Acórdão nº 4503/08.0TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 22 de Novembro de 2011

Magistrado ResponsávelJUDITE PIRES
Data da Resolução22 de Novembro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I.RELATÓRIO 1. M (…), divorciada, residente na Rua (…)., Leiria, instaurou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra C (…), casado, residente na Rua (…), Leiria, pedindo, a seu favor, a fixação de prestação de alimentos, em quantia nunca inferior a 750,00 € mensais, a pagar pelo Réu até ao dia oito de cada mês a que disser respeito, com início em Julho de 2008.

Para o efeito alega, em síntese, que foi casada com o Réu durante 32 anos, tendo o casamento sido dissolvido por divórcio, decretado no processo de divórcio por mútuo consentimento que correu termos, sob o nº 85/91, no 1º Juízo do Tribunal de Círculo de Leiria, e no qual foi acordado entre ambos que o requerido lhe pagaria, a título de alimentos, as seguintes quantias mensais: 60.000$00, 80.000$00 e 100.000$00, respectivamente nos anos de 1991, 1992 e 1993.

Adianta a Autora que só após o divórcio iniciou actividade laboral, estando reformada desde 2007, auferindo mensalmente de reforma a quantia líquida de € 632,20 por mês, sendo este o seu único rendimento.

Refere ainda que, continuando no estado civil de divorciada, tem despesas, algumas das quais enuncia com referência aos respectivos valores, que não consegue suportar com o rendimento proveniente da sua pensão de reforma.

Ainda segundo a Autora, o Réu aufere, em serviços de gestão financeira, de consultadoria que presta para diversas empresas, um rendimento mensal no valor de cerca de € 3.000,00, recebendo ainda uma pensão de reforma da Segurança Social no valor mensal de cerca de € 2.000,00, dispondo de uma situação económica desafogada, que lhe permite suportar a prestação de alimentos que requer.

Regularmente citado o Réu apresentou contestação, a qual, todavia, por ter sido considerada extemporânea, foi mandada desentranhar, tendo sido considerados confessados todos os factos alegados na petição inicial, nos termos do artigo 484º nº1 do Código de Processo Civil.

Notificadas as partes, nos termos do artigo 484º, nº2 do Código de Processo Civil, a Autora alegou por escrito, concluindo pela procedência da acção e pela condenação do Réu no pedido.

O Réu alegou igualmente por escrito, alegando que o direito a alimentos ao fim de dezassete anos de divórcio configura um verdadeiro abuso de direito, defendendo, caso assim se não entenda, que a prestação deve fixar-se em valor na ordem dos 375,00€.

Considerada válida e regular a instância, foi então proferida decisão final que, julgando parcialmente procedente a acção, condenou o Réu a pagar à Autora, a título de alimentos definitivos, a quantia mensal de € 500.00 (quinhentos euros), bem como a pagar-lhe alimentos vencidos desde a data da propositura da acção, absolvendo-o do demais peticionado.

  1. Não se conformando com tal decisão, dela veio o Réu interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões: “1. A decisão recorrida condenou o réu a pagar à autora a título de alimentos definitivos a quantia mensal de € 500,00 desde a data da propositura da acção.

  2. O recorrente não se conforma com a decisão na parte que fixou os alimentos em € 500,00 e na parte que julgou improcedente o alegado abuso de direito.

  3. Quanto à questão do valor dos alimentos, resulta provado da conjugação dos pontos 12, 13, 14 e 15 da matéria de facto, que a autora, tem despesas mensais no valor de € 298,485.

  4. O que significa que auferindo a autora de reforma a pensão mensal de € 263,76 (ponto 7. dos factos provados) apenas necessita de € 34,725 para fazer face àquelas despesas que comprovou nos autos.

  5. Donde se mostra claramente injustificada e infundada a quantia mensal de € 500,00 fixada a título de alimentos definitivos.

  6. Mas ainda que assim não se entenda, os autos fornecem-nos um dado objectivo por si capaz de demonstrar que a quantia fixada carece de fundamento.

  7. Mas ainda que assim não se entenda, resulta do ponto 10. da matéria de facto que em 2007 a autora auferia a quantia liquida de € 637,20.

  8. Até àquela data a autora não sentiu necessidade de requerer alimentos. O que significa que aquela quantia era suficiente para prover às suas despesas.

  9. Ora se a autora aufere de reforma a pensão mensal de € 263,76, significa que apenas necessita que o réu lhe preste alimentos em quantia na quantia de € 373,44.

  10. Concluindo-se assim que face à matéria de facto provada que o valor atribuído a título de alimento é excessivo, devendo fixar-se no máximo em € 375,00.

  11. Por outro lado e conforme se deixou alegado, o réu entende que o alegado abuso de direito deveria ter sido julgado procedente.

  12. O Tribunal entendeu que o réu não produziu prova do alegado abuso de direito.

  13. Salvo o devido respeito, a questão submetida à apreciação do Meritíssimo Juiz, não carecia de qualquer outra prova, uma vez que os autos fornecem os elementos necessários à apreciação da questão.

  14. Com efeito, não sofre contestação que o divórcio fora decretado há 17 anos. É o que resulta do ponto 2. da matéria de facto provada.

  15. A questão que se colocou foi e é de direito.

  16. A questão que se colocou e coloca é saber, por um lado, se volvidos 17 anos sobre o decretamento do divórcio, um dos cônjuges pode ao abrigo do disposto no art.º 2016º do CC, requerer que o outro preste alimentos, ou se, ainda que tal hipótese possa estar configurada naquele artigo, o seu exercício não redundará em abuso de direito.

  17. Entendemos, salvo melhor opinião, que a situação dos autos não tem cabimento naquele preceito.

  18. Aquela norma refere-se ao momento em que o divórcio é decretado ou num momento próximo em que, por força do divórcio, um dos cônjuges venha a manifestar necessidade de alimentos.

  19. Nunca a possibilidade de o fazer volvidos 17 anos sobre o divórcio! 20. Tal é inaceitável e não pode deixar de configurar em verdadeiro abuso de direito.

    Nestes termos e nos melhores de direito, deve ao presente recurso ser concedido provimento, revogando-se a douta sentença, como é de JUSTIÇA”.

    A recorrida contra – alegou, pugnando pela confirmação da decisão recorrida. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    * II. QUESTÕES A DECIDIR Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, que o balizam e delimitam, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras[1], importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito[2].

    Considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente[3], no caso dos autos cumprirá apreciar: - Existência ou não de abuso de direito quanto à pretensão formulada pela Autora/apelada; - Na sua improcedência, quantificação da prestação de alimentos, caso seja devida.

    1. FUNDAMENTOS DE FACTO São os seguintes os factos relevantes à decisão da causa dados como provados na primeira instância: 1. A Autora M (…), foi casada durante 32 anos com C (…) ora Réu.

  20. Esse casamento foi dissolvido por divórcio decretado por mútuo consentimento no âmbito do processo n.º 85/91 que correu seus termos no 1.º Juízo do Tribunal de Círculo de Leiria, tendo sido aí acordado que o ora Requerido pagaria à Requerente a seguinte pensão de alimentos: 1 - 60.000$00/mês em 1991; 2 - 80.000$00/mês em 1992; 3 - 100.000$00/mês em 1993.

  21. A autora nasceu no dia 9 de Janeiro de 1940.

  22. A requerente mantém-se no estado civil de divorciada do requerido, não tornando a casar e vivendo sozinha em casa própria.

  23. Para prover à sua subsistência, a requerente necessita de alimentos.

  24. O requerido, tem largas possibilidades económicas para o fazer.

  25. A requerente é actualmente reformada, recebendo como pensão mensal da Segurança Social no valor de 263,76 €, sendo esse o seu único rendimento.

  26. Durante toda a sua vida de casada, de 32 anos, foi doméstica dedicando todo o seu tempo à família e à casa, cuidando das duas filhas de ambos, actualmente maiores de idade, não auferindo qualquer rendimento.

  27. Por sua vez, o requerido durante os anos de casamento sempre trabalhou e construiu uma carreira profissional sólida, obtendo rendimentos bastante avultados.

  28. Somente após o divórcio, em 1992, é que a Requerente iniciou a actividade profissional como ajudante de agência de viagens na (...) – Agência de Viagens e Turismo, Lda, (que tem como sócios a filha dos requerente e requerido, (…) e seu marido (…)) auferindo, nos últimos meses antes da reforma ocorrida em 2007, a quantia líquida de 637,20€ / mês.

  29. O que não permitiu que obtivesse descontos suficientes para a Segurança Social para actualmente ter uma reforma condigna.

  30. Despende a requerente, de 2 em 2 meses, as quantias de 20,54 € (vinte euros e cinquenta e quatro cêntimos) em água e saneamento, de 31,31 € (trinta e um...

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