Acórdão nº 4066/20.9T8CBR-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Dezembro de 2020

Magistrado ResponsávelMARIA JOÃO AREIAS
Data da Resolução10 de Dezembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I – RELATÓRIO L... e mulher, O..., vieram, ao abrigo do disposto no artigo 222.º-A do CIRE, intentar o presente processo especial para acordo de pagamento (PEAP).

Admitido liminarmente o requerimento e nomeado Administrador Judicial Provisório, por este foi junta aos autos a lista provisória de créditos prevista no art. 222.º-D, ns. 2 e 3, aplicável por força do art. 17º-I, nº3, ambos do CIRE.

Apresentado acordo de pagamentos e submetido a votação, recolheu o voto favorável de credores cujos créditos representam 61,365% da totalidade dos votos emitidos.

Dentro do prazo previsto no art. 222.º-F, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, vieram os seguintes credores requerer a não homologação do plano: 1. O credor J... – Caixilharia e Construção Metálica, Lda., alegando, em síntese: i) os devedores não cumprem os requisitos legais para o recurso ao PEAP, visto se encontrarem em situação económica difícil ou de insolvência iminente, mas já em situação de insolvência, ii) é manifestamente impossível a estes cumprir o plano, porque os rendimentos mensais que auferem o não permitem; iii) a sua situação ao abrigo do plano é menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, uma vez que, não sendo homologado o plano, é expectável que prossiga a ação executiva que moveu ao devedor, e na qual foi penhorado o quinhão hereditário de que este é titular.

  1. O credor C... invocou igualmente que o plano, ao prever um perdão de 75% do capital e dívida, perdão dos juros vencidos e uma taxa de juro reduzida para o remanescente, o coloca numa situação menos vantajosa do que a que interviria na ausência do mesmo.

    Os devedores responderam ao requerimento do credor J...– Caixilharia e Construção Metálica, Lda defendendo, em síntese útil, que se não encontram em situação de insolvência, a qual, ademais, cabe à maioria dos credores aquilatar, e que o invocado quanto à impossibilidade de cumprimento do plano mais não consiste do que numa opinião do credor. Sustentam também que é falso que a situação do credor ao abrigo do plano seja mais favorável do que na ausência de qualquer plano, uma vez que se o plano não for aprovado o caminho será o da insolvência dos devedores, e que em cenário de liquidação, tendo em conta que o único bem dos devedores é o quinhão hereditário a que o mesmo alude, este receberá menos de 25% do seu crédito.

    Os devedores responderam ainda ao requerimento do credor C..., invocando que o credor não demonstra a alegada situação mais desfavorável ao abrigo do plano, limitando-se a tecer considerações vagas.

    Pelo juiz a quo foi proferido o Despacho, de que agora se recorre, reconhecendo que o Plano de Pagamentos se mostra aprovado pela maioria legalmente necessária, recusando, contudo, a sua homologação, por violação não negligenciável de norma procedimental, com fundamento: i) no manifesto estado de insolvência atual dos devedores e ii) não conter a clara indicação da situação reditícia dos devedores e dos meios que serão afetos à satisfação do acordo de pagamentos.

    * Inconformados com tal decisão, os devedores L... e esposa. dela interpõem recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões: ...

    A decisão recorrida violou designadamente os artigos 222º-A, nº1, 222º-C, nº1, 222º-F nº5, 194º e 215º, todos do CIRE, bem como os artigos 154º do CPC e os 61º, 62º e 203º da CRP.

    Termos em que deve a presente recurso ser aceite e, por via do mesmo, ser a sentença nula por excesso de pronúncia.

    Ainda que assim não se entenda deve ser revogada e substituído por outra que homologue o plano apresentado e aprovado pelos credores nos autos com todas as consequências legais.

    Não foram apresentadas contra-alegações.

    Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.

    II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr. artigos 635º e 639º do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes: 1. Nulidade da sentença nos termos da al. d) do nº 1 do art. 615º CPC; 2.

    Se poderia ter sido recusada a homologação do plano com fundamento na situação de insolvência dos devedores: a. Não caber ao tribunal apreciar a situação económica dos devedores, a não ser em caso de manifesta insolvência; b. Os insolventes não se encontram em estado de insolvência.

  2. Recusa de homologação com fundamento na impossibilidade de incumprimento.

    III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Na decisão recorrida o juiz a quo veio a recusar a homologação do Plano de Pagamentos aprovado nos autos, por violação não negligenciável de norma procedimental, nos termos do art. 215º CIRE, com base em dois distintos fundamentos: i) inadmissibilidade de recurso ao PEAP por manifesto estado de insolvência atual dos devedores e ii) impossibilidade de cumprimento do plano, por não conter a clara indicação da situação reditícia dos devedores e dos meios que serão afetos à satisfação do acordo de pagamentos.

    O tribunal recorrido teve por relevantes os seguintes factos, que não foram objeto de qualquer impugnação: ...

    1. Recusa do plano motivada pelo estado de insolvência dos devedores.

    O tribunal a quo, depois de chamar a atenção para a natureza marcadamente extrajudicial dos processos pré-insolvenciais e o restrito campo de intervenção que ao juiz neles é reservado, conclui no sentido de que, de qualquer modo, “não sendo os poderes dos credores ilimitados, se o processo revelar inequivocamente, e sem lugar a qualquer discussão, que o devedor está em situação de insolvência atual, o juiz deverá obstar ao uso abusivo do procedimento, recusando a homologação do plano por violação não negligenciável de norma procedimental”, veio a recusar a homologação do plano aprovado pelos credores, nos seguintes termos, que aqui se reproduzem: “Consequentemente, tal como sucede no PER, será inadmissível o recurso ao PEAP por credor em situação de insolvência atual, podendo o juiz recusar a homologação do acordo de pagamento aprovado quando o processo revelar inequivocamente e inelutavelmente tal situação. Mister é, contudo, que se trate de uma situação de evidente e comprovada insolvência, dada a inadequação do processo para uma análise finalística da situação económico-financeira do devedor.

    Ora, no caso, decorre manifestamente dos elementos constantes do processo que os devedores se encontram em situação de insolvência atual, e não apenas em situação económica difícil, ou sequer em situação de insolvência iminente.

    Com efeito, os devedores apresentam um passivo global de € 987.225,86, do qual apenas o montante de €38.333,00 respeita a um crédito sob condição sob condição suspensiva, sendo o remanescente não sujeito a qualquer condição e estando integralmente vencido. Os rendimentos mensais auferidos pelos devedores, provenientes do trabalho da devedora e da pensão de reforma do devedor, cifram-se em €1.250,35 mensais, ou seja, em valor correspondente a duas vezes o rendimento mínimo mensal garantido – que constitui, como é sabido, o «mínimo dos mínimos» necessário para uma sobrevivência digna. Os devedores não auferem quaisquer outros rendimentos, e o único bem que lhes é conhecido consiste no quinhão hereditário detido pelo devedor na herança aberta por óbito de L..., avaliado em €38.435,05.

    Neste contexto, não se pode afirmar que os devedores estejam apenas com sérias dificuldades para cumprir pontualmente as suas obrigações, ou que é objetivamente previsível que não serão capazes de cumprir no momento do vencimento das obrigações: é evidente que estes não têm liquidez ou crédito que lhe permitam cumprir as respetivas obrigações já vencidas, que ultrapassam os €900.000,00 e, assim, em situação de insolvência atual.

    Isso mesmo, aliás, reconheceram os devedores, ao tentarem defender-se do pedido de recusa de homologação com fundamento na situação menos favorável para os credores ao abrigo do plano. Veja-se que, a este respeito, os devedores alegaram que, caso o plano não seja homologado, o caminho a seguir será o da respetiva insolvência, e não da prossecução da execução intentada pelo credor J..., Lda., com a consequente liquidação do respetivo património no âmbito do processo insolvencial. Deste modo, expressamente reconhecem que se encontram em situação de insolvência atual, pois apenas esta determinará a necessária abertura de processo de insolvência em caso de recusa de homologação do plano (art. 222.º-G, n.º 4, e art. 3.º, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).

    Pelo exposto, face ao manifesto estado de insolvência atual dos devedores, conclui-se pela verificação de violação não negligenciável de norma procedimental, determinativa da recusa de homologação do acordo de pagamento aprovado.” Insurgem-se os Requerentes contra o decidido, com base na seguinte argumentação, que assim se sintetiza: - a situação de insolvência não se basta com um grande diferencial entre o passivo e o passivo; - o que releva é a vontade dos credores e estes decidiram – por maioria qualificada – a aprovação do plano, pelo que não podia o tribunal ter ido contra a vontade dos credores.

    - ao decidir como decidiu o tribunal conheceu de factos que eram da competência dos devedores e dos seus credores e, em ultima instância, do Administrador Judicial Provisório, sendo a decisão nula ao abrigo do disposto na al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC.

    Comecemos pela invocada nulidade da decisão recorrida por ter conhecido de factos de que não poderia conhecer, cometendo a nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, al. d), do CPC - “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

    Remetido o Plano de Pagamento ao tribunal, o credor J..., Caixilharia...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT