Acórdão nº 3225/07.4TALRA.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 26 de Janeiro de 2011

Magistrado ResponsávelMOURAZ LOPES
Data da Resolução26 de Janeiro de 2011
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. RELATÓRIO.

    No processo Comum singular n.º 3225/07.4TALRA.C1 foi deduzida acusação contra o arguido A..., pela prática de um crime de denúncia caluniosa p.p. pelo artigo 365º n.º 1 e n.º 2 º do C. Penal.

    No mesmo processo, Q... deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, pedindo a sua condenação no pagamento do montante de €3.520,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

    Realizado o julgamento o arguido foi condenado pela prática de um crime de denúncia caluniosa p.p. pelo artigo 365º n.º 1 e n.º 2 º do C. Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à taxa diária de €7,00 (sete euros), que perfaz o montante global de €630,00 (seiscentos e trinta euros), nas custas do processo fixando-se em 3 UCs a taxa de justiça devida.

    Relativamente ao pedido de indemnização civil foi o mesmo julgado parcialmente procedente e, em consequência, condenado o arguido / demandado a pagar ao demandante a quantia de €540 (quinhentos e quarenta euros) acrescida de juros de mora vencidos desde a data para contestar o pedido de indemnização civil e dos vincendos; a pagar a quantia de €2000 (dois mil euros), acrescida de juros de mora vincendos a contar da data da notificação da presente decisão. Demandado e a demandante foram condenados nas custas do pedido civil na proporção dos respectivos decaimentos.

    Não se conformando com a decisão, o arguido veio interpor recurso da mesma para este Tribunal, concluindo na sua motivação nos seguintes termos: 1. O Tribunal a quo decidiu julgar procedente a acusação deduzida pelo M. P. e, em consequência condenar o arguido pela prática, em autoria material, de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365° n.°s 1 e 2 do C. P., na pena de 90 dias de multa à taxa diária de 7€, no montante de 630,00€, bem como no pagamento da taxa de justiça e nas demais custas do processo.

    1. Julgou também parcialmente procedente o pedido cível deduzido, condenando o arguido a pagar ao único demandante, a título de danos sofridos, a quantia de 540,00€ e 2.000,00€, bem como parte das custas (face ao decaimento).

    2. Ora, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo decidiu mal, pois não está preenchido o tipo legal de crime, nomeadamente o seu elemento subjectivo.

      4 Foi dado como provado (nos factos provados) as alíneas 2), 12), 14), 15), ou seja, que o arguido foi elaborar um documento à PSP afim de cancelar os cheques em causa nos autos.

    3. Esse foi o seu único objectivo e propósito do arguido ao dirigir-se à esquadra, o que foi confirmado pelo agente da P.S.P. F..., agente que elaborou a participação.

      5 São estes os factos que deveriam ter sido valorados pelo Tribunal a quo, o que não fez e não se compreende, factos esses relatados por um agente da P.S.P. no exercício das suas funções e cuja presunção de verdade lhe é inerente.

    4. Pelo que não se compreende a douta sentença quando refere “(..) A única testemunha que apresentou para corroborar tal versão (...) foi o agente F... (...) “.

    5. Salvo o devido respeito, o arguido e o agente foram os únicos intervenientes da participação, razão pela qual é a única testemunha presunção de verdade lhe é inerente, pois o agente em questão estava no exercício das suas funções.

    6. Ora, salvo o devido respeito, não foi o que aconteceu na douta decisão em crise, tendo o Tribunal a quo decidido e concluído de forma contrária, contrariando todas as regras da experiência comum (sempre salvo o devido respeito).

    7. Tal agente referiu que o arguido não foi informado que tal participação era susceptível de um qualquer procedimento criminal contra o demandante, bem como não informou o arguido.

    8. O arguido não pretendeu intentar qualquer queixa crime, apenas unia modesta (na sua óptica) participação, para cancelar os cheques, pois entendia que já tinha pago a quantia em dívida a titulo de capital e as despesas e honorários eram exagerados, o que na óptica do arguido é a mesma coisa.

    9. Não ficou por isso demonstrado em tribunal os factos provados das alíneas 10) e 11l) da douta sentença.

    10. Antes pelo contrário, foi dito pelo agente da P.S.P. que a única intenção era cancelar os cheques, nada mais.

    11. Não se pode exigir a um cidadão comum, como é o caso do arguido, com apenas o 9º ano de escolaridade (cifra alínea 22 dos factos provados), que conheça o Estatuto da Ordem dos Advogados ou até outro qualquer estatuto qualquer.

    12. Acresce que o referido agente referiu que tentou extrair das palavras do arguido qual era a sua intenção e, em face disso, elaborou a participação, facto que é confirmado na douta sentença, tendo admitido como possível que poderia ter retirado conclusões erradas das palavras do arguido 15. Pelo que, erradamente e salvo o devido respeito, foi dado como provado as alíneas 10) e 11) dos factos provados, quando nada disso ficou provado.

    13. Propugna-se pela falta do preenchimento do elemento subjectivo do tipo legal de crime, que não ficou demonstrada, bastando para o efeito ouvir o depoimento do agente da PS.P. F... que é esclarecedor.

    14. Contudo e pelo menos e com base no princípio in dubio pro reo, pois dúvidas existem sobre a verificação dos factos, deve o arguido ser absolvido considerando as declarações do agente da P.S.P. ouvido.

    15. Violou pois, a douta sentença, salvo o devido respeito, tal princípio ao não o ter aplicado ao caso dos autos, face à prova produzida (face à verdade material), prova que qualquer tribunal está vinculado.

    16. Não ficou demonstrada em julgamento a intenção de suspeita, porparte do arguido, da prática de crime contra o demandante, nem sequer a intenção de instauração de qualquer procedimento.

    17. O Tribunal recorrido na dúvida em relação a qualquer facto, à intenção do arguido, face ao depoimento do agente da P.S.P., deveria sempre ter decidido a favor do arguido e não contra ele.

    18. O tipo subjectivo de ilícito criminal não está nem pode estar preenchido, bastando para tal ouvir as declarações do agente da P.S.P. e do arguido e a demais prova produzida e trazida para os autos.

    19. Face à prova produzida, admite—se que o arguido teve um comportamento negligente, o que, do ponto de vista do tipo subjectivo, trata—se de crime punível, exclusivamente, a título de dolo, estando excluída a sua punição a título meramente negligente.

    20. De onde que, a ser assim, estaríamos perante mera acção negligente, quando o crime dos autos é necessariamente doloso.

    21. Verifica—se o vicio de insuficiência de matéria de facto para a decisão, por tal factualidade ser determinante para apurar o elemento subjectivo do tjpo de crime que lhe era imputado — denúncia caluniosa.

    22. No máximo e sem conceder, sempre se dirá que, quanto muito, ao arguido poderia ser atribuído culpa a título de dolo eventual, não mais, mas nunca dolo directo, conforme a douta decisão refere.

      26 Existe, pois, um vício da sentença quanto à sua fundamentação, pois foi o que aconteceu na sentença recorrida.

    23. Existe também insuficiência da matéria de facto para se ter concluído pela condenação do arguido, até mesmo pelas regras da experiência.

    24. Consubstancia igualmente um erro notório na apreciação da prova por parte do Tribunal a quo.

      29° Assim e face ao exposto, nunca o arguido poderia ter sido condenado como foi, devendo ser absolvido do crime que vem acusado, revogando—se a douta sentença recorrida.

    25. Não tendo o arguido praticado o crime que acusado, não há lugar a qualquer condenação a título de indemnização civil, pelo que o pedido deve ser julgado improcedente, revogando—se a sentença recorrida quanto a este pedido, sempre salvo o devido respeito.

      Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgada procedente por ter provimento, conforme se propugna nas conclusôes, absolvendo—se o arguido da prática do crime que v acusado, b como do pedido de indemnização civil, tudo com as devidas consequências legais, sendo que assim se fará a costumada JUSTIÇA.

      O Ministério Público, nas suas contra-alegações pronunciou-se pela improcedência do recurso. O Senhor Procurador Geral-Adjunto neste Tribunal da Relação deu o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.

      * II. FUNDAMENTAÇÂO As questões a decidir: Em face das conclusões do recorrente são duas as questões a decidir: a) insuficiência para a decisão da matéria de facto e erro notório da prova; b) não preenchimento dos elementos que integram o tipo de crime.

      * Importa antes de mais atentar na matéria de facto e respectiva fundamentação dada como provada e que consta na decisão em apreciação.

      A) Factos provados: A.!) Da matéria constante da acusação pública 1) No dia 26 de Setembro de 2007, o arguido participou formalmente na Esquadra da PSP/MMM..., os seguintes factos: “(...) na qualidade de sócio gerente da firma “....”, com sede nesta cidade, a qual foi alvo de processo de penhora, levada a efeito pelo Tribunal de Vila Nova de Gaia, recorreu aos serviços do Sr. Q..., tendo liquidado os respectivos honorários, através dos cheques n° ....e n° .... da Caixa ...., com o valor de 1.190,69 euros cada, perfazendo o total de 2.381,38 euros, passados no mês de Julho mas com datas a partir de 3 0/09/2009. Posteriormente veio a constatar que aqueles honorários eram excessivos, pelo que contactou o detentor dos cheques para não proceder ao seu levantamento enquanto não fossem rectificadas as contas, motivo pelo qual vai proceder ao cancelamento dos mesmos para que posteriormente emita novos cheques com o valor adequado”; 2) A participação foi elaborada pelo Agente da PSP F... e assinada pelo arguido; 3) O Advogado Q... é mandatário constituído do exequente M... no processo de execução n° 110 13/06.9TB\TNG do 6° Juízo do Tribunal Judicial de...

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