Acórdão nº 2427/08.0TBAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 12 de Abril de 2011

Magistrado ResponsávelCARLOS GIL
Data da Resolução12 de Abril de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em audiência, os juízes abaixo-assinados da segunda secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: 1. Relatório A 16 de Julho de 2008, no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, C (…) instaurou acção declarativa sob forma ordinária contra A (…) pedindo que se declare válida a resolução do contrato-promessa de compra e venda efectuada pelo autor ao réu e por culpa exclusiva deste e que o réu seja condenado a pagar ao autor a quantia de € 38.000,00 e juros de mora contados à taxa legal, a partir da citação.

Em síntese, para fundamentar as suas pretensões, o autor alega que, a 13 de Junho de 2003, por documento escrito, prometeu comprar ao réu, que prometeu vender, uma fracção autónoma, sita na freguesia de ..., pelo preço de € 77.350,00, tendo logo entregue a título de sinal a quantia de € 19.000,00, acordando ambos que a escritura pública de compra e venda seria celebrada durante o primeiro semestre de 2005, devendo o alçado traseiro do edifício em que se insere a fracção autónoma ser protegido e dotado de um gradeamento, sendo o promitente vendedor informado que o autor pretendia adquirir a fracção apenas para efeito de investimento.

Alega que só em Dezembro de 2007 foi comunicada ao autor a possibilidade de realização da escritura de compra e venda prometida, tendo o autor comunicado a falta de interesse na celebração do contrato prometido por não ter sido cumprido o prazo acordado para a sua celebração e porque tal atraso inviabilizou a expectativa de lucro que o motivou a outorgar o contrato-promessa, além de que não foi colocado o gradeamento decorativo e de protecção no alçado posterior do prédio, pelo que pretendia a resolução do contrato-promessa, salvo se fosse colocado o gradeamento na fachada traseira do prédio e fosse reduzido o preço da prometida compra e venda.

A 16 de Maio de 2008, o autor recebeu uma carta do réu em que lhe dava o prazo de dez dias para manifestar por escrito a intenção de formalizar o contrato por escrito, sob pena de considerar o incumprimento definitivo e resolvido o contrato-promessa, tendo o autor respondido a 20 de Maio de 2008, também por carta, declarando que o contrato prometido só lhe interessaria se o réu aceitasse a redução do preço em quinze mil euros e mandasse colocar na fachada o gradeamento de protecção e estético em falta, concedendo ao réu dez dias para a aceitação, sob pena de se considerar de imediato resolvido o contrato-promessa por perda de interesse do autor, não tendo o réu dado qualquer resposta a esta última carta.

Efectuada a citação do réu para, querendo, contestar, o mesmo veio impugnar parte da factualidade articulada pelo autor e deduziu reconvenção pedindo que se declare válida a resolução do contrato-promessa, por culpa exclusiva do autor, declarando-se perdido a favor do réu o valor entregue pelo autor a título de sinal, porquanto o contrato prometido apenas se não celebrou em virtude do autor, invocando indisponibilidade de meios financeiros, não se ter disponibilizado para o efeito.

O autor replicou impugnando parte dos factos articulados pelo réu na contestação-reconvenção.

Findos os articulados fixou-se o valor da causa, dispensou-se a realização de audiência preliminar, proferiu-se despacho saneador tabelar e procedeu-se à condensação da factualidade considerada relevante para a boa decisão da causa, discriminando-se os factos assentes dos controvertidos, estes a integrar a base instrutória.

Após isso, ambas as partes ofereceram os seus meios de prova, requerendo a gravação da audiência.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com gravação da prova pessoal aí produzida, respondendo-se, de seguida, à matéria incluída na base instrutória.

A 16 de Agosto de 2010 foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e procedente a reconvenção, declarando-se válida a resolução do contrato-promessa por incumprimento definitivo do autor, sendo o autor condenado à perda a favor do réu da quantia entregue a título de sinal.

Inconformado com a sentença, o autor interpôs recurso de apelação contra a mesma, oferecendo as seguintes conclusões: “i. Não foi decidida de conformidade com a prova produzida a matéria de facto constante dos nºs. 1,,2.,3, e 5, que deveriam aqueles ser julgados totalmente provados e o último não provado; ii. Do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre tais pontos, incluindo a prova gravada, impondo,. Salvo melhor entendimento, decisão diversa da que foi produzida, pelo que deve a mesma ser alterada de conformidade, ao abrigo do disposto no artº 712º, nº 1, al. a) e b) do C.P.C.

iii. A visita ao local, a solo, pelo Mmo. Juiz do processo, desacompanhado das partes ou dos seus mandatário, sem prévia notificação aos mesmos, constitui inspecção judicial nula, por contrária à lei e, como assim, não tem validade.

iv. No contrato em causa, foi estabelecido um prazo para a realização de escritura, dentro do 1º semestre de 2005 e em função do fim para que o contrato foi celebrado, a mora verificada na realização da escritura, por culpa do Réu, que só a marcaram e puderam marcar para o início do ano de 2008, fundamenta a perda de interesse no contrato pelo Autor, e o seu incumprimento definitivo por parte do Réu, nos termos do artº 808º, nº 1, 1ª parte, do C. Civil, dando causa à sua resolução; v. Além disso, essa perda de interesse no contrato, incumprimento definitivo e resolução é também fundada na divergência do respectivo objecto, traduzida em que a fracção construída e a entregar não correspondia à prometida, pela falta de gradeamento metálico, como se espera ver provado, no alçado do prédio, ou apenas ripado de madeira, e o Autor não poderia ser forçado a comprar aquilo que não contratou; vi. A interpelação admonitória efectuada pelo reconvinte ao Autor não tinha os elementos e conteúdoi previstos na 2ª parte do nº 1 do artº 808º do C.Civil e, assim sendo, não foi efectuada de forma válida e eficaz, pelo que não poderia ser declarada, com esse fundamento, válida a resolução do contrato por culpa do Autor.

vii. Foram erradamente interpretadas e aplicadas as normas constantes dos artºs. 236º, nº 1, e 808º, nº 1 do C. Civil.” O recorrente pede que no provimento do recurso por si interposto seja revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue a acção procedente e a reconvenção improcedente ou, se assim não for entendido, que a acção e a reconvenção sejam julgadas improcedentes.

O réu ofereceu contra-alegações pugnando pela total improcedência do recurso interposto pelo autor.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

2. Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 684º, nº 3 e 685º-A nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redacção aplicável a estes autos), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil 2.1 Da nulidade da inspecção judicial realizada fora da audiência de discussão e julgamento sem intervenção das partes e dos seus mandatários; 2.2 Da impugnação das respostas aos artigos 1º a 3º e 7º[1] da base instrutória; 2.3 Da fixação de prazo para celebração do contrato prometido, da existência de perda objectiva de interesse por parte do autor na celebração do contrato prometido por causa da mora do réu, da divergência do objecto cuja compra foi prometida com o que foi construído e da ineficácia da interpelação admonitória do réu ao autor.

  1. Fundamentos 3.1 Da nulidade da inspecção judicial realizada fora da audiência de discussão e julgamento sem intervenção das partes e dos seus mandatários Nas conclusões das alegações, o recorrente arguiu a nulidade da visita ao local efectuada a solo pelo Sr. Juiz a quo, sem ter sido acompanhado pelas partes ou pelos seus mandatários.

    Apesar da invocação desta nulidade, no petitório final, o recorrente não extrai consequências jurídicas congruentes com o vício invocado. Na verdade, a verificar-se a apontada nulidade, tal vício deveria afectar pelo menos a decisão da matéria de facto em que tal acto foi relevado, bem como os actos subsequentes. Certo é que o recorrente não pugna pela anulação da decisão da matéria de facto e dos actos subsequentes, pelo que a arguição da nulidade parece traduzir-se num mero protesto contra o concreto acto praticado, sem quaisquer outras consequências jurídicas.

    Apreciemos.

    O juiz deve observar ao longo de todo o processo o princípio do contraditório (artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil) e apenas nos casos excepcionais[2] previstos na lei serão admitidas ou produzidas provas, sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas (artigo 517º, nº 1, do Código de Processo Civil).

    A inspecção judicial é uma diligência probatória em que o tribunal visa percepcionar directamente factos que interessem à decisão da causa (artigos 390º do Código Civil e 612º, nº 1, este do Código de...

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