Acórdão nº 1606/08.5TBVIS-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelTELES PEREIRA
Data da Resolução28 de Junho de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.

Por apenso a uma execução proposta em 02/05/2008[1], veio o Executado, R… (que é o Apelado no presente recurso), deduzir oposição a essa execução nos termos do artigo 816º do Código de Processo Civil (CPC), dirigindo-a contra o Exequente J… (este é o Apelante neste recurso, já que a oposição veio a ser julgada procedente através da decisão aqui apelada).

1.1.

Para compreensão da situação sublinhamos que o Exequente, no requerimento executivo, ao qual anexou como título executivo um cheque, no valor de € 20.000,00 e emitido à sua ordem pelo Executado, incluiu, no campo documental inicial desse requerimento, as seguintes indicações destinadas a caracterizar esse título executivo: “[…] Título Executivo: Cheque Valor da Execução: €20.336,56 Factos: O exequente é o legítimo portador de um cheque sacado, preenchido, assinado e entregue pelo executado, com o nº…, sobre o Banco B…, agência de Viseu, datado de, respectivamente, 08/01/2008, no montante de €20.000,00.

Apresentado a pagamento no Banco… em Viseu, em 16/01/2008, foi o mesmo devolvido pela Câmara de Compensação com o falso motivo de «falta ou vício na formação da vontade», em 17/01/2008.

[…] Destinava-se o cheque ora ajuizado ao pagamento de parte do preço dum imóvel que o executado (e terceira) havia adquirido ao exequente.

[…]” [transcrição de fls. 6 do processo executivo, sublinhado aqui acrescentado] 1.2.

No requerimento de oposição a esta execução (fls. 4/25) negou o Executado – e estamos a expor os respectivos argumentos, cingidos, todavia, aos aspectos relevantes para este recurso – que o valor do cheque se referisse ao pagamento de uma parte do preço do imóvel adquirido ao Exequente, estando tal valor – o acordado nessa venda – já integralmente satisfeito por ele Executado[2]. Acrescenta este que, diversamente do indicado no requerimento executivo, na base da emissão do cheque estaria, tão-só, o “caucionamento” do valor da construção de uma garagem adicional, anexa ao prédio vendido, encargo este assumido pelo Exequente mas ainda não realizado, não sendo devido, por isso (porque essa garagem, de facto, não foi construída) o valor inscrito no cheque[3]. Embora faltem ao mesmo cheque – e continuamos a expor argumentos do Executado na oposição – requisitos de autenticidade e de fidedignidade, verificar-se-ia, relativamente à exigibilidade do valor inscrito nesse título, uma invocada “excepção de não cumprimento” reportada, quid pro quo, à efectiva construção da garagem[4].

1.2.1.

Contestou o Exequente a oposição (fê-lo a fls. 74/88), afirmando a correspondência do cheque, enquanto meio de pagamento, à parte residual do preço total do imóvel por ele vendido, que ascenderia, na realidade, a €150.000,00 e não aos €130.000,00 declarados na escritura de fls. 34/40, correspondendo assim os €20.000,00 inscritos no cheque à parcela exorbitante do valor declarado nessa escritura. Existe, aliás – afirma-o o Exequente –, um contrato-promessa referido ao valor real (junta-o o Exequente a fls. 90/91)[5] e um outro contrato do mesmo tipo, paralelo ao primeiro (junta-o a fls. 92/93), por ambos os contraentes assumido no texto desse (primeiro) contrato[6], ostentando o segundo contrato o valor (não real) de €130.000,00[7], sendo que a questão da construção da garagem, segundo o Exequente, exorbitaria da compra e venda do prédio, tratar-se-ia – di-lo o Exequente – de uma “obrigação natural” por ele assumida, e não corresponderia sequer ao valor de €20.000,00 inscrito no cheque[8].

1.3.

Foi o processo saneado e condensado a fls. 110/122[9], avançando-se para o julgamento documentado a fls. 160/164 e a fls. 186/189, findo o qual, fixados que foram os factos por referência à base instrutória (isto no despacho de fls. 190/196), foi a oposição decidida, no sentido da procedência, pela Sentença de fls. 203/222 – esta constitui a decisão objecto do presente recurso – que absolveu o Executado do pedido exequendo. 1.4.

Inconformado com o assim decidido, interpôs o Exequente a presente apelação, motivando-a a fls. 225/243, rematando esta peça com as seguintes conclusões: “[…] 1.4.1.

O Executado respondeu a fls. 250/310, pugnando pela manutenção do decidido.

II – Fundamentação 2.

Relatado que está nos seus elementos essenciais o iter da execução e da oposição que conduziu à presente instância de recurso, e identificados que foram os traços fundamentais do litígio entre o Exequente e o Executado, quanto à origem do crédito titulado pelo cheque apresentado a pagamento e à execução (esta oposição expressa esta questão, resumindo-se ela à determinação da existência do crédito pretendido executar), relatado o desenvolvimento do processo, dizíamos, importa apreciar agora os fundamentos da apelação, tendo em conta que as conclusões formuladas pelo Apelante/Exequente, a cuja transcrição procedemos no item anterior, operaram a delimitação temática do objecto do recurso.

É isto o que resulta dos artigos 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC).

Ora, compulsadas essas conclusões, verificamos que a apelação visa, à partida – no que constitui o seu primeiro fundamento (a) –, a matéria de facto, plasmada nas respostas aos itens 2º, 30º e 33º da base instrutória, pugnando o Apelante por uma resposta negativa ao primeiro (corresponde ele à tese do Executado, contrária à dele Exequente) e por respostas positivas aos outros dois quesitos (que respeitam à afirmação da tese do Exequente)[10]. Note-se que esta vertente da impugnação – e estamos a focar um assunto que, sendo algo marginal ao cerne do problema colocado pela impugnação dos factos, apresentará alguma relevância na subsequente exposição –, note-se que esta vertente do recurso, dizíamos, deixa intocada a decisão quanto ao tipo de prova admissível proferida pelo Tribunal a quo a fls. 164 (transcrevemo-la no final da nota 10, supra), sendo que isso significa que o Apelante se conformou com esse despacho (não o impugnou, deixando-o adquirir a cobertura do caso julgado formal, v. artigo 672º, nº 1 do CPC[11]), e, obviamente, com a consequência dele directamente decorrente: a exclusão da prova testemunhal da averiguação da matéria subjacente aos quesitos 30º a 33º. Assim, entenda-se o que se vier a entender sobre essa decisão (focaremos essa questão mais adiante, no item 2.2. (a) deste Acórdão), nunca essa consequência (a exclusão da produção de prova testemunhal quanto aos quesitos 30º a 33º) será revista nesta instância em termos de determinar, agora, o retorno do processo à instância precedente para aí ser produzida prova testemunhal.

Subsequentemente, prosseguindo na caracterização dos fundamentos da apelação, e com base nos factos emergentes do julgamento deste recurso, pretende o Apelante – no que constitui o segundo fundamento do recurso (b) – a reconsideração da existência do crédito resultante do título apresentado à execução, enquanto expressão das relações contratuais entre o Exequente e o Executado respeitantes à venda da moradia, no quadro das vicissitudes de um contrato de compra e venda (é a qualificação propugnada pelo Apelante, por oposição à de empreitada, como se pressupõe na Sentença)[12], lembrando-se aqui – e trata-se de um elemento consensual – estarmos, no que ao cheque/título executivo se refere, encarado este no plano do relacionamento entre o Exequente e o Executado, no domínio das chamadas “relações cartulares imediatas”, nas quais a abstracção do título cambiário não se manifesta (ou seja, o efeito de desligamento do título da causa à qual deve a sua origem, com o bloqueio da discussão dessa causa correspondente à relação subjacente), não tendo aqui aplicação no domínio dessas relações imediatas, portanto, o artigo 22º da Lei Uniforme Sobre Cheques[13], sendo sempre passível de discussão nesse quadro relacional em que o título não circulou, a tal relação subjacente[14], correspondendo esta aqui à causa da dívida atribuída ao valor inscrito no cheque, tendo ela que ver, enfim, com o elemento identitário do crédito pretendido executar. Podem, pois, estes dois sujeitos (o Executado, sacador, que emitiu o cheque e o entregou ao Exequente portador, que, por sua vez, o apresentou a pagamento ao Banco sacado), podem estes sujeitos, dizíamos, discutir entre si nesta oposição a existência ou as incidências do negócio que um e outro invocarem como estando na base da emissão desse cheque, podendo discutir, designadamente, a sua própria existência e outras incidências a ele ligadas. A subsistência da presente execução dependerá, pois, da demonstração da existência do crédito do Exequente titulado pelo cheque; do crédito que o Exequente caracteriza no requerimento executivo.

Daí que esta questão – a relevância da discussão da relação subjacente ao cheque – fique desde já pressuposta, na economia argumentativa do presente Acórdão, sem necessidade de maiores desenvolvimentos. 2.1.

Os factos a considerar, e estamos a abranger, nos que tiveram uma expressão positiva na primeira instância, os factos impugnados no recurso, são os elencados na Sentença. Aqui os transcrevemos desde já, sublinhando, porém, a provisoriedade dessa enunciação decorrente do fundamento do recurso referido a esses factos poder vir a alterar esse elenco (e adiantamos desde já que ocorrerão alterações): “[…] 1 – O exequente é portador de um cheque emitido pelo executado à ordem do exequente, sacado sobre uma conta do Banco… de que o executado é titular, no valor de €20.000,00 e no qual foi aposta, de forma manuscrita, a data de 08-01-2008 no lugar destinado à indicação da data de emissão – A.

2 - Apresentado a pagamento em 16-01-2008, o cheque referido em A) foi devolvido na Compensação do Banco … em 17-01-2008 com indicação do motivo de «falta ou vício na formação da vontade» – B.

3 - O executado, juntamente com A…, outorgou em 4-01-2008 no Cartório Notarial em Viseu escritura pública de compra e venda com mútuo com hipoteca e fiança, na qual constam...

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