos distritos que mais ocorrências, focos de incêndio, regista anualmente.

    17 – Na data referida (15 de Outubro de 2017) e para o Distrito de Viseu, a Autoridade Nacional de Proteção Civil emitiu um alerta de GRAU DE RISCO EXTREMO consubstanciado em situação de perigo extremo, com possibilidade da ocorrência de fenómenos de intensidade excecional, dos quais é muito provável que resultem danos muito relevantes e uma redução muito significativa da segurança das pessoas, podendo ameaçar a sua integridade física ou mesmo a vida, numa vasta área.

    18 - A ré/recorrida, conhecedora dos riscos, poderia e deveria ter removido o veículo das suas instalações abrigando-o em local seguro. Até porque; 19 - Os danos que resultaram no veículo – facto provado 6 – não resultaram de contacto direto com o incêndio, mas antes do calor indirecto que provinha do mesmo.

    20 –Sendo suficiente abrigar o dito veículo para que os danos não tivessem ocorrido.

    21 - Ao colocar o veículo, embora dentro das sua instalações, mas ao relento e desabrigado, a ré/recorrida foi a causadora da situação determinante do risco para o veículo do autor.

    22 – No caso em apreço, tendo a ré/recorrida conhecimento de que existia um alerta de grau de risco extremo para a Zona de Tondela, e sendo o bem um bem móvel, facilmente removível e transportado para local diverso, não o fazendo no sentido de proteger o bem penhorado a ré contribui de forma inexorável para que veículo sofresse os danos identificados no facto provado em 6 da douta Sentença proferida pelo Tribunal ad quo.

    23 - Na região geográfica em questão, o incêndio florestal não é contemplável como um caso de força maior ou fortuito e, por isso, não representa uma anomalia resultante de uma cumulação extraordinária de circunstâncias, imprevisível para um cidadão medianamente diligente colocado na posição da ré, (apenas) perante a qual soçobraria o nexo de imputação exigido para o acionamento da responsabilidade civil.

    24- Acresce que, o ónus da prova dos factos que integram o conceito de força maior –um conceito de grande complexidade fática- está a cargo de quem o invoca, nos termos do disposto no artº 342º/2 do Código Civil.

    25- No caso sub judice os factos provados –vide factos 4, 5 e 6 da douta Sentença - revelam que nos dias 15 e 16 de Outubro de 2017, a região centro foi afectada por incêndio de grandes proporções que afectou o concelho de Tondela e a zona industrial da Adiça.

    26 - E que em consequência do sobredito incêndio o calor que provinha do mesmo causou danos ao veículo do autor/recorrente, nomeadamente os descritos no facto provado 6.

    27-Salvo melhor opinião, ficou, assim, por provar a causa excludente em toda a sua extensão, já que a ré/recorrida não provou, como lhe competia, que os danos do veículo ocorreram não só em face do incêndio, mas da sua inevitabilidade e de acontecimento natural fora do alcance do poder humano, sem que para essa “causa” não tenha concorrido qualquer acto ou omissão do devedor, ou seja que o facto também não proceda de culpa da ré/recorrida.

    28- A prova obtida não nos dá senão a visão da verificação do evento. Um evento lesante ocorrido na zona industrial da Adiça, nas instalações da ré/recorrida, local para onde havia sido removido o veículo do autor/recorrente. As condições capazes de excluir a responsabilidade ficaram por evidenciar.

    29- Assim, considerando os deveres de guarda consagrados no artigo 760º do Código de Processo Civil, no caso em apreço a existência de um nexo de causa efeito entre o evento lesivo –...

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