Acórdão nº 394/10.0TMCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 07 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelFONTE RAMOS
Data da Resolução07 de Junho de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Em 24.5.2010, M (…) instaurou no Tribunal de Família e Menores de Coimbra acção de divórcio (sem consentimento do outro cônjuge) contra J (…), pedindo que seja decretado o divórcio entre A. e Réu, mesmo sem o consentimento deste, alegando para o efeito os factos que, em seu entender, demonstram a ruptura definitiva do casamento e concluindo pela verificação da situação prevista na alínea d) do art.º 1781º, do Código Civil/CC (na redacção conferida pela Lei n.º 61/2008, de 31.10).

Citado, o Réu faltou à tentativa de conciliação a que alude o art.º 1407º do Código de Processo Civil e, notificado para contestar, nada disse.

Realizada a audiência de julgamento, com gravação da prova testemunhal [e tendo a A. formulado requerimento para fazer “retroagir os efeitos do divórcio (…), quanto aos efeitos patrimoniais dos cônjuges, à data que vier a ser dada como provada quanto à separação de factos dos intervenientes”], o tribunal a quo, conhecendo imediatamente da matéria de facto e de direito, julgou a acção improcedente, por não provada, não decretando o divórcio, por considerar que a A. não havia provado os factos alegados, apurando-se apenas que “o casal está separado de facto, o que ocorria ter menos de 1 ano aquando da propositura da acção”.

Inconformada com esta decisão e visando a sua revogação [decretando-se o divórcio sem o consentimento do recorrido e retroagindo os efeitos patrimoniais da dissolução do casamento a Setembro de 2009], a A. interpôs recurso de apelação formulando as conclusões que assim vão sintetizadas: 1ª - O tribunal a quo não fundamentou a decisão de facto que considerou provada e, por isso, postergou o disposto no n.º 2 do art.º 653º do CPC.

  1. - Existe erro na apreciação de prova por manifesta desconformidade entre a prova produzida e a matéria considerada provada, levando em consideração os documentos juntos com a petição inicial (p. i.) e toda a prova testemunhal produzida - em função daqueles concretos meios probatórios, a 1ª instância devia ainda ter considerado provada pelo menos a matéria factual alegada nos art.ºs 2º, 3º, 4º, 7º, 12º, 13º, 15º, 1ª parte do 16º, 17º, 1ª parte do 18º, 19º, 20º, 21º, 1ª parte do 24º, 25º, 26º, 29º, 33º, 34º, 36º, 37º, 44º, 45º, 46º e 47º, todos da p. i..

  2. - A provarem-se os referidos factos, estão indubitavelmente verificados os pressupostos exigidos na alínea d) do art.º 1781º, do CC, para se obter a dissolução do casamento, i. é, a ruptura definitiva do casamento.

  3. - O actual regime de divórcio não exige a verificação de culpa de qualquer dos cônjuges para ser decretado o divórcio sem consentimento do outro cônjuge, e a alínea d) do art.º 1781º do CC basta-se com “uma situação objectiva e passível de constatação, que revele uma situação de ruptura definitiva do casamento”.

  4. - O tribunal a quo considerou provado que o recorrido abandonou a casa de morada de família e que deixou de cumprir com as obrigações e compromissos que assumira na vigência da união e, por isso, até se mostram violados os deveres de coabitação e de assistência, previstos no art.º 1672º, do CC.

  5. - Estão demonstrados os requisitos para decretar o divórcio sem o consentimento do recorrido - factos que mostram uma situação de ruptura definitiva do casamento.

  6. - À data do encerramento da discussão e da sentença (25.01.2011), estava já completado o prazo de mais de um ano consecutivo da separação de facto entre os cônjuges, iniciado em Setembro de 2009.

  7. - Por força do n.º 1 do art.º 663º, do CPC, incumbia ao tribunal a quo decretar o divórcio sem o consentimento do recorrido, nos termos da alínea a) do art.º 1781º, do CC.

  8. - A sentença “sub judice” violou, além do mais, os art.ºs 1672º e 1781º, alíneas a) e d), do CC, e os art.ºs 653º, n.º 2 e 663º, n.º 1, do CPC.

Atento o referido acervo conclusivo (delimitativo do objecto do recurso nos termos dos art.ºs 684º, n.º 3 e 685º-A, n.ºs 1 e 3, do Código de Processo Civil[1], na redacção conferida pelo DL n.º 303/07, de 24.8), colocam-se as seguintes questões fundamentais: a) violação do dever de fundamentação da decisão de facto; b) erro na apreciação da prova; c) se o divórcio deve ser decretado com base na alínea d) do art.º 1781º, do CC, e/ou nos termos da alínea a) do mesmo artigo.

* II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

  1. A. e Réu contraíram matrimónio no dia 16.4.1978.

  2. Em Setembro de 2009 o Réu abandonou a casa tendo ido viver para a ..., em A...

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  3. Desde essa ocasião o Réu não mais partilhou, cama, mesa e habitação com a A.

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  4. Também deixou de cumprir com as obrigações e compromisso que tinha.

  5. A petição inicial deu entrada em 24.5.2010.

    2. Nas conclusões da alegação de recurso começa a A. por dizer que o tribunal a quo não fundamentou a decisão de facto que considerou provada e, por isso, postergou o disposto no n.º 2 do art.º 653º, do CPC.

    Embora esta questão fique de algum modo consumida ou prejudicada pelas demais questões suscitadas na alegação de recurso, na medida em que foi amplamente impugnada a decisão de facto, importa tecer algumas breves considerações sobre esta problemática.

    Estatui o aludido normativo que “(...) a decisão proferida [sobre a matéria de facto] declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.” Em cumprimento deste comando legal, o Tribunal recorrido empregou a fórmula ou expressão “após a produção de prova, com base nos documentos juntos aos autos e no depoimento das testemunhas, considero provados os seguintes factos”, indicando de seguida, e apenas, a materialidade dita em II. 1., supra.

    O procedimento adoptado pelo Mm.º Juiz a quo foi, obviamente, demasiado restrito e elíptico [e, diga-se, deixando por explicitar a factualidade subjacente à alínea d) dos factos mencionados em II. 1., supra[2]], de algum modo compreensível dentro das particulares limitações funcionais e de meios do tempo presente mas, ainda assim, desrespeitando aquele preceito da lei civil adjectiva, que impõe, além do mais, a menção de todos os factos (relevantes para a decisão de mérito) provados e não provados e, também, a especificação dos concretos meios de prova e a indicação/enunciação, ainda que sucinta, das razões ou motivos substanciais por que eles relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador.

    Daí a possibilidade, contida no n.º 5 do art.º 712º, de remessa do processo à 1ª instância para fundamentação da decisão proferida sobre a matéria de facto sempre que ela se não mostre “devidamente fundamentada” e estiverem em causa factos essenciais para o julgamento da lide.

    [3] Porém, como já se adiantou, no caso vertente, impugnada largamente a decisão de facto (e não estando apenas em causa a respectiva fundamentação) e em virtude da solução que irá ser dada[4], não se justifica que os autos voltem à 1ª instância para o efectivo cumprimento daquele preceito adjectivo.

    1. Sabemos que a alteração, pela Relação, da decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto, só pode verificar-se se ocorrer alguma das situações (excepcionais) contempladas no n.º 1 do art.º 712º e que são as seguintes:

  6. Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685º-B[5], a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

    No caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados (n.º 2 do referido art.º).

    No nosso direito processual civil acha-se consagrado o princípio da livre apreciação da prova, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova de facto jurídico, qualquer formalidade especial, pois neste caso esta não pode ser dispensada (art.º 655º).

    O princípio da prova livre (por contraposição à prova legal: prova por documentos, por confissão e...

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