Acórdão nº 1884/09.2T2AVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelARTUR DIAS
Data da Resolução05 de Abril de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1.

RELATÓRIO J…, solteiro, maior, comerciante, residente na Av. …, intentou em 10/11/2009, acção declarativa, com processo comum e forma ordinária, contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I. P.

, com sede na ..., pedindo se declare o A. como titular das prestações por morte decorrentes do óbito do seu companheiro, A…, e se condene o R. a reconhecê-lo, com as legais e ulteriores consequências, com efeitos retroactivos à data do falecimento daquele, ocorrido em 13/02/2009.

Para tanto e em resumo, alegou que viveu em união de facto durante mais de 20 anos, sem interrupção, com o falecido A…, beneficiário da Segurança Social, como um casal assumido, embora ambos solteiros, em perfeita economia comum; eram únicos sócios de um estabelecimento comercial, faziam as despesas comuns, auxiliavam-se mutuamente e assumiram, em conjunto, entre outras, todas as despesas escolares, médicas e extra curriculares de C… que desde a nascença ficou ao exclusivo encargo do A. e seu companheiro; neste momento não recebe salário, tem a seu cargo o referido C… e cuida ainda da mãe do falecido companheiro, encargos que determinam despesas avultadas para além das relativas à economia doméstica; não pode socorrer-se das pessoas que estariam legalmente obrigadas a prestar-lhe alimentos, pois os seus pais vivem modestamente de reformas no valor aproximado de 700,00 € e outros parentes vivem em difíceis condições económicas, não sendo conhecidos quaisquer rendimentos e/ou bens propriedade do falecido B…; julga, assim, o A. que deve ser reconhecido, à semelhança de um viúvo, como titular do direito às prestações por morte daquele, de acordo com o estabelecido no art.º 8º do DL 322/90, de 18/10, no Dec. Reg. nº 1/94, de 18/01 e na Lei nº 7/01, de 11/05.

O R. contestou, impugnando os factos alegados pelo A., à excepção da morte do B… e do facto de este ser beneficiário da Segurança Social.

Saneada e condensada a causa, foi, já na fase da instrução, proferido o despacho de fls. 80 a 84, julgando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide [artº 287º, al. e) do CPC], motivada pela entrada em vigor da Lei nº 23/2010, de 30/08, que alterou a Lei nº 7/2001, instituindo novo regime que se entendeu ser de aplicação imediata à situação do A.

Inconformado, o R. interpôs recurso, encerrando a alegação que apresentou com as conclusões seguintes: […] Não foi apresentada resposta.

Nada obstando a tal, cumpre apreciar e decidir.

*** Tendo em consideração que: - O objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil[1]); - Nos recursos se apreciam questões e não razões; - Os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, as duas questões a decidir são as de saber se (1) o novo regime de atribuição das prestações por morte de beneficiário da segurança social não casado ou judicialmente separado de pessoas e bens à pessoa que com ele vivesse em união de facto há mais de dois anos, introduzido pelas alterações da Lei nº 7/2001, de 11/05, operadas pela Lei nº 23/2010, de 30/08, é ou não aplicável ao caso dos autos e (2) se da aplicação desse regime resulta inutilidade superveniente da lide e, consequentemente, a extinção da instância.

*** 2.

FUNDAMENTAÇÃO 2.1.

De facto A factualidade e incidências processuais relevantes para o conhecimento e decisão do recurso são as que decorrem do antecedente relatório que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

*** 2.2.

De direito 2.2.1.

Aplicabilidade do novo regime O A. fundamentou juridicamente o seu pedido no regime de acesso às prestações por morte dos beneficiários da segurança social instituído no Decreto-Lei nº 322/90, de 18/10, no Decreto Regulamentar nº 1/94, de 18/01 e na Lei nº 7/2001, de 11/05.

O Decreto-Lei nº 322/90 definiu e regulamentou a protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do regime geral de segurança social (artº 1º, nº 1), consubstanciando tal protecção, em termos gerais, na atribuição das prestações pecuniárias denominadas pensões de sobrevivência e subsídio por morte (artº 3º, nº 1) aos cônjuges e ex-cônjuges, descendentes, ainda que nascituros, incluindo os adoptados plenamente, e ascendentes (artº 7º, nº 1).

No artº 8º estendeu aquele diploma o direito às prestações por morte dos beneficiários da segurança social às pessoas que se encontrem na situação prevista no nº 1 do artº 2020º do Código Civil, subordinando a prova da verificação daquela situação e a determinação das condições de atribuição das prestações a um processo a definir através de decreto regulamentar.

O nº 1 do artº 2020º do Cód. Civil estabelecia que “aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido, se os não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º”.

As alíneas a) a d) do nº 1 do artº 2009º indicam a ordem das primeiras[2] pessoas obrigadas a alimentos, a qual começa pelo cônjuge ou ex-cônjuge [a)], abrangendo seguidamente os descendentes [b)], os ascendentes [c)] e os irmãos [d)].

O processo a que faz menção o artº 8º, nº 2 do Decreto-Lei nº 322/90 foi definido pelo Decreto Regulamentar nº 1/94. Aí se reiterou que tem direito às prestações por morte a pessoa que, no momento da morte de beneficiário não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, vivia com ele há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges (artº 2º), ficando a respectiva atribuição dependente de sentença judicial que lhe reconheça o direito a alimentos da herança do falecido nos termos do disposto no artigo 2020º do Código Civil (artº 3º, nº 1). No caso de não ser reconhecido tal direito, com fundamento na inexistência ou insuficiência de bens da herança, o direito às prestações depende do reconhecimento judicial da qualidade de titular daquelas, obtido mediante acção declarativa interposta, com essa finalidade, contra a instituição de segurança social competente para a atribuição das mesmas prestações (artº 3º, nº 2).

O requerimento das prestações por morte, a conceder ao abrigo do diploma em análise, deveria ser acompanhado de certidão da sentença judicial que fixasse o direito a alimentos ou declarasse a qualidade de titular das prestações por morte (artº 5º).

A situação foi objecto de nova abordagem legislativa através da Lei nº 135/99, de 28/08, em cujo artº 3º, al. f) se reafirmou que...

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