Acórdão nº 30/10.4TAFVN-A.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Outubro de 2011

Magistrado ResponsávelPAULO GUERRA
Data da Resolução26 de Outubro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

I – RELATÓRIO 1.

No processo n.º 30/10.44TAFVN (Instrução), do Tribunal Judicial de Figueiró dos Vinhos, recorre o assistente A...

, melhor identificado nos autos, do despacho da Mmª Juíza que decidiu rejeitar, por legalmente inadmissível, o requerimento de abertura de instrução que havia apresentado a fls 139-140 (datado de 15/3/2011), na sequência de um despacho de arquivamento de inquérito por parte do Ministério Público.

2.

O assistente, motivando o seu recurso, conclui (em transcrição): «1. A decisão, tal como é apresentada, peca por fazer negação duma evidência: o relato, no requerimento de abertura de instrução, dos factos cuja prática e método são imputados à arguida. Logo, a narração sintética dos factos imputados à arguida consta do requerimento; 2. À falta de indicação do crime e da norma tipificadora respectiva, no requerimento de abertura de instrução, deve corresponder despacho de aperfeiçoamento do mesmo. Neste sentido, Acórdão do Pleno das secções criminais do S.T.J, de 12.02.2005, Proc 430/2004, in D R, I série, de 04.11.2005 3. Denegando-se a abertura a instrução, saem, a um tempo, violados os artigos 286°, n° 1, e 287°, n° 2, ambos do Cód de Processo Penal.

Termos em que, Revogando a decisão recorrida e, em seu lugar, outra produzida, admitindo a abertura da instrução, mediante o aperfeiçoamento do requerimento respectivo, Vossas Excelências farão JUSTIÇA!» 3.

Respondeu o Ministério Público, sustentando a justeza do decidido em 1ª instância.

4.

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto deu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

5.

Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea b), do mesmo diploma.

II – FUNDAMENTAÇÃO 1.

Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).

Assim, balizados pelos termos das conclusões[1] formuladas em sede de recurso, a única questão a resolver consiste em saber se o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo recorrente deveria ou não ter sido rejeitado com fundamento na sua inadmissibilidade legal.

2. O despacho recorrido tem o seguinte teor: «Fls. 139-140: Discordando do despacho de arquivamento proferido a fls. 112-114, A... requereu a abertura de instrução, ao abrigo do disposto no artigo 287.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Penal, alegando, em síntese, que: - A arguida, ao dispor da quota, inviabilizou o direito do assistente a quinhoar; - Consolidando-se a quota no património da arguida, nada a impede de aliená-la enquanto bem próprio, sendo que ainda não foi feita partilha e desconhece-se se a quota será ou não adjudicada à arguida.

Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 287.º, n.º 2, parte final, e 283, n.º 3, alíneas b), e c), ambos do Código de Processo Penal, o requerimento para abertura de instrução do assistente deve, além do mais, narrar, ainda que de forma sintética, os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deva ser aplicada.

Quer isto dizer que o assistente deve identificar o arguido a quem imputa os factos, narrar os factos integradores do tipo objectivo e subjectivo do ilícito criminal (como se de uma acusação se tratasse), ilícito este que deve também ser devidamente identificado.

Do exposto resulta que, na ausência de acusação pública, o requerimento para abertura de instrução do assistente corresponde a uma verdadeira acusação, que delimitará o objecto do processo e, atenta a estrutura acusatória do nosso processo penal, vinculará tematicamente o tribunal.

Aplicando as considerações expendidas ao caso vertente, temos que, uma vez que foi proferido despacho de arquivamento, não existem factos que possam constituir o objecto do processo se o assistente os não descrever no requerimento para abertura de instrução.

Por sua vez, estabelece o artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal que o requerimento para abertura de instrução só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal.

Ora, a omissão, no requerimento para abertura de instrução do assistente, da descrição dos factos susceptíveis de integrar os elementos objectivos e subjectivos do ilícito típico insere-se no conceito de inadmissibilidade legal da instrução, por se traduzir na falta de objecto da instrução e na sua inexequibilidade - neste sentido, cfr., entre muitos, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 01.04.2009, proc. 2899/06.8TALRA.C1, e de 23.01.2008, proc. 2557/06.3TALRA.C1, ambos em www.dgsi.pt.

Acresce que, como bem se assinala neste último aresto, “o objecto da instrução tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa e essa definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis”.

Volvendo ao caso sub judice, analisado o requerimento apresentado pelo assistente, facilmente se conclui que o mesmo não contém a descrição circunstanciada de quaisquer factos que fundamentem a aplicação à arguida de uma pena, nem tão pouco faz referência a qualquer tipo legal de crime e norma(s) tipificadora(s) e, muito menos, contempla quaisquer elementos típicos, objectivos ou subjectivos. Dúvidas não restam de que o assistente não observou, de modo algum, os requisitos acima mencionados, limitando-se a discordar do despacho de arquivamento proferido nos autos. Cabe, por fim, salientar que, conforme jurisprudência fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2005 (publicado no DR, 1.ª série – A, de 04.11.2005), “Não há lugar ao convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 287.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”.

Assim sendo, decide-se, tal como promovido, rejeitar liminarmente o requerimento para abertura de instrução por inadmissibilidade legal, nos termos do disposto no artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

Custas a cargo do assistente, que se fixam em 2 UC, levando-se em conta a taxa de justiça já paga.

Notifique.

Após trânsito e oportunamente arquive.

3. Transcreve-se de seguida o Requerimento de Abertura de Instrução apresentado em juízo: «A..., ofendido e com os demais sinais nos autos, face ao despacho de arquivamento proferido pelo M.P., a fls vem, enquanto assistente, e ao abrigo do disposto no artigo 287°, n.° 1, al. b), do C.P.P., requerer abertura de Instrução, para o que assim significa: À arguida é imputada a prática do seguinte facto concreto: à revelia absoluta do ora assistente, porque sem o seu conhecimento ou intervenção, dispôs a arguida por inteiro e em seu próprio benefício da quota de € 30.000,00, da Escola de …., actualmente denominada …., quando é certo que a dita quota continua a integrar o património do casal por ainda não ter havido lugar à partilha.

Ora, ao que se colhe dos autos, a arguida nas suas declarações, permitiu-se divagar tecendo considerações ou afirmações impertinentes nada dizendo sobre o facto concreto cuja autoria lhe é imputada.

Sequencialmente, o M.P. acolhendo a versão da arguida, determinou o arquivamento dos autos sob a alegação de que «…apesar da denunciada, em data posterior, a ter transmitido, não ocorreu qualquer prejuízo para o denunciante…».

A discordância do ora assistente, neste particular, radica nos seguintes factos: 1. A arguida ao dispor da quota, logo inviabilizou o direito do assistente a quinhoar; 2. Consolidando-se a quota no património da arguida, nada impede esta de a alienar pois passará a mesma a ser tratada como bem próprio sendo certo que, repete-se, não só ainda não houve lugar a partilha assim como se desconhece, por ora, se a quota será adjudicada à arguida.

Nestas circunstâncias requer-se que, no âmbito da instrução, a arguida seja ouvida sobre se a disposição da quota a que procedeu em seu benefício foi com conhecimento, intervenção ou autorização do assistente.

Mais se requer que, em prazo que e for concedido, a arguida junte aos autos cópia certificada da acta da assembleia-geral de sócios, em que a deliberação da disposição da quota em seu beneficio terá sido tomada, adiantando-se já que o assistente, e não conhece a dita acta, jamais a subscreveu».

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO 3.1.

Vem o assistente recorrer do despacho judicial que considerou inadmissível o requerimento da abertura de instrução que aquele fez a fls 139-140, rejeitando-o.

A questão em discussão é somente formal – obedece ao não o requerimento de abertura de instrução ao figurino legal? 3.2.

Sabemos que o assistente pode requerer a instrução nos crimes de natureza pública e semi-pública, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação ou, tendo o MP deduzido acusação, por factos que importem uma alteração substancial dos factos aí narrados – de facto, quando o MP não haja deduzido acusação, ao ofendido, constituído como assistente, resta a dedução de acusação alternativa, consubstanciada no requerimento de abertura da fase da instrução, podendo ainda, em 2ª...

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