Acórdão nº 853/06.9TBLRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Junho de 2011
Magistrado Responsável | TELES PEREIRA |
Data da Resolução | 28 de Junho de 2011 |
Emissor | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra I – A Causa 1.
Em 6 de Fevereiro de 2006[1], J… (A. e Apelante) demandou A… (R. e aqui Apelado), invocando o texto do testamento de sua mãe (datado de 21/04/2003), Maria … (faleceu esta em 01/11/2004), na parte em que (nesse testamento[2]) instituiu como legatário o R., relativamente a um determinado prédio urbano (a uma fracção autónoma de um prédio), aí formulando a seguinte “condição”[3]: “[…] Pela outorgante foi dito:
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Que é dona e legítima possuidora do seguinte bem: - Fracção autónoma designada pela letra «O», correspondente ao quinto andar B do prédio urbano em propriedade horizontal sito em […] – Fracção essa que adquiriu, com recurso ao crédito, por «compra e venda e empréstimo com hipoteca», titulados por escritura outorgada em 29/05/1998 […].
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Que, na presente data o empréstimo que contraiu para a citada aquisição ainda não está, ainda, totalmente liquidado.
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Que, com a condição de A… pagar a quantia que, eventualmente, ainda se encontre em dívida à data da morte da ora legadora e respeitante ao citado empréstimo, deixa ao identificado A… a mencionada fracção autónoma […].
[…]” [transcrição de fls. 17/818, sublinhado acrescentado] Sendo certo que a testadora havia garantido, quanto ao empréstimo indicado no testamento, através de contrato de seguro designado de crédito/vida celebrado em 1998, a satisfação da parcela desse empréstimo que estivesse em dívida à data do seu decesso[4], o que veio a ocorrer (pagamento pela Seguradora[5]) após a morte da mesma, pretende o A. que a dita “condição” a que o legado foi sujeito seja considerada não realizada[6], formulando em função dessa asserção os seguintes pedidos: “[…]
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Declarar-se não cumprida a condição resolutiva por parte do R., enquanto beneficiário do legado e, em consequência: declarar-se o A. legítimo proprietário do imóvel […].
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Caso assim se não entenda, ser considerada resolvida a disposição testamentária que institui o R. legatário do imóvel, por incumprimento da condição, com a consequência de o A. ser considerado o titular do imóvel, enquanto único e universal herdeiro da testadora.
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Por último e caso nenhum dos pedidos seja considerado procedente, deve ser o R. condenado a pagar ao A. a quantia de €19.595,93, correspondente ao valor em dívida ao BII, à data do óbito da testadora, só assim se cumprindo a condição.
[…]” [transcrição de fls. 6] 1.1.
O R. contestou impugnando a caracterização propugnada pelo A. da dita “condição”, afirmando-a satisfeita com o pagamento efectuado pela Seguradora[7].
1.2.
A culminar a fase de julgamento foi a acção julgada improcedente pela Sentença de fls. 188/206, constituindo esta a decisão objecto do presente recurso.
1.3.
Inconformado, interpôs o A. o presente recurso de apelação, motivando-o a fls. 214/226, formulando as seguintes conclusões: […]” [transcrição de fls. 224/226] II – Fundamentação 2.
Encetando a apreciação do recurso, importa ter presente que o âmbito objectivo do mesmo ficou definido através das conclusões acabadas de transcrever [artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Código de Processo Civil (CPC)].
Deparamo-nos, assim, com um recurso exclusivamente dirigido ao acto de aplicação do direito aos factos, pressupondo o elenco destes que foi fixado na primeira instância[8].
Emerge, pois, como (único) fundamento do recurso – e trata-se de uma questão de direito – a interpretação do testamento de Maria…, no trecho específico em que a mesma “condicionou”[9] o legado atribuído ao R. ao pagamento, por este, da “[…] quantia que, eventualmente, ainda se encontre [encontrasse] em dívida à data da morte da testadora e respeitante ao citado empréstimo […]”. Sendo certo que o pagamento de tal quantia foi assegurado – assegurado ao A. ora Apelante, sublinha-se – por um sujeito diverso do legatário (por uma Seguradora[10]), trata-se aqui de determinar se o apontado elemento condicionador do legado – quer o caracterizemos como condição [artigo 2229º do Código Civil (CC)] ou como encargo ou “modo” (artigo 2224º do CC) – foi efectivamente preenchido, ou não, por essa incidência (pagamento pela Seguradora), com a consequente desoneração do legatário (é a tese do R.) ou se a condição deve ter-se por incumprida (é a tese do A.).
Esta constitui, pois, a única questão a abordar no recurso, correspondendo ela, fundamentalmente, à interpretação de uma disposição testamentária.
2.1.
Definitivamente fixados que estão os factos (como se explicitou na nota 9, supra), aqui os indicamos, transcrevendo-os do texto da Sentença (com a correcção de um erro aí verificado e que aqui vai devidamente assinalada): “[…] 4.
No testamento lavrado em 21/04/1983 [21/04/2003[11]], no 1º Cartório Notarial de Leiria, de fls.24 verso a 25 verso do livro de testamentos nº64, consta que por Maria… foi dito: (…) «
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Que é dona e legítima possuidora do seguinte imóvel: … b) Que, na presente data o empréstimo que contraiu para a citada aquisição ainda não está totalmente liquidado; c) Que, com a condição de A… pagar a quantia que, eventualmente, ainda se encontre em dívida à data da morte da ora testadora e respeitante ao citado empréstimo, deixa ao identificado A… a mencionada fracção autónoma “O” a qual se destina a habitação.
Este testamento foi lido à outorgante e feita a explicação do seu conteúdo, em voz alta, na sua presença e simultaneamente das testemunhas deste acto …». (documento de fls.16 a 19).
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No escrito intitulado «Certificado Individual de Seguro» emitido por «…Companhia de Seguros de Vida, S.A.», sendo tomador do seguro o «Banco …, S.A.», pessoa segura Maria… e capital seguro €38.158,04 (Esc.7.650.000$00), consta que os beneficiários em caso de morte relativamente à parte do capital em dívida são o «Banco …, S.A.» e pelo capital remanescente «os herdeiros legais”. (documento de fls.20).
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O R. não pagou qualquer quantia ao «Banco …, S.A.» depois da morte de Maria …, respeitante à aquisição da fracção mencionada em 1.
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Por cheque emitido pela «… Companhia de Seguros de Vida, S.A.», à ordem do A., foi entregue por aquela €18.562,10 a este, referente ao escrito mencionado em 5.
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À data da morte de Maria…, o valor em dívida ao “Banco…, S.A» era de €19.565,93.
[…]” [transcrição de fls. 191/192] 2.2.
Está em causa, fundamentalmente, como acima se notou, a compreensão do significado de uma disposição testamentária referida a um legado (referida, pois, a um bem determinado do de cuius, v. artigo 2030º, nº 2, in fine do CC) e que aqui nos aparece, sem qualquer elemento interpretativo adjuvante[12], na sua exacta expressão verbal constante do próprio testamento, a saber: “[…] com a condição de A…, […], pagar a quantia que, eventualmente, ainda se encontre em dívida à data da morte da ora legadora e respeitante ao citado empréstimo, deixa ao identificado A… a mencionada fracção autónoma […].
A questão que aqui se...
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