Acórdão nº 597/20.9T8SRE.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Setembro de 2020

Magistrado ResponsávelVÍTOR AMARAL
Data da Resolução22 de Setembro de 2020
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: *** I – Relatório Em autos de execução para pagamento de quantia certa, em que é Exequente – e agora Recorrente – a “Fundação B (…)” (IPSS), com os sinais dos autos, e Executados (ora Recorridos) R (…) e C (…), também melhor identificados nos autos, a quantia exequenda ascende a € 284,99, sendo esse o montante do pedido exequendo e, coerentemente, o valor dado à execução (cfr. petição executiva).

A dado passo da tramitação processual executiva foi proferida a decisão que a seguir se transcreve, a qual não reconheceu à Exequente isenção de custas.

Tal decisão tem este teor: «Sobre a isenção de custas: Em nosso entender, e sempre salvo o devido respeito por diferente e melhor juízo, a isenção de custas à luz do art.º 4.º/1/f) RCP exige que a Exequente esteja a actuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos.

Conforme esclarece SALVADOR DA COSTA [“As Custas Processuais”, 7.ª Edição, 2018, páginas 108 e 109]: “É uma isenção motivada pela ideia de estímulo ao exercício de funções públicas por particulares que, sem espírito de lucro, realizam tarefas em prol do bem comum...

É uma isenção de custas restrita, na medida em que só funciona nos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo respectivo estatuto ou pela lei coincidentes com o bem comum.”.

No caso concreto, a nosso ver, a Exequente não se encontra a actuar exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhe seja aplicável.

A Exequente está apenas a procede à cobrança coactiva de um crédito que não lhe foi voluntariamente satisfeito e que é uma contraprestação de um serviço que presta de forma onerosa.

Não se ignora que já existe alguma jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra que, nas concretas circunstâncias em causa, reconhece à Exequente a invocada isenção de custas.

Obviamente que se tal entendimento se tornar dominante nas 3 secções cíveis do Tribunal da Relação de Coimbra, não obstante o nosso dever de obediência se circunscrever às concretas decisões proferidas em cada um dos processos, deixará de fazer sentido invocar oficiosamente o nosso entendimento quanto à isenção em causa.

Porém, tanto quanto é do nosso conhecimento, não existe o “supra” referido entendimento dominante e, a nosso ver, assiste razão ao voto de vencido proferido no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-01-2020 (9128/18.0T8CBR.C1) que aqui se transcreve: “Voto de vencido Parece-me que não está demonstrado, pela instituição, que não tenha fins lucrativos, como exige a lei.

Tanto assim que a execução é para cobrar valores de propinas que, em princípio, lhe darão algum lucro.

Depois porque este segmento normativo deve ser interpretado restritivamente como defende a melhor doutrina e a maioria da jurisprudência.

Assim: Na doutrina: “É uma isenção de custas restrita, na medida em que só funciona em relação aos processos concernentes às suas especiais atribuições ou para defesa dos interesses conferidos pelo respectivo estatuto, ou pela própria lei, que coincidam com o bem comum...esta isenção não abrange as acções que não tenham por fim directo a defesa dos interesses que lhe estão especialmente confiados pela lei ou pelos seus estatutos” - Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais, 5ª ed., Almedina, 2013, pags. 159 e 160.

Na jurisprudência: Ac. RL de 22.03.2017, p. 22455/16.1T8LSB.L1-4 in dgsi.pt. (como os restantes): 1.- De acordo com a al. f), do nº 1 do artigo 4º do RCP, as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos estão isentas de custas “quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelos respectivos estatutos ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.

  1. -Actua fora das condições referidas na al. f) do nº 1 do artigo 4º do RCP, a Ré, Instituição Particular de Solidariedade Social, no âmbito de uma acção em que é demandada para pagar diferenças salariais e uma indemnização por danos morais em virtude de contrato de trabalho alegadamente existente entre a Autora e a Ré.

    Ac. RG de 14-06-2017, p. 2734/16.9T8BCL-A.G1: I – Estabelece a al. f), do n.º 1 do artigo 4º do RCP que as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos estão isentas de custas “quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelos respectivos estatutos ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.

    II – Esta isenção não abrange, a acção declarativa emergentes de contrato de trabalho interpostas contra a Ré Santa Casa da Misericórdia (…) em que se discute o reconhecimento de diferenças salariais resultantes do contrato de trabalho que vigorou entre Autora e Ré.

    Ac. RG de 04.10.2017, p. 11/14.9TTVRL-A.G1: A isenção prevista no na al. f), do nº 1 do artº 4º do RCP não abrange a acção executiva para pagamento de coima e de custas em que foi condenada a pessoa colectiva privada sem fim lucrativo, em sentença do respectivo recurso de impugnação judicial da decisão proferida por entidade competente, pela prática de contra-ordenação e que se traduziu no funcionamento dum lar de idosos sem que possuísse alvará/licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento.

    RP de 27.06.2018, p. 580/17.1T8ESP-A.P1: A B... não goza de isenção de custas nos pleitos em que reivindica o direito de propriedade sobre um templo onde exerce a sua actividade religiosa.

    Com interesse veja-se também: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 5/2013 , in D.R. n.º 95, Série I de 2013-05-17, que uniformiza a jurisprudência nos seguintes termos: «De acordo com as disposições articuladas das alíneas f) e h) do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais e do artigo 310º/3 do Regime do Contrato de Trabalho na Função Pública, aprovado pela Lei nº 59/2008, de 11 de Setembro, os sindicatos, quando litigam em defesa colectiva dos direitos individuais dos seus associados, só estão isentos de custas se prestarem serviço jurídico gratuito ao trabalhador e se o rendimento ilíquido deste não for superior a 200 UC.”.

    Em conclusão final, em nosso entender, e sempre salvo o devido respeito por diferente e melhor juízo, nas concretas circunstâncias em que a Exequente litiga nos presentes autos, não se encontra abrangida pela a isenção de custas prevista no art.º 4.º/1/f) RCP».

    Sobre quem realiza as diligências do processo executivo em que o exequente goza de dispensa ou de isenção de custas exarou-se: A segunda parte do despacho com a referência 82567916 de 22-04-2020, permite-nos, desde já, e sem que isso possa constituir uma decisão surpresa para a Exequente, que assim poderá amplamente impugnar tal decisão, deixar claro e decidir a quem, a nosso ver, incumbe a tramitação do Processo Executivo quando o exequente goza de dispensa ou de isenção de custas.

    Se bem interpretamos o contraditório da Exequente, esta, entendendo que goza de isenção de custas, questiona por que motivo o Tribunal se imiscui na sua opção por intentar a Acção Executiva com a designação de Agente de Execução (art.º 720.º/1 CPC) em detrimento da sua tramitação por Oficial de Justiça (art.º 722.º CPC), alegando que tal é não só processualmente indiferente como é economicamente mais favorável para o Estado.

    A razão é simples. É que, de todo, não é indiferente para o executado.

    Vejamos: O Agente de Execução, assim como o Administrador de Insolvência, é um auxiliar da justiça (art.º 162.º/1 do Estatuto da Ordem dos Solicitadores e dos Agentes de Execução) e, ao contrário do que se possa pensar a partir da prática de todos os dias, mesmo que designado pelo exequente, não é (nem se pode comportar como) um mandatário ou representante do exequente de quem é independente no exercício dos seus poderes de autoridade pública (art.os 119.º e 162.º/3 OSAE).

    Porém, ao contrário do que ocorre na Insolvência, na Acção Executiva o Estado não optou por custear o auxiliar da justiça que tramita o Processo Executivo.

    O Estado optou antes por impor ao exequente o pagamento dos honorários e despesas do Agente de Execução (art.º 721.º/1 CPC).

    Assim, todas as quantias que o Estado obriga o exequente a despender com o Agente de Execução para aceder ao direito de execução constituem custas de parte do exequente [art.º 533.º/2/c) CPC], as quais serão reembolsadas ao exequente e suportadas, a final, pelo executado de forma precípua pelo produto da venda dos bens penhorados (art.º 541.º CPC).

    Deste modo, o Estado teve que encontrar outra solução para permitir o acesso ao direito de execução pelos exequentes que se encontram dispensados ou isentos do pagamento de custas.

    Para estes casos, optou o Estado por manter – para si próprio, para o Ministério Público, para a generalidade dos isentos ou dispensados de custas, e para outras situações (art.º 722.º CPC) – o Oficial de Justiça a desempenhar, de forma gratuita para ambas as partes (exequente e executado) – as funções que na Acção Executiva passaram a ser da competência do Agente de Execução.

    Em síntese, o Estado assegura a quem está dispensado ou isento de custas o acesso à justiça executiva de forma gratuita por intermédio do Oficial de Justiça.

    O recurso à designação de Agente de Execução para a tramitação da Acção Executiva por quem está dispensado ou isento de custas implica o voluntário pagamento de custas que não lhe são exigidas pelo Estado para aceder ao direito de execução.

    Seria efectivamente indiferente para as partes e apenas benéfico para o Estado se o exequente que voluntariamente paga custas para aceder à justiça executiva com designação de Agente de Execução as suportasse definitivamente.

    Porém, assim não é.

    O exequente vai pretender obter o precípuo...

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