Acórdão nº 1119/09.8TBAVR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Junho de 2011

Magistrado ResponsávelJUDITE PIRES
Data da Resolução28 de Junho de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso e face à simplicidade da questão suscitada, segue decisão sumária singular (artigos 700.º, n.º 1, alínea c) e 705.º do CPC, na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24.08).

I.RELATÓRIO 1. A (…), solteira, propôs acção declarativa com processo ordinário contra Instituto de Segurança Social, - I.P./ Centro Nacional de Pensões, pedindo que a Autora “seja declarada como sendo titular das prestações por morte de I (…), no âmbito da Segurança Social”.

Para tanto, e em síntese, alega ter vivido ininterruptamente, desde meados do ano de 1983 até à data da morte deste, ocorrida em 12 de Abril de 2008, com o referido I (…), divorciado, beneficiário da Segurança Social, em união de facto.

Acrescenta que actualmente se acha desempregada, sem qualquer fonte de rendimento, tem um filho menor, que não dispõe de meios económicos para a sustentar, tendo o pai já falecido e sendo a mãe reformada, recebendo uma reforma que mal chega para o seu próprio sustento.

Quanto aos seus irmãos, alega que praticamente não tem contactos com eles, estão todos casados, têm filhos, encargos mensais fixos, vivendo exclusivamente e com alguma dificuldade dos escassos rendimentos que auferem, não tendo igualmente possibilidade de a sustentar.

Invoca ainda que o falecido Ilídio deixou por sua morte apenas uma pequena empresa, com inúmeras dívidas, e que pertence aos filhos daquele, seus únicos e universais herdeiros.

Citado o Instituto de Segurança Social, I.P., contestou, aceitando o alegado nos artigos 1º, 9º (existência do filho comum), 10º (existência da casa), 20º e 21º da petição inicial, sustentando não saber e nem ter obrigação de saber se correspondem à verdade os demais factos articulados pela Autora, sendo que não se tratam de factos pessoais ou de que o impugnante deva ter conhecimento.

Por requerimento de fls. 26, a Autora veio esclarecer que também a mãe é falecida, referindo ainda ter sete irmãos, cinco dos quais emigrantes em França, indicando as respectivas profissões.

Depois de proferido despacho saneador e seleccionada a matéria de facto considerada relevante, veio a Srª Juíza da primeira instância a julgar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide tendo por base os seguintes fundamentos: “O Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, definiu, no âmbito dos regimes de segurança social, a protecção na eventualidade da morte, consagrando a extensão do regime jurídico das prestações nele estabelecidas às pessoas que se encontrem na situação prevista no artigo 2020.º do Código Civil, isto é, que tenham vivido em condições análogas às dos cônjuges.

Porém, tendo em atenção as especificidades de que se revestem as situações de união de facto, o n.º 2 do artigo 8.º daquele diploma determinava que a definição das condições de atribuição e do respectivo processo de prova deviam ser objecto de regulamentação específica.

Essa regulamentação foi feita pelo Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, que definiu o regime de acesso às prestações por morte, no âmbito dos regimes de segurança social, previstas no Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, por parte das pessoas que se encontram na situação de união de facto.

O artigo 2.º do Decreto Regulamentar prescrevia que “Tem direito às prestações a que se refere o número anterior a pessoa que, no momento da morte de beneficiário não casado ou separado judicialmente de pessoas e bens, vivia com ele há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges”.

Entretanto a Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio veio adoptar medidas de protecção das uniões de facto, independentemente do sexo das pessoas nessa situação e desde que a união de facto durasse há mais de dois anos. Segundo o artigo 3.º do diploma as pessoas que vivam em união de facto nas condições previstas na lei têm direito a “ protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei”. E de acordo com o artigo 6.º, são beneficiários desse direito “no caso de uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes no artigo 2020.º do Código Civil”.

Era este o regime jurídico em vigor à data da instauração da acção. Sucede que entretanto foi publicada a Lei nº 23/2010, de 30 de Agosto, que, no que aqui interessa, alterou substancialmente o regime jurídico das uniões de facto consagrado na Lei nº 7/2001, de 11 de Maio, no Decreto -Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, no Código Civil (designadamente o artigo 2020.º) e no Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de Março, e revogou outrossim, de forma tácita, vários dispositivos do Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro.

O artigo 3.º da Lei nº 7/2001, na redacção introduzida pela recente alteração, dispõe que “as pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na presente lei têm direito a: … e) Protecção social na eventualidade de morte do beneficiário, por aplicação do regime geral ou de regimes especiais de segurança social e da presente lei.” O artigo 6.º da mesma Lei relativo ao regime de acesso às prestações por morte passou a dispor que: “1- O membro sobrevivo da união de facto beneficia dos direitos previstos nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.º, independentemente da necessidade de alimentos. 2- A entidade responsável pelo pagamento das prestações previstas nas alíneas e), f) e g) do artigo 3.º, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, deve promover a competente acção judicial com vista à sua comprovação.

3- Exceptuam-se do previsto no n.º 2 as situações em que a união de facto tenha durado pelo menos dois anos após o decurso do prazo estipulado no n.º 2 do artigo 1.º.” Por sua vez o novo artigo 2.º -A, relativo à “Prova da união de facto” dispõe que: “1- Na falta de disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica, a união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admissível. 2- No caso de se provar a união de facto por declaração emitida pela junta de freguesia competente, o documento deve ser acompanhado de declaração de ambos os membros da união de facto, sob compromisso de honra, de que vivem em união de facto há mais de dois anos, e de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles. 3 - Caso a união de facto se tenha dissolvido por vontade de um ou de ambos os membros, aplica -se o disposto no número anterior, com as necessárias adaptações, devendo a declaração sob compromisso de honra mencionar quando cessou a união de facto; se um dos membros da união dissolvida não se dispuser a subscrever a declaração conjunta da existência pretérita da união de facto, o interessado deve apresentar declaração singular. 4 — No caso de morte de um dos membros da união de facto, a declaração emitida pela junta de freguesia atesta que o interessado residia há mais de dois anos com o falecido, à data do falecimento, e deve ser acompanhada de declaração do interessado, sob compromisso de honra, de que vivia em união de facto com o falecido há mais de dois anos, à mesma data, de certidão de cópia integral do registo de nascimento do interessado e de certidão do óbito do falecido.” Finalmente deve referir-se que o artigo 8.º do Decreto -Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, também foi alterado e passou a estabelecer o seguinte: “1- O direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que vivam em união de facto. 2 — A prova da união de facto é efectuada nos termos definidos na Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, que adopta medidas de protecção das uniões de facto.” Em resumo, estas alterações legislativas acabaram com dois dos grandes obstáculos legais que até aqui se colocavam à pretensão da pessoa que vivia em união de facto de receber as pensões por morte do outro membro da união entretanto falecido: a necessidade de instaurar uma acção judicial para ser reconhecido que vivia com o falecido em união de facto; a necessidade de demonstrar que carecia de alimentos e os não podia obter de um determinado conjunto de pessoas.

No tocante à necessidade da acção judicial, substituiu-se o regime antecedente pela suficiência de qualquer meio de prova, regulando-se a possibilidade de isso ter lugar mediante declaração da Junta de Freguesia. O que significa que se revogou tacitamente o Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, na parte em que previa essa acção (a ressalva do nº 1 do artigo 2.º-A da Lei nº 7/2001 – “disposição legal ou regulamentar que exija prova documental específica – reporta-se a outras situações em que haja necessidade de prova documental específica, sendo que uma acção judicial e a respectiva sentença não são prova documental mas procedimento jurisdicional de avaliação e decisão a partir de quaisquer meios de prova). No novo regime é a entidade responsável pelo pagamento das prestações, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, que deve promover a competente acção judicial com vista à sua comprovação, sendo certo que essa possibilidade já não se coloca nas situações em que a união de facto tiver durado pelo menos 4 anos (dois anos após o decurso do...

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