Acórdão nº 1783/09.8T2AVR-B.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Abril de 2011
Magistrado Responsável | FONTE RAMOS |
Data da Resolução | 05 de Abril de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Nos autos de insolvência pendentes no Tribunal Judicial da Comarca do Baixo Vouga/Juízo de Comércio de Aveiro, referentes a J (…) veio a mesma requerer a exoneração do passivo restante, nos termos do disposto nos art.ºs 235º e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa/CIRE[1] (aprovado pelo DL n.º 53/2004, de 18.3).
Apreciando da respectiva admissibilidade nos termos do art.º 238º do mesmo diploma, o tribunal recorrido admitiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e considerando “o critério a que alude o art.º 239º, n.º 3 do CIRE, que exclui do rendimento disponível a afectar à satisfação dos créditos do insolvente o montante que constitua o sustento minimamente digno do devedor, entendendo o legislador ordinário como o mínimo para salvaguardar uma vivência condigna o salário mínimo nacional”, determinou “que o rendimento disponível da devedora/insolvente, objecto da cessão ora determinada, seja integrado por todos os rendimentos que à insolvente advenham a qualquer título, desde que em quantia superior ao salário mínimo nacional”.
Inconformada com esta decisão e visando a sua revogação (e substituição por outra que determine que integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer titulo à recorrente, com exclusão do valor dos rendimentos directamente auferidos pela insolvente até ao montante de três vezes o salário mínimo nacional que em cada momento vigorar), a insolvente interpôs o presente recurso de apelação formulando as conclusões que assim vão sintetizadas: 1ª - Atento o disposto no n.º 3, do art.º 239º, do CIRE, a intenção do legislador foi a de fixar um limite mínimo relativo ao rendimento que entende ser o razoável para o sustento digno do devedor e do seu agregado familiar, determinando que esse “mínimo” corresponde a três vezes o salário mínimo nacional.
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- A lei apenas impõe ao juiz a necessidade de fundamentar a sua decisão quando o valor que considere minimamente digno para o sustento do devedor e do seu agregado familiar exceder aquele montante “mínimo”.
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- Está em causa não só o sustento do próprio devedor, como igualmente o sustento do seu agregado familiar.
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- Atendendo ao valor mensal do rendimento indisponível fixado à recorrente muito dificilmente conseguirá viver condignamente, tendo em conta que contribui para as despesas mensais que a sua mãe tem (com a qual reside) e vê-se obrigada a arcar com a despesa diária de €13 (treze euros) apenas em alimentação, já que é forçada a fazer refeições fora de casa - por trabalhar num estabelecimento comercial, dentro de um Centro Comercial, o que não raras vezes obriga a que o seu horário de trabalho seja rotativo -, despendendo, assim, a quantia aproximada de € 300, apenas nessas refeições[2].
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- O critério adoptado pelo legislador foi o do “sustento minimamente digno”, não se podendo considerar que alguém que aufere mensalmente valor equivalente ao fixado à recorrente vive dignamente - sustento minimamente digno não se pode confundir com mínimo de sobrevivência.
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- A corroborar a posição assumida pelo recorrente temos o disposto no art.º 824º, n.º 2, do C.P.C., na redacção que lhe foi dada pelo DL n.º 226/2008, de 20.11, que estabelece que “a impenhorabilidade prescrita no número anterior tem como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão...”.
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- O legislador equiparou a legislação processual civil à legislação que regula a insolvência, pois caso assim não fosse teríamos situações diversas dentro do mesmo ordenamento, o que poderia levar a situações de manifesta injustiça.
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- A apresentação de pessoas singulares à insolvência constitui um incentivo aos próprios insolventes singulares, tendo em conta a possibilidade de se exonerarem do passivo que, eventualmente, permanecer por liquidar, evitando-se, ainda, a interposição de dezenas de milhares de execuções.
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- A Mm.ª Juíza a quo fez uma errada interpretação e aplicação do preceito contido na subalínea i), da alínea b), do n.º 3, do art.º 239º, do CIRE.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Com a concordância dos Exmos. Ajuntos, dispensaram-se os vistos.
Atento o referido acervo conclusivo (delimitativo do objecto do recurso nos termos dos art.ºs 684º, n.º 3 e 685º-A, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil, com a redacção conferida pelo DL n.º 303/07, de 24.8), coloca-se, sobretudo, a questão de saber se o Tribunal recorrido fixou montante adequado a título de rendimento disponível da devedora/insolvente e se o fez respeitando o respectivo quadro normativo.
* II. 1. Para além do que decorre do precedente “relatório”, releva ainda a seguinte factualidade:
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A recorrente apresentou-se à insolvência em 30.10.2009.
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Alegou e/ou decorre dos documentos juntos aos autos, designadamente: - Iniciou a actividade de comércio a retalho de vestuário para adultos em Junho de 2003, através de loja aberta ao público, tendo cessado tal actividade em 31.12.2003; - De forma a instalar e iniciar a sua actividade, recorreu a diversos créditos pessoais junto de variadas entidades financeiras, gerando uma situação de endividamento a título pessoal; - A loja que manteve aberta ao público não prosperou; - Os cartões de crédito que usava foram utilizados para liquidar algumas das despesas provenientes da loja e para fazer face a diversas despesas do dia-a-dia da requerente; - Viu-se forçada a “contrair crédito” junto de instituições bancárias e financeiras para tentar resolver alguns incumprimentos, entrando numa “espiral de crédito” que não mais conseguiu resolver; - Durante todo o lapso de tempo que decorreu desde o encerramento da loja conseguiu, com bastantes dificuldades, liquidar a maioria das suas obrigações mas em Agosto de 2009 começou a incumprir de forma generalizada os compromissos assumidos junto dos seus credores, em razão do valor das prestações mensais que ficou obrigada a liquidar e que ascendia a € 1 807,97, superior ao rendimento mensal auferido; - Ascendendo a totalidade dos seus “débitos” ao montante de € 21 824,90; - Como trabalhadora por conta de outrem (“1ª caixeira”) aufere o rendimento mensal...
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