Acórdão nº 10/08.0GALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 23 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelJORGE JACOB
Data da Resolução23 de Novembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – RELATÓRIO: Nestes autos de processo comum que correram termos pelo 2º Juízo do Tribunal Judicial de Porto de Mós, após julgamento com documentação da prova produzida em audiência, foi proferida sentença absolvendo o arguido A... do crime de cultivo de substâncias estupefacientes p. p. pelo art. 40º, nºs 1 e 2, do DL nº 15/93, de 22/01, com referência à Tabela I-C.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso, retirando da respectiva motivação as seguintes conclusões: 1º . O tribunal a quo, julgou incorrectamente, em nosso entender, os factos incisos na acusação pública, a saber: “Em data não concretamente apurada do ano de 2008, o arguido, A... plantou, para seu consumo, 45 (quarenta e cinco) pés de cannabis, com o peso de 638,200 gr., num pinhal situado próximo da sua residência, na localidade de …, em Porto de Mós.

O arguido cuidou do crescimento das referidas plantas, regando e tratando das mesmas.

O arguido agiu de forma deliberada, livre, consciente.

Actuou com intenção de cultivar as referidas plantas de cannabis, o que logrou concretizar, bem sabendo que as referidas plantas se tratavam de produto estupefaciente.

Determinou-se à adopção do comportamento descrito, apesar de saber que o mesmo era proibido e punido por lei penal”.

  1. Todavia, deveria o tribunal recorrido ter julgado provados tais factos, na medida em que o depoimento das testemunhas arroladas pelo Ministério Público, B... e C…, militares da GNR, impõem conclusões diversas das retiradas pelo tribunal a quo.

  2. Tais depoimentos, conjugados com as regras da experiência comum, eram suficientes para decidir a matéria de facto em sentido oposto ao decidido.

  3. Também o relatório pericial junto a fls. 122 dos autos era suficiente para dar como provado que a quantidade de produto estupefaciente apreendido (folhas de cannabis) era de 638,200 gr.

  4. Caso assim se não entendesse - poder-se-á dizer que a quantidade de produto estupefaciente em causa é incompatível com o mero consumo pessoal - sempre restaria a conclusão lógica que tal produto se destinaria ao tráfico. Também, neste caso, se nos afigura que não haveria dúvidas em afirmar que o arguido era detentor do referido produto estupefaciente. Também nesta situação deveria ter havido lugar a prolação de despacho, nos termos do disposto no artigo 359º do Código de Processo Penal.

  5. Pelo exposto, modificando a douta decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, no sentido de julgar provada toda a matéria de facto constante da acusação, condenando, em consequência, o arguido A... pelo crime de que vinha acusado, farão V. Exªs (…) Justiça.

Não houve resposta.

Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto limitou-se a apor o seu visto.

Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.

Constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na respectiva motivação, sem prejuízo da matéria de conhecimento oficioso.

No caso vertente e vistas as conclusões do recurso, a questão a apreciar em primeira linha é a de saber se face à prova produzida em audiência deveriam ter sido considerados provados os factos da acusação que na sentença se tiveram como não provados, condenando-se o arguido pelo crime que lhe havia sido imputado na acusação.

* * II - FUNDAMENTAÇÃO: Na sentença recorrida tiveram-se como provados os seguintes factos: 1.) – No dia 28 de Julho de 2008, o arguido cuidou do crescimento das plantas de Cannabis, plantadas num pinhal situado próximo da sua residência, na localidade de …, em Porto de Mós, regando-as; 2.) – Presentemente o arguido encontra-se desempregado; 3.) – O arguido possui diversos antecedentes criminais, designadamente: pela prática, em 23/06/89, de um crime de consumo de estupefaciente, tendo sido punido com a pena de 45 dias de prisão, substituída por multa; pela prática, em 16/02/91, de um crime de roubo, punido com a pena de 05 anos e 09 meses de prisão; pela prática, em 07/02/91, de um crime de furto qualificado, punido com a pena de 20 meses de prisão; em cumulo jurídico, no âmbito do proc. nº 84/91, na pena de 07 anos de prisão; em cumulo jurídico, no âmbito do proc. nº 105/91, na pena de 11 anos de prisão; pela prática, em 02/91, de um crime de furto qualificado, na pena de 14 anos de prisão; em cumulo jurídico, no âmbito dos procs. nºs 58/91- Alcobaça, 880/91 – Pombal, 43/91-Leiria, 261/91-Alenquer, na pena de 18 anos de prisão; pela prática, 23/02/2002, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 06 meses de prisão; pela prática, 13/02/2008, de um crime de condução sem habilitação legal, punido com 04 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, sujeita a regime de prova.

Relativamente ao não provado foi consignado o seguinte: Não se provaram os seguintes factos: a) - Em data não concretamente apurada no ano de 2008, o arguido A... plantou, para seu consumo, 45 (quarenta e cinco) pés de Cannabis, com o peso de 638,200 gramas, num pinhal situado próximo da sua residência, na localidade de …, em Porto de Mós; b) - O arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente; c) - Actuou com intenção de cultivar as referidas plantas de Cannabis, o que logrou concretizar, bem sabendo que as referidas plantas se tratavam de produto estupefaciente; d) - Determinou-se à adopção do comportamento supra descrito, apesar de saber que o mesmo era proibido e punido por lei penal; A convicção do tribunal recorrido quanto à matéria de facto foi fundamentada nos seguintes termos: O Tribunal fundou a sua convicção na análise critica da prova produzida e examinada em audiência de acordo com a sua livre convicção e as regras da experiência comum como impõe o art. 127º do Código de Processo Penal e como, doravante se passa a explicitar.

Primeiramente, face à ausência do arguido, não foi possível obter a sua versão dos factos em apreço.

Do restante cotejo da prova produzida em sede de audiência de julgamento, designadamente dos depoimentos dos agentes de autoridade B… e C… só foi possível apurar que no âmbito de uma acção de fiscalização, motivada por uma denúncia dando conta da existência de uma plantação de Cannabis, os mesmos procederam a uma vigilância ao local, no dia 28/07/08, tendo, então, detectado o arguido a dirigir-se à mencionada plantação com um bidão de água na mão. E não obstante não terem presenciado o arguido a regar a plantação de Cannabis, o certo é que passados alguns minutos verificaram que o solo se encontrava húmido. De igual modo procederam no dia seguinte e quando o arguido se deslocava novamente para o local em questão, procederam à sua identificação e detenção.

Com efeito, verifica-se que os agentes de autoridade não puderam ou não conseguiram visualizar o arguido a regar as plantas, mas também não detectaram qualquer outro vestígio ou artigo ligado ao cultivo ou consumo de Cannabis, nem mesmo após a realização de busca à habitação daquele foi possível apurar qualquer substância, produto estupefaciente ou elemento probatório capaz de indiciar o arguido com o cultivo ou o consumo deste tipo de substância psicotrópica.

De resto mais nenhuma diligência foi efectuada com a virtualidade de determinar o concreto proprietário das plantas ou do terreno onde as mesmas se encontravam plantadas.

Ora, aqui chegados, cabe salientar que tais elementos probatórios afiguram-se-nos insuficientes para a condenação do arguido pelos factos de que vem acusado.

Na verdade, estes elementos probatórios, ainda...

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