Acórdão nº 888/04.6TAVIS.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 05 de Janeiro de 2011

Data05 Janeiro 2011
ÓrgãoCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)
  1. Relatório: A) No âmbito do processo comum (tribunal singular) n.º 888/04.6TAVIS que corre termos no Tribunal Judicial de Viseu, 2.º Juízo Criminal, por Sentença de 3/5/2010, a arguida I… foi condenada, como autora material da prática de um crime de burla simples, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1, do C. Penal, na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de 15 (quinze) euros, o que perfaz o montante global de 2.100 (dois mil e cem) euros, e, ainda, a pagar à ofendida “HM…, Ld.”, a quantia de quatro mil e dezasseis euros e vinte e cinco cêntimos, a título de indemnização civil, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos nos termos das condições de pagamento acordadas, ou seja, 50% a 30 dias e 50% a 60 dias, desde a data de emissão da respectiva factura e vincendos até efectivo e integral pagamento.

**** B) Inconformada com a decisão recorrida, dela recorreu, em 7/6/2010, a arguida, pedindo a sua revogação, com a inerente absolvição, quer na vertente criminal, quer na vertente cível, extraindo da motivação as seguintes conclusões: 1. A prova produzida e os demais elementos disponíveis permitiam ao Tribunal concluir que, realmente, não foi cometido crime algum, pois ficou demonstrado em juízo que a Arguida não praticou os factos que lhe foram imputados.

  1. Pelo menos, o Tribunal sempre devia ter assumido dúvida razoável acerca dos factos imputados à arguida, o que determinaria a sua absolvição, à luz do basilar princípio in dubio pro reo.

  2. A questão submetida a juízo era a de saber em que termos e em que contexto se processou a entrega de plantas a que alude o n.º 10 dos “factos provados”.

  3. Concretamente, importava determinar se tal entrega decorreu de um artifício usado pela Arguida com o intuito de obter o fornecimento de certa mercadoria, estando já determinada a não pagar o respectivo valor, ou se, pelo contrário, tal entrega se destinou a substituir plantas que morreram, havendo acordo nesse sentido, bem assim no sentido de haver um acerto de contas.

  4. O tribunal concluiu que tudo aconteceu em virtude de a Arguida ter arquitectado um plano destinado a obter uma vantagem pecuniária à custa de quem fez a entrega da mercadoria.

  5. A decisão proferida foi condicionada e induzida por um pré-juízo que o Tribunal permitiu que se instalasse, levando-o a tirar ilações e a chegar a conclusões que não encontram apoio nos autos.

  6. O Tribunal optou por desenvolver o raciocínio decisório com base na mera “interpretação literal” de umas comunicações subscritas pela Arguida, mesmo quando foi patente que a realidade das coisas era incompatível com essa literalidade.

  7. Apesar de toda a demais prova produzida (em especial as três únicas testemunhas cujos depoimentos o Tribunal declarou credíveis), apontar em sentido inverso, o Tribunal ignorou ou desvalorizou essa prova.

  8. O Tribunal percebeu que a Arguida foi vítima de um logro, de um embuste, perpetrado pela testemunha F....

  9. O Tribunal também percebeu que, para manter o embuste, essa testemunha e três outras, articuladas entre si, mentiram em juízo, mas, ainda assim, a Arguida é que saiu condenada.

  10. Não havendo elementos probatórios que sustentem realmente a decisão, afigura-se que, induzida pelo pré-juízo de que o Tribunal não se libertou, tal decisão terá assentado na íntima convicção, o que não é critério decisório aceitável, por incontrolável.

  11. De resto, parte muito substancial da fundamentação evidencia um exercício especulativo, sendo tecidas considerações sem qualquer apoio nos autos.

  12. Sem prejuízo de melhor opinião e sempre com o devido respeito, a sentença recorrida mostra-se desconforme à realidade dos autos.

  13. Há erro na apreciação da prova, justificando-se a alteração da decisão da matéria de facto, no sentido acima referido e de acordo com os meios de prova também indicados.

  14. Essa alteração atingirá os n.ºs 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 14, 15 e 16 dos “factos provados”.

  15. E implicará que sejam dados como provados os factos acima elencados de 1 a 10 sob a epígrafe “factos que deveriam ter sido dados como provados”.

  16. Tal alteração do quadro factual conduzirá a diferente solução jurídica e, por isso, à absolvição da Arguida.

  17. Quanto à vertente cível, por inerência, também a Arguida deverá ser absolvida.

  18. Mostra-se violado o disposto no artigo 217.º, n.º 1, do Código Penal, mostrando-se também violado o disposto nos artigos 483.º, 562.º e 566.º, do Código Civil.

    **** G) O Ministério Público junto da 1ª instância respondeu, em 2/9/2010, ao recurso da arguida, defendendo a sua improcedência total e, sem apresentar conclusões, argumentou, em resumo, o seguinte: 1. A Motivação de recurso não respeita os requisitos, no que tange à indicação das especificações previstas nas alíneas b) e c), do n.º 3 e n.º 4, do artigo 412.º, do CPP, na medida em que não indica especificadamente as provas que impunham relativamente a cada ponto uma decisão diversa quanto à matéria de facto.

  19. Tal inviabiliza o conhecimento do recurso na parte atinente à matéria de facto que o recorrente pretende ver impugnado, cingindo-o à matéria de direito ou aos vícios apontados no n.º 2, do artigo 410.º, do CPP.

  20. Por isso, deve ter-se por assente e não impugnada a factualidade dada como provada.

  21. A sentença recorrida não padece de erro notório na apreciação da prova.

  22. Os pressupostos típicos do crime de burla estão verificados nos autos. **** O recurso foi, em 7/9/2010, admitido.

    Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 22/9/2010, emitiu douto parecer em que defendeu a improcedência total do recurso, salientando que “para evitarmos repetições, tomamos a liberdade de remeter para as considerações muito pertinentes sobre erro notório na apreciação da prova e livre apreciação da prova que a nossa Exma. Colega tece a fls. 554 e ss.

    ”.

    Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.

    Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir.

    ****II. Decisão Recorrida: “2. Fundamentação A) – Factos provados 1. A sociedade “HM…, Lda.” é uma sociedade por quotas cujo objecto social consiste na produção e comercialização de produtos agrícolas e agro-pecuários, agricultura, produtos agrícolas e viveiros, fruticultura, viticultura, culturas arvenses e outras, cujos sócios e gerentes são A......, F...... e P...., com sede no L…, matriculada em 8.01.2003, conforme certidão emitida pela respectiva Conservatória de Registo Comercial junta a fls. 121 a 124, cujo integral teor aqui se dá por reproduzido.

  23. A sociedade “HM…, Lda.” é uma sociedade por quotas cujo objecto social consiste na produção e comercialização de produtos agrícolas e pecuários, cujos sócios são F......, H..., A...... e M..., sendo gerente o sócio A......, com sede no L…, matriculada em 18.12.1996, conforme certidão emitida pela respectiva Conservatória de Registo Comercial junta a fls. 115 a 118, cujo integral teor aqui se dá por reproduzido.

  24. Em 19.01.2002, o marido da arguida, P..., adquiriu à sociedade “XB...... – ..., Lda.” 7 250 enxertos Tinta Roriz R110 e 7 250 Bacelo R110, para plantação na propriedade por si explorada, em P…, Viseu, tendo então pago o respectivo preço, no valor global de 12 911,96 euros, conforme factura junta a fls. 73.

  25. Plantados tais enxertos em Viseu, vieram a morrer 7 250 desses enxertos de Bacelo R110, tendo a arguida ficado convicta que tal se devera à má qualidade desses mesmos enxertos.

  26. Porquanto não conseguisse daquela sociedade indemnização pelo prejuízo sofrido com a morte desses enxertos, a arguida ciente de que a testemunha F... era sócio gerente da firma “XB...... – ..., Lda.” arquitectou um plano de modo a poder fazer-se ressarcir daqueles danos com que não se conformara.

  27. Em 10 de Março de 2004, a arguida contactou telefonicamente com F..., à data, sócio e gerente da “XB...... – ..., Lda.” e sócio da sociedade ofendida “HM…, Lda.”, para o número 232470724, com vista à aquisição de 6250 enxertos prontos em R110.

  28. Na sequência desse mesmo telefonema, nesse mesmo dia 10.03.2004, pelas 12,29 horas, a arguida enviou ao referido F... o fax junto a fls. 22, recepcionado através do n.º 232470724, solicitando a encomenda de 6250 enxertos prontos em R110 para uma propriedade situada em Fornos de Algodres, aguardando confirmação do pedido c condições de pagamento e informando que o local de entrega será na Estrada Alcafache, Viseu.

  29. Em resposta a tal fax da arguida, foi enviado em papel timbrado da ofendida “HM…, Lda.”, um fax, enviado às 13,27 horas do dia 11.03.2004, dirigido à arguida, contendo a proposta de venda de enxertos prontos Trincadeira Preta P1103, quantidade 2000, valor total de 1 800 euros, e Trincadeira Preta R110, quantidade 4250, valor total de 3 825 euros, com as respectivas condições de pagamento sendo 50% a 30 dias e 50% a 60 dias, a validade da proposta era de 2 dias, conforme documento de fls. 23, cujo integral teor aqui se dá por reproduzido.

  30. A arguida respondeu a tal proposta, novamente por fax enviado em 12.03.2004, pelas 11,19 horas, para o número 232470724, dirigido a F..., onde constava como assunto: compra de enxertos e onde estava escrito: recebemos o vosso fax e informamos que aceitamos as condições propostas apenas de Enxertos Prontos Trincadeira Preta (Tinta Amarela) R110, 4250 unidades, sendo o local de entrega Estrada Alcafache, Viseu, conforme documento de fls. 24, cujo integral teor aqui se dá por reproduzido.

  31. Na sequência de tais negociações, no dia 18 de Março de 2004, a ofendida, cumprindo instruções da arguida, entregou ao sogro desta, em Estrada de Alcafache, Viseu, 4250 Enxertos Prontos Trincadeira Preta (Tinta Amarela) R110, em 17 caixas.

  32. Após a entrega, à arguida da dita mercadoria, os legais representantes da ofendida contactaram a arguida com vista a obterem o pagamento por aquela do preço da mercadoria que lhe haviam entregue, no valor total de 3 825 euros, acrescido...

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